É hora de voltar para casa

“Nunca fui na Arena, não vou, não irei. Nem de graça. Não vou, não quero saber como se faz pra ir e tenho raiva de quem já foi. Quero que a Arena se lasque”.

É o que vive repetindo meu cunhado. Sempre com ênfase, sempre taxativamente.

Pensei que no jogo em que o Santinha poderia entrar no G4, ele cederia. Não resistiria aos encantos da recuperação sob os cuidados de Oliveira Canindé. Dois dias antes, com o ingressos já comprados, quis saber se o irmão de minha mulher já tinha mudado de ideia. A resposta: “Quero bem ao cunhado, mas não vou não. Não perdi nada naquele fim de mundo. Comprei o pêi-pé-viu do Sportv só para ver os jogos do Santa naquela desgraça”.

Admiro a coerência, mas não dei a mínima. Ele está antecipando o velho ranzinza que, certamente, será. Foi o que pensei, afinal que mal faz o cara experimentar, abrir a alma para o novo? Nem que seja para provar suas próprias hipóteses.

A partida acabou e eu já tinha mudado de ideia. Eu estava errado. E ele certo. Mais do que certo. Certíssimo, aliás.

A Arena Pernambuco é um erro grotesco. Não o estádio, mas sua localização estapafúrdia, seu entorno e o grave problema de mobilidade e trânsito que sua construção criou. Mas um, como se a Região Metropolitana do Recife já não os tivesse aos montes.

Os jornalistas esportivos e os marqueteiros do governo (e da empresa parceira, a Odebrecht) vivem repetindo um mantra: “a Arena proporciona ao torcedor uma nova e moderna experiência para assistir a um jogo de futebol”. Com poucas variações, é mais ou menos essa a frase. Não há dúvidas disso.

Antes da Arena, ninguém precisava consultar mapa, GPS e sair perguntando para descobrir o melhor caminho para chegar em um estádio de futebol. Realmente uma experiência novíssima.

Antes da Arena, ninguém pagava dez contos por um saco de pipocas de microondas.

Antes da Arena, o elemento podia chegar ao Arruda, por exemplo, usando não sei quantas linhas de ônibus, táxi, bicicleta ou pedir para a mulher deixar por perto, quando fosse para a casa da mãe. Conta-se nos dedos as linhas de ônibus que levam pra lá. De táxi, nem pensar, a não ser que o torcedor cague dinheiro. De bicicleta, só se o ciclista for do time olímpico. E mesmo que sua sogra more em Paudalho, duvido que sua mulher vá topar o engarrafamento na BR só para facilitar sua vida.

A mais inovadora das novas experiências fica para depois do jogo. Sair de lá é pior do que chegar. Muito pior. Bota pior nisso.

Antes da Arena, o sujeito pagaria cinco ou dez contos para o guardador de carro que já conhece há anos, acaba o jogo e vai embora. Se for no Arruda, enfrenta um engarrafamento tamanho M ali pelo Rosarinho ou em Campo Grande, caso tenha de passar por esses lugares. Se morar muito longe, tipo Piedade ou Rio Doce, em quarenta minutos está em casa.

Na Arena, quarenta minutos depois você permanece dentro do estacionamento, sem poder ir para lugar nenhum, a não ser que tenha desistido da partida 10 minutos antes do fim. Se foi de ônibus, você estará dentro do ônibus, parado, num calor da pleura,  sem ir a canto nenhum.

Sábado foi assim: quase uma hora e meia depois da partida, permanecíamos no estacionamento, cujo preço é três vezes maior do que aquele cobrado pelos honrados guardadores do entorno do Arruda, ou da Ilha, ou do extinto Aflitos. E olhe que foram 34 mil torcedores, metade da multidão que enche o Arruda quando é pra valer.

No final das contas, saí de casa às 13h30min. Voltei às 21h. E isso tudo para ver Oliveira Canindé errar no atacado em suas substituições, para ver Tiago Costa se esconder do jogo, para ver Léo Gamalho no mundo da lua, para ver Wescley não conseguir se desmarcar, para ver quatro gols perdidos embaixo da barra, para ver os potiguares descerem o sarrafo, para ver o juiz fingir que o jogo não foi violento.

Enfim, para ver o time acovardar-se e ter medo de ser feliz.

Pelo menos a derrota serviu para silenciar a tabacudice de que “a Arena dá sorte pro Santa”. Não dá não, nem para quem construiu ou mandou construir.

Por tudo isso, é hora de voltar para o Arruda. Esqueçamos a Arena. De preferência, para sempre. Porque toda viagem, por melhor que seja, enche o saco e dá vontade de voltar para casa.

ArenaEngarrafada
Estacionamento da Arena Permambuco, às 19h15, quase uma hora depois do fim da partida Santa Cruz x América-RN

O diabo é quem vai

Sexta-feira, início de noite. Não há dúvidas de que esse é o horário ideal para jogos de futebol. Não entendo como torcedores, dirigentes, radialistas, autoridades constituídas, colunistas, técnicos de nosso Brasil varonil desperdiçaram todo o século XX e alguns anos do XXI sem perceber que, esse sim, era o horário mais propício para dois times profissionais que disputam o Futebol association entrarem em campo com garbo e afinco.

Não há condição melhor: o sujeito sai do trabalho direto para o estádio, deixa para comer depois e ainda dá tempo de fazer uma frente com a família no restinho da noite. Dá, por exemplo, para ir na esquina comer uns espetinhos com a esposa amada, enquanto os pirralhos ficam em casa jogando videogame. Se os pirralhos forem pirralhos demais, o torcedor pode comprar uns pastéis de vento no caminho e levar para casa para comê-los com guaraná enquanto assiste o finalzinho de Globo Repórter em companhia de sua senhora no recesso do lar.

Graças aos executivos da programação da Sportv (abençoada sejam as Organizações Globo), agora há jogos nesse horário tão conveniente para a torcida brasileira.

Agora, perfeito mesmo é se a partida da sexta, às 19h30min, estiver marcada para a casa de caralho. Para quem não conhece, trata-se do endereço físico da Arena Pernambuco.

Nesse caso, o torcedor poderá, antes de vibrar pelo seu time, experimentar o frenético trânsito da Abdias de Carvalho, onde atualmente está o melhor engarrafamento de Pernambuco, com direito a uma sensacional vista panorâmica da interminável fila de carros e caminhões na BR-101. Imperdível. E tudo isso pelo preço de apenas um ingresso de arquibancada!!!

Quem preferir fazer outro caminho, também terá acesso a mais entretenimento, afinal quem botou o “estádio da Copa” na encruzilhada entre o fim dos tempos e o fim do mundo pensou em tudo, afinal o que podíamos esperar de quem tem ideias assim tão brilhantes.

A turma que optar pelo metrô, por exemplo, terá a oportunidade de viver a experiência de pegar o trem na hora do rush mesmo sem ter necessidade para tal. É uma forma de compartilhar a visão de mundo – ou, pelo menos, de transporte público – das massas trabalhadoras. Quem sabe quantos mestres em sociologia, PhDs em urbanismo e doutores em antropologia serão gerados dessa aventura sobre trilhos?

Algumas das promoções concebidas conjuntamente pelo consórcio Arena Pernambuco+Organizações Globo/SporTV+CBF  são obviamente inspiradas pelo movimento slow food e similares, aqueles que pregam menos pressa, menos agitação e menos ansiedade para se obter mais qualidade de vida.

Sei de dois amigos rubro-negros que, numa dessas partidas do time deles na Arena, entraram no ônibus cedido pela diretoria do clube para os sócios em dia poderem ir à longínqua arena. O ônibus partiu  às 17h30min. O jogo era às 19h30min e a saída foi da Ilha do Retiro. Quando o time entrou em campo, eles estavam no veículo, socializando junto a mais 50 torcedores. Chegaram no intervalo da partida, já sem pressa nenhuma. Perderam 45 minutos de jogo, é verdade, mas aprenderam algo fundamental sobre a vida, o tempo e a importância relativa das coisas. Se não aprenderam é porque não souberam aproveitar a oportunidade.

Estou citando esse fato vivido pelo meus amigos do time rival para que aqueles tricolores que estão alugando kombis e vans para fazer essa excursão aos arredores de São Lourenço da Mata (Saint-Laurent de la Forest, como diziam durante a Copa), possam viver a plenitude dessa vivência.

Eu, pessoalmente, pretendo abrir mão disso tudo em prol de terceiros. O melhor é que não precisa ter receio de estar prejudicando o clube, afinal o pacote dos cincos jogos na Arena garante ao Santinha, no mínimo, R$ 250 mil livres, sem contar a reforma no gramado do Arruda que será feita pela Arena. Se a renda for de R$ 100 mil, a Odebrecht que se vire para pagar os 250 contos pro Santa. Acima de meio milhão, vai ter rá-rá. Por isso, ficarei em Recife tranquilo, sem peso na consciência.

Vão e depois me contem.