O drible

Para ajudar a relaxar nesta semana que só vai acabar daqui a 3 anos, uma sugestão de leitura do Blog do Santinha em transmissão conjunta com o Caótico.

A descrição do drible de corpo de Pelé no goleiro uruguaio Marzukiewicz que abre O drible, de Sérgio Rodrigues, tem tudo para ser citado exaustivamente sempre que literatura & futebol for tema de debates, oficinas, artigos, mesas redondas e coisas e tais.

Rodrigues acertou a mão e construiu uma abertura inesquecível para seu romance. Se Pelé foi responsável pelo lance mais imprevisível do futebol, jamais um gol perdido foi descrito com tamanha beleza. Ao menos nos parágrafos iniciais do livro, Sérgio Rodrigues esteve à altura de Edson Arantes do Nascimento.

Só um aperitivo: “Congelada, a imagem do velho videoteipe fica distorcida. Parece que o negro de camisa amarela e o branco todo de preto vão colidir, quem sabe se fundir, feixes luminosos tentando esquecer que um dia foram carne”.

A pegada segue firme ao longo de todo romance. Tabelando com Didi, Garrincha ou Vavá, Sérgio Rodrigues conta as idas e vindas de Neto para curar inúmeras feridas e aproximar-se do pai, um outrora famoso cronista esportivo amigo que fez fama e fortuna durante a ditadura militar.

Ao longo do romance, figuras reais como Nélson Rodrigues, seu irmão Mário Filho e Millôr Fernandes reencarnam para interagir com o protagonista Murilo Filho. As aparições dos monstros sagrados da crônica e do jornalismo ocorrem em flashes, coisa rápida o bastante para garantir verossimilhança e encantamento, sem risco que algum deles tome conta do livro. Fez bem o autor. Com gente desse porte, não se brinca.

Se o pai do protagonista bate-bola com Nélson Rodrigues, o personagem do livro de memórias cujos rascunhos ele entrega para o filho Neto revisar, um jogador quase sobrenatural chamado Peralvo, bate-bola com sua-majestade-o-rei-do-futebol.

O_DRIBLEA prosa leve de Rodrigues, que já foi capaz de garantir uma narrativa instigante em Elza, a garota, desta vez soma-se a um maior domínio técnico – bendita seja a experiência. Em nenhum momento, o leitor desgruda-se da trama.

Nada é precipitado, a cortina vai se abrindo aos poucos, num ritmo sedutor, de um jeito tal que dá gosto ter O drible na bolsa para, de vez em quando, abri-lo, ler quatro ou cinco páginas e, em seguida, guardá-lo com calma esperando o silêncio, o sossego e o momento para retomar a leitura.

A história dos desencontros dos Murilos, Filho e Neto, é narrada por uma terceira pessoa tão discreta, discretíssima aliás, que suavemente se revela tão falsa quanto a intenção de Pelé ao correr para receber a bola de Tostão diante da grande área uruguaia. Uma finta de corpo que deixa o leitor sem pernas, embasbacado, porém satisfeito de chegar ao final de um livro que marca com honra um gol de letra ao unir futebol e literatura, duas pontas da vida que andavam soltas.

O drible traz para a ficção a importância que o futebol tem para o Brasil contemporâneo. E, contraditoriamente, também carrega sua desimportância e pequenez diante da dor de menino que o adulto deveras sente.

Festa no morro? Ainda não.

Reinaldo da Galeria convidou Robson Sena. Robson convidou Gerrá, que me convidou. Então convidei Samarone, que farrapou.

Foi só o jogo acabar e lá fomos nós para o galpão da Galeria do Ritmo, a escola de samba de um dos melhores lugares do Recife, o Morro da Conceição, pau-a-pau com a Bomba do Hemetério, Poço da Panela e Brasília Teimosa.

Tricolor não precisa de motivos para subir o Morro, mas nós tínhamos um. E bem forte: acompanhar a escolha do samba-enredo da escola que, no próximo carnaval, vai homenagear o centenário coral. Programa melhor não há para uma noite logo após uma vitória importante.

Foi só descer do ônibus e pescar o diálogo entre dois tricolores devidamente caracterizados e um sujeito todo sorridente, metido a piadista:

– Tão alegrezinhos hoje porque ganharam uma, mas tomem cuidado, viu, sábado que vem é dia de Finados.

– O jogo vai ser domingo, otário.

Bonito pra tua cara. Deu vontade de dizer, mas fiquei na minha e fui passando. Não sou do morro, tava ali emprestado.

Flagra de Robson julgando
Flagra de Robson julgando

Na frente da Galeria, Robson era o amostramento em pessoa na iminência de representar a Minha Cobra no corpo de jurados. Logo ele, que entende tanto de carnaval, mas tão pouco de samba.

Por mim, fiquei mais interessado em ser escalado para ser jurado do evento do sábado que vem, a noite da Mini-Saia. A dona da menor mini-saia vai levar 150 contos para casa. Aceitaria o convite para fazer um julgamento técnico e isento. Gerrá também topou, demonstrando disponibilidade para as causas populares e um desprendimento ímpar. É bem verdade que as nossas respectivas senhoras chiaram um pouco e partiram para ameaças, as mais vulgares possíveis, aliás.

Mesmo assim, continuamos a espera do convite. Ainda dá para reorganizar a agenda para sábado.

O galpão é quente todo. Cobertura de zinco triplicando as consequências do efeito estufa e do, calor humano.

O pisante de um bamba
O pisante de um bamba

Desde que botamos o pé na escola sabíamos que estávamos entre iguais: um sujeito à paisana bateu com a mão espalmada no escudo do meu uniforme cobra coral, distribuindo sementes de poesia: “Não estou assim, mas eu sou assim”. Depois foi até Gerrá e repetiu o que havia me dito.

A galeria é lugar de gente como este tricolor afetuoso que nos fez sentir em casa. E de gente como Naná Santana, mestre de bateria aposentado e que agora sobrevive dando oficinas de percussão para crianças. Com seu pisante de pele de cobra e o passo macio de quem entende do riscado, o sujeito é um bamba.

Também estava lá seu Nininho do Pandeiro, compositor do samba vencedor que diz “Eterno supercampeão guerreiro / sinônimo de devoção / o escudo da sua bandeira / desperta no povo uma louca paixão”.

Ao escutar um elogio à letra do segundo samba a se apresentar, ele se doeu e alfinetou:

– Quero ver é a evolução…

Realmente, o samba rival mais involuía que evoluía, apesar da letra mais ajeitada e da torcida fervorosa que, uma hora depois, se arretaria com o anúncio do resultado a favor da turma de seu Nininho, que, registre-se, também é um senhor passista.

A competição se deu em níveis de civilidade elevados, ao contrário do que acontece nas escolas mais afamadas do Rio de Janeiro, onde o cacete come e o dinheiro corre antes, durante e depois.

Nininho
Nininho do Pandeiro e senhora

Apesar da vitória nos confins de Minas Gerais , o clima não era de euforia. Ou estava todo mundo muito concentrado no samba-enredo ou ninguém tem coragem de cantar vitória antes do tempo. Ou as duas alternativas estão corretas.

Curiosamente, até mesmo os compositores e arranjadores do samba vencedor tiveram de comemorar com o freio de mão puxado. Vão ter de sentar com a comissão de carnaval para “fazer ajustes” na letra. Do lado de fora, gente da diretoria já dizia que o melhor mesmo seria juntar todo mundo e misturar a evolução do samba de Nininho + a poesia do segundo colocado + o refrão arrebatador do terceiro samba.

Se o Morro da Conceição ainda não está comemorando, o melhor que todos os tricolores devem fazer é cruzar os dedos, roer as unhas, fingir que não ganhamos nem o primeiro jogo e imaginar o que virá pela frente.

 

 

 

A torcida ficou enfezada
A torcida ficou enfezada

 

Pense numa quadra de escola bem decorada
Pense numa quadra de escola bem decorada

 

É o sistema nervoso

A quem eu perguntei, a resenha foi parecida com a minha. Robson Sena foi dormir e só ligou o rádio depois das seis horas. Samarone teve falta de ar e taquicardia.

Inácio foi dar uma trepada pra relaxar e esquecer o segundo tempo.

Só sei que meu lombo ainda está dolorido. Parece mais que levei uma pisa.

Mal acordei no domingo e comecei a sentir os sintomas.

Uma sensação de fraqueza. A barriga cheia de gases. Até chicotinho eu tive.

A superstição me mandou vestir a mesma camisa e ir para casa do meu pai. Partida  decisiva pelo rádio tem que ser na moradia de Seu Geraldo. Sempre deu sorte.

O coroa tem 77 anos de estrada e já viu de tudo nesse mundo tricolor coral das bandas do Arruda. Acho que é por isso que ele se mantem calmo. Meia hora antes, ele liga o rádio e começa a cochilar na cadeira de balanço. Parece que nada está acontecendo.

Já eu, não passo nem perto do Sharp.

Almoço, tomo uma cerveja, ligo a televisão e deito no sofá. Fico forçando um sono para ver se desapareço e não escuto a agonia da narração.

Adormeci e acordei com a gritaria na rua.

Gooooooooolllllll, o Sharp berrava no terraço. A mãe gritando “gol do Santa” e a pequena Sofia me abraçando.

Daí pra frente, o corpo foi dando sinais de nervosismo. Fiquei prostrado no sofá, pois se levantasse podia dar azar. Foi surgindo uma dor de cabeça. Pensei em ligar pro Samu. Estava certo que um acidente vascular cerebral tomava conta de mim.

“Mãe, eu acho que estou tendo um derrame”.

“É nada, menino. Isso é o sistema nervoso. Vou fazer um copo de água com açúcar”.

“Eu prefiro uma dose de uísque”.

“Primeiro a água com açúcar. Depois o uísque”.

Tomei a garapa. Em seguida o uísque.

Aquele primeiro tempo não acabava. Bateu um soluço infeliz.

Meu pai se levanta, passa por mim e diz que o time recuou muito. Sinto a barriga embrulhar. Corri pro banheiro. Um jato de água e fezes saiu queimando tudo.

Fim do primeiro tempo. Peguei as meninas, levei minha mãe para igreja e me mandei pra casa. Havia combinado com Inácio de irmos juntos para Galeria do Ritmo, assim que o jogo acabasse.

Cheguei em casa, era umas quinze pras seis. Pergunto a primeira-dama quanto está o jogo.

“Oxi. Nem o rádio liguei. Tou toda me tremendo. Tá quanto?”

“A gente estava vencendo de um a zero. Mas eu vim escutando música.”

De repente um grito na rua: É Santa Cruz nessa porra.

Abracei a família e nos mandamos pro samba.

Betim 0 X 1 Santa Cruz. Cronistas corais se recuperam e prometem textos para hoje à tarde

Amigos corais, ainda não estou em condições físicas e psicológicas de escrever para este afamado Blog do Santinha, sobre a histórica vitória de ontem. Órgãos mais atingidos, assistindo a transmissão pelo rádio: fígado e coração.

O senhor Inácio França quase infartou duas vezes. Depois do jogo, foi à Escola do Samba Galeria do Ritmo, ver a disputa final do samba-enredo do Carnaval 2014 da Escola, que terá como tema o “Centenário Coral”.

O cronista Gerrá Lima está possivelmente em Seu Vital, no Poço da Panela, analisando todos os lances com Naná, o homem da Komby Coral. Ele, a exemplo de Inácio, foi á Galeria do Ritmo, na condição de jurado da disputa do samba-enredo. Suas notas foram tão malucas, que ele foi apelidado pelos moradores do Morro da Conceição de “Pedro de Lara da Galeria”.

Nos resta aguardar.

Respiremos fundo. Estamos bem perto de sair desta desgraça que se chama Série C. A cidade, por sinal, está uma maravilha para andar. Tem tricolor esbarrando um no outro.

Vamos nessa! Domingo tem jogo, telão e escolha do samba-enredo do Centenário Coral na Galeria do Ritmo!

Amigos corais, o domingão promete.

A eficiente redação do Blog do Santinha apurou que no próximo domingo, às 18h, após a vitória do Santa Cruz contra o escrete do Betim, na quadra da Escola de Samba Galeria do Ritmo, no Morro da Conceição, haverá a finalíssima para a escolha do samba-enredo da escola, que terá como tema o Centenário do Santa Cruz.

Segundo o presidente da escola, Reinaldo Santos, a turma do Morro está eufórica com a escolha do tema para 2014. Ele detalhou a programação, que será a seguinte:

16h: Santa X Betim (com telão, cerveja e tudo o mais);

18h: Leno Galeria e seus convidados (para tocar fogo na massa coral);

20h: Bateria Nota 10 e o concurso (última etapa).

Concorrem os compositores: Nininho, Uita e Bibo.

Entrada franca!

Fomos informados há pouco que o senhor Gerrá Lima, editor e cronista deste Blog, foi convidado para ser um dos cinco jurados! Como carnavalesco, diretor de troças as mais diversas, deve ser um eficiente jurado mesmo.

A Galeria do Ritmo fica na rua Belarmino Henrique, 147, Morro da Conceição, logo após a sede do “Acadêmicos”.

Todos convidados.

Ps. O presidente pediu para o Blog anunciar  que no sábado, a partir das 22h, haverá a Terceira Festa do “Gayleria”. Fica o registro.

Entre na justiça você também

Virou zona. Virou não, sempre foi. Pelo menos agora não cabe mais a hipocrisia nem a pose dos cartolas.

Era balela aquele lenga-lenga que clube de futebol não pode nunca jamais entrar na justiça comum e, se entrar, a confederação do País é suspensa pela FIFA e bye bye. Antes, eram grupos de torcedores que entravam com as ações. Acabaram os disfarces.

Já que um juiz de Campina Grande pode determinar quais times podem ou não podem participar de um campeonato e outro de Betim, já no fim de expediente e prestes a ir para casa bota um papel em cima das coxas e assina uma decisão ignorando as regras de quem organiza o campeonato, tá valendo tudo.

Por isso, o departamento jurídico do Blog do Santinha resolveu, para colaborar com os clubes bicolores de Pernambuco e outros times de outras terras, sugerir algumas petições judiciais que poderão ser feitas em qualquer comarca deste Brasil varonil.

Sugestão jurídica para a coisa: com base na lei 9.605/98, os advogados da praça da Bandeira podem tentar anular as três lapadas que levaram do Santa Cruz na Ilha do Retiro em 2011, 2012 e 2013. Basta alegar que o Santinha desrespeitou o artigo 32 dessa lei que protege os animais. O artigo diz que é crime “praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos”. Animal exótico, o leão. Domesticado, o boi.

É botar na Justiça e no outro dia a polícia vai no Arruda tomar as taças. Se o advogado rubro-negro solicitar é capaz do meritíssimo obrigar Tiago Cardozo a jogar com uma venda nos olhos e de costas para o campo.

Sugestão jurídica para a coisa-rosa, ex-barbie: Como os torcedores alvirrubros vivem tentando ser amigos dos tricolores e são sempre repelidos com piadinhas e gozações as mais variadas, os causídicos alvirrubros podem alegar que a torcida do Santa Cruz está infringindo a lei 4.837 de maio de 2012, a lei do bullying.

Afinal, não é de hoje que a tricolozada pratica intencionalmente e de maneira continuada, de índole cruel e de cunho intimidador e vexatório, todo tipo de sacanagem contra o time de São Lourenço da Mata.

Na Paraíba não vai faltar juiz para bater o martelo e determinar que o Santa Cruz vá jogar o campeonato sergipano.

 

Se até Jesus está puto, sairemos dessa!

 

Vamos por partes, como diz o esquartejador.

O Santa se classificou em primeiro lugar no seu grupo, após uma luta brutal.

Jogaria neste sábado (19) contra o escrete do Betim-MG, no interior de Minas.

A FIFA exigiu a punição para o Betim. Seis pontos a menos na classificação. Rolos envolvendo grana. O Betim foi punido e perdeu a vaga para o Mogi-Mirim.

Tudo mudou. nosso jogo foi remarcado para segunda-feira (21), contra o Mogi-Mirim, no interior de São Paulo.

Dezenas, centenas de torcedores, que tinham gasto uma grana, para viajar a Betim, ficaram no prejuízo. Teve ônibus que voltou da Bahia.

Há pouco, as rádios informaram e que o Betim consegui liminar, na Justiça Comum. É o dono da vaga que foi do Mogi-Mirim por algumas horas.

Somente segunda-feira saberemos nosso destino – e olhe lá.

Mas há algo novo no ar.

Vi na TV, hoje, o Jesus Cristo Coral no saguão do Aaeroporto dos Guararapes!

Estava com aquela coroa de espinhos cravada na cabeça, os cabelos descendo aos ombros, a roupa de quem está pregando no meio do deserto de imbecís da CBF.

E notei algo. Jesus estava puto da vida. Invocado. Indignado. Por muito pouco, não soltou palavrões ao vivo, no horário nobre.

Do alto da minha prosopéia, ouso dizer que esses clubes podem fazer o diabo por debaixo dos panos, em comarcas do interior, usando advogados no lugar de centroavantes, procuradores no lugar de laterais, intimações no lugar de lançamentos, força política no lugar de divididas na bola, sentenças no lugar de gols – mas o fato concreto, evidente e cósmico é simples – nós vamos jogar bola e vamos classificar, dentro das quatro linhas.

Anotem em seus caderninhos: estamos vivendo nossos últimos minutos na Série C.

Amigos, se até Jesus está puto, sairemos dessa!

Mogi-Mirim x Santa na segunda feira! Ou: A “Poliesculhambose” do futebol nacional e “A constatação do óbvio”.

A Poliesculhambose do futebol nacional

Amigos corais, o futebol nacional continua uma poliesculhambose (múltipla esculhambação).

Acabamos de saber, por fontes diversas, que a CBF desclassificou o escrete do Betim do mata-mata da Série C, contra o Santa Cruz, colocando em seu lugar o escrete do Mogi-Mirim. Não vale a pena explicar agora a confusão. O mais importante é refazer as agendas e o psicológico.

O jogo foi remarcado para segunda-feira: Mogi-Mirim x Santa Cruz, em Mogi.

Ou seja, quem pretende viajar para ver o Santa em campo, mude a passagem com urgência.

Nossa valorosa equipe de repórteres do Blog do Santinha já está em campo, fazendo o levantamento sobre o próximo adversário, estatísticas, local do jogo, esquema tático e a repercussão na preparação do Mais Querido.

Quem souber de mais novidade, pode colocar nos comentários.

Abaixo, segue a mini-crônica escrita por este que vos fala.

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A constatação do óbvio

Abro o Diário de Pernambuco de hoje, vejo as manchetes, tragédias, coisas da política, a rotina de derrotas de barbie, até que reparo ao pé da primeira página uma pequena manchete:

“Fanatismo”

Leio o textinho logo abaixo:

“Pesquisa mostra que o torcedor do Santa Cruz está em quarto lugar lugar no ranking dos mais fanáticos por seu time do coração”.

Corro para a página 4, pego um café e vou aos detalhes.

Vai um resumo.

A “Pluri”, uma consultoria nacional, resolveu medir o grau de envolvimento de um torcedor com seu clube. Entrevistou 10.545 pessoas, em janeiro de 2012, em todo o Brasil, pedindo que dessem apenas uma resposta para a relação com seu time. As opções eram:

(x) Fanático

(  ) Torcedor

(  ) Simpatizante

(  ) Indiferente

Pois bem. O Santa Cruz Futebol Clube, o nosso Santinha, cravou o quarto lugar na pesquisa, no que se refere à autodefinição “fanático”.

Ficamos atrás do Grêmio, Internacional e Atlético-MG.

Deixamos para trás clubes milionários como Corínthians de Regatas, Flamengo, Palmeiras, Vasco, Bahia, Vitória, São Paulo, Botafogo, Santos e Fluminense. A coisa também foi citada na pesquisa, bem como a barbie. Todos bem distantes do Mais Querido.

Mas isso não importa. Aqui é o Blog do Santinha, quem quiser que crie seu blog para falar de seus respectivos clubes.

No final das contas, o que eu tenho percebido nessas pesquisas sobre futebol e sobre o Santa Cruz é que elas simplesmente constatam o óbvio.

Até os mortos sabem que temos uma torcida fanática e a mais apaixonada do Brasil. Inclusive, acho que se colocassem o ítem “apaixonado” na pesquisa, o Santa iria para o topo da tabela. Eu, particularmente, prefiro a paixão ao fanatismo.

De formas que só nos resta invadir  a Arena do Jacaré, em Sete Lagoas, para empurrar nossos atletas rumo à vitória.

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Milagres acontecem

A diretoria do Santa fez uma ação de marketing, acreditem. Lançou a promoção “Décimo Segundo Jogador”.

É o seguinte: Quem for sócio (e estiver em dia), deve acessar o site oficial do clube, preencher um cadastro e mandar uma frase. A mais criativa dará direito a passagens, traslado, ingresso para o jogo contra o Betim, além de hospedagem junto com a comissão técnica e jogadores. Vale até 18h de hoje. O resultado será divulgado amanhã, 10h.

Vamos lá, galera, mandar uma frase sobre o Mais Querido!

Já tenho até uma, dita por minha mulher, na muretinha do Arruda:

“Ei Santa Cruz, venha para a luz!”

Mas eu dificilmente sou um sócio em dia.

A Raça é ser Santa Cruz

Ela vem de todos os lados.

Dos Altos. Dos baixios. Dos arredores. De longe.

Desce dos Córregos. Sai dos prédios. Empunha a bandeira. Veste a camisa.  Atravessa esquinas. Cruza estradas. Corre. Anda. Pula. Balança.

A Raça está ali.

Em cima. Embaixo. Atrás. No meio. No aperto da multidão. No riso inocente da criança. Em pé. Sentada. De frente.

Está na fé. Nos dedos cruzados. Nas mãos levantadas para os céus. Nos olhos fechados. Na promessa.

Tá No medo. Nas unhas. Na fumaça do cigarro. Na agonia. Na ansiedade dos que acreditam.

Tá no batuque do coração. No som que circula. Na energia que contamina.

Nas lembranças. Na esperança.

Nos que estão por perto. Nos que estão à quilometros.

A Raça ataca. Defende. Dribla.

Ela está no passe. No toque. No lançamento. No gingado do atacante. No pique. Na cara feia do zagueiro. No voo. No grito. No aquecimento. Na dor. No arremesso. Na queda.

A Raça é o carrinho que destrói. O empurrão de corpo. O bico da chuteira.

É o cruzamento na área. O chutão. O erro. O acerto.

O impedimento. A falta cometida.

Está no tiro certeiro. Na bola estufada na rede. Na explosão do gol. No sangue que escorre pelas veias. Na comemoração.

A Raça vem em lágrimas. Soluça de alegria. Chora. Abre o sorriso. Grita. Festeja. Canta. Aplaude. Abraça. Beija. Enlouquece. Transborda.

No balé das camisas que voam no ar, no sobe e desce do bandeirão, no tremor da arquibancada, está a Raça.

A nossa Raça não tem peso. Não tem tamanho. Não é rica. Não é pobre.

É nua. Anda descalça. Usa camisa. Veste saia. Calça tênis. Sandália. Tamanco.

A Raça tem cor.

É Preta-branca-vermelha.

A Raça, a nossa, não se pede. Não se dá. Não se compra.

Nossa Raça brota.

A nossa Raça é ser Santa Cruz.

Os Russos e Nós

De Moscou. Acabo de sair do escritório da Macmillan de Moscou, onde tive uma reunião desastrosa com um grupo de editores russos, para caminhar na praça vermelha do Kremlin, espraiar a cabeça e pensar nas últimas linhas que estou escrevendo para a introdução do próximo volume da Trilogia das Cores. Decidi escrevê-las em Moscou por dois motivos: o primeiro, a insônia; o segundo, a psicologia. Vamos aos fatos.

Desde que cheguei aqui, comecei a prestar atenção no comportamento dos russos. Por exemplo, numa reunião de negócios, os anfitriões normalmente se entreolham com sarcasmo durante o momento em que você fala. Em termos de etiqueta, este é o pior sinal, pois ao mesmo tempo que intimida o convidado, o impede confrontá-los sem parecer desrespeitoso. Dirigi um elogio a uma funcionária que acabava de fazer aniversário. Falei simplesmente: “bem-vinda aos trinta!” Ela retrucou num inglês com sotaque de Ana Karenina: “impolite”. Há uma inimaginável desconfiança dos russos contra os outros; e deles contra eles mesmos. Sinto dez olhos me perseguindo pelas costas; ao olhar de volta, estranhamente tudo parece normal. Talvez a circunstância do país colabore para isso.

Isso me fez pensar nos torcedores do Santinha, incluindo eu mesmo. Nossa desconfiança contra um punhado de pessoas (diretores, técnicos, jogadores) soa extremamente exacerbada, mesmo quando fundamentada. Da mesma forma soa nosso excesso de confiança. Após o último jogo, quando o Santa jogou na corda bamba até fazer o segundo gol, todos os torcedores destacaram qualidades que, com exceção da raça, foram praticamente inexistentes. Creio que o único comentário lúcido foi o do torcedor Paulo Jr, quando falou que beiramos a uma catástrofe. Porém, esquecemos isso por causa da vitória, que produz uma amnésia coletiva, como na França logo depois da Segunda Guerra. Os vilões do nosso time de repente tornaram-se heróis, como nas metamorfoses de Ovídio, apesar de que um olhar atento ao jogo vai revelar que, do meio campo pra frente, nosso time foi uma completa lástima. Não consegui ver metade do que Inácio viu em Tiago Costa e Caça Rato, a não ser novamente um excesso de ruindade e correria. O Santa ganhou indiscutivelmente na tática da “guerrilha”. Isso nos fez subir em 2005, mas nos rebaixou no ano seguinte. Como diriam os economistas, nossa glória não parece ter “sustentabilidade”. Já nossas misérias…

A psicologia russa nos explica, a nós tricolores e ao Santinha, de uma forma perfeita. Aqui tive o prazer de visitar a casa de Dostoievski, um dos meus escritores favoritos e que talvez moldou “meu espírito” como ninguém mais. Quando adolescente, fui capaz de vender todos os CDs do meu pai para comprar a sua edição completa publicada pela José Olympio. Lembro-me bem, foi no sebo Progresso, cujo dono me tapeou feio. O rapaz foi lá em casa, olhou para os discos de Roberto Carlos do meu pai, e disse: você paga seiscentos e cinquenta reais e me dá todos esses discos aí também. Percebi a gota de suor descendo da testa dele, um indício que inocentemente ignorei. Confesso meu pecado, torcedor. Realmente eu cedi à tentação; e logo depois fugi para a casa da minha avó, sabendo que o velho iria me esquartejar em praça pública. Ainda hoje, quando volto a Recife e olho a prateleira da minha biblioteca, observo  aqueles dez volumes com um misto de prazer e de culpa. Se o leitor conhece Dostoievski, vai me identificar com o Raskolnikov, o príncipe dos assassinos ideólogos.

Quando você pensa nos personagens de Dostoievski, não há como não traçar uma linha entre eles e nós. Por dois motivos principalmente. Ei-los:

Primeiro, eles se regozijam na miséria existencial de uma forma mística. O leitor vai achar que eu sou um esquisito escrevendo essas coisas, mas nós tricolores também o fazemos. Foi quando fomos ao fundo do poço na Série D que encontramos nossa unidade, ou como dizia Bergson, nosso “élan vital”. Os personagens de Dostoievski sentem isso quando tem um ataque epilético, o que acontece com frequência nos seus momentos melancólicos. As nossas tragédias são talvez nosso ponto máximo, como se caminhássemos cegamente para elas como Édipo para seu crime de incesto, arrastados inconscientemente. Às vezes eu penso (devo confessar?) que temos um deleite especial na derrota. Mesmo nossas vitórias são como a chegada da felicidade nos livros de Jane Austen, com um final feliz no último minuto, quase inacreditável. Encontramos nosso Mark Darcy nos descontos, num beijo arfante. Somos todos parentes psicológicos dos Irmãos Karamazov. Talvez por isso mesmo sempre nos reerguermos espantosamente, com uma força monstruosa. Torcedores viajando quilômetros para assistir a um jogo no fim do mundo, maridos abandonando suas famílias pelo Santa Cruz, vidas por um fio por causa da próxima partida, como eternos pagadores de promessa… Não entendem do que eu estou falando? Leiam seu livro chamado O Jogador.

Segundo, porque os personagens de Dostoievski são intrinsicamente tricolores ao serem sempre apresentados com as consequências antes das causas. “Um barulho surgiu, o trinco moveu-se, Dimitri apareceu na escuridão”.  Quem teve esse insight não fui eu, e sim o Marcel Proust, que também era fã do russo. Quem leu qualquer livro de Dostoievski, seja Crime e Castigo, Memórias do Subsolo ou mesmo Humilhados e Ofendidos, vai perceber que os “pobres diabos”, como ele os chama, são também guiados pelas consequências das ações e não pelas suas causas. Seu destino é traçado por uma série de desentendimentos, tal qual o funcionamento do nosso juízo (e também o dos radialistas!). Isso explica a nossa psicologia tricolor, a nossa violenta transição entre paixão e ódio pelos nossos jogadores, treinadores e dirigentes. Querem um exemplo em duas palavras? Denis Marques.

Convido o leitor a ler um livro de Dostoievski chamado Os Demônios , que é de uma pujança tricolora. Há um personagem chamado Stavogrin que se comporta exatamente como Caça Rato, como um possesso. Quem assistir novamente ao gol de Caça Rato na final contra a coisa, vai perceber que naquele momento ele não era ele. Ali, digamos, ele era “legião”. Às vezes observo Caça Rato e lembro do início diabólico do livro Memórias do Subsolo: “Eu sou um homem doente, um homem doente”. Dostoievski era certamente um tricolor ante litteram – nele encontramos a essência do que nós somos, talvez nossa “razão de ser”. Talvez por isso também somos os torcedores mais literários, nos nossos jogos há uma pungência artística. Vejam só, isso tudo descrito por um russo a quilômetros de distância do nosso Recife ensolarado, do Arruda e num clima tão diferente!

Nossa, ia falar do jogo contra o Brasiliense e das próximas partidas importantíssimas que nos aguardam agora, mas acabei falando dos russos e do Dostoievski. Foi melhor!