Três horas (e mais um pouco) com Alírio (final)

Quando decidimos marcar uma entrevista com o novo presidente do Santa, Alírio Moraes, passava pelas nossas cabeças, creio, uma sabatina, perguntas para conhecer, sondar, perscrutar, dissecar o que pensa o homem que será encarregado de c0mandar esta nação coral durante os próximos três anos.

Mas bastou o primeiro encontro com aquele homem de 50 anos, vestindo a camisa do Santa de 1975, com a voz calma e olhar cheio de brilho, de uma simplicidade aguda, uma modéstia nos gestos, para ver que teríamos mesmo era uma longa e extremamente prazerosa roda de diálogos sobre tudo. Clube, vida, sonhos, projetos, vida.

Uma conversa fácil, boa, sincera, sem artimanhas oratórias para mostrar capacidade de realização ou louvação si próprio. Este advogado de 50 anos comandou uma equipe que operou dois milagres no Santa – reduziu a dívida fiscal de R$ 50 milhões para R$ 13 milhões e quase liquidou a dívida trabalhista, que era de R$ 50 milhões.

Antes do encontro, Inácio lembrou que alguns comentaristas do nosso blog chamavam Alírio de “Delírio”.

Mas amigos, o que mais poderíamos querer para nosso Santa, se não um homem que se permite à loucura, ao delírio de investir parte de sua vida num trabalho insano, complicadíssimo, quase irrealizável, que era desentranhar processo a processo, em varas as mais distintas, em labirintos da burocrática Justiça brasileira, uma dívida que era uma sombra perpétua para nosso clube?

Qual de nós, reles classe média, consegue organizar sua vida com as contas vencidas, sem saber quanto vai poder gastar no próximo mês, num processo que muitas vezes arruína o cotidiano, cancela projetos, inviabiliza sonhos? Qual o empresário que quase não enlouquece (ou quebra) quando surgem as primeiras das muitas ações trabalhistas?

Pois me permito – Alírio é um delírio que só um clube como o Santa Cruz é capaz de criar.

O pai, Alírio Moraes Filho, advogado e músico, do Bairro de São José. Louco, apaixonado pelo Santa. Num momento dramático, o filho teve que ir à luta para ajudar o pai. Fez o curso de Direito para, literalmente, brigar pelo pai. É um dos momentos mais emocionantes de sua história.

Talvez, há muitos anos, quando ainda nem sabia, Alírio abraçou uma frase dita pelo pai:

“Os fatos são circunstanciais. Faça um projeto para sua vida”.

Ele fez projetos para a vida. Agora tem projetos para o Santa

A impressão que tive foi a mais simples, diria a mais óbvia – aos 50 anos, com cinco filhos, a vida estruturada, após muitas vitórias, ele foi surpreendido com uma convocatória. Sabe-se que vários ex-presidentes foram ao seu encontro propondo o cargo de presidente do Santa.

Terá marejado com uma aclamação, num clube que nunca foi modelo de gestão, onde os presidentes aparecem como seres quase solitários tapando buracos orçamentários com jantares de adesão, coletas de emergência com empresários abnegados? Terá lembrado do pai?

Não sei. O fato é que ele é um homem absolutamente focado. Diria que é um manso que sabe o que quer. Tem planos concretos de marketing, comunicação, reestruturação do futebol, da base, movimentação deda sede. Comentamos os perrengues que passamos para entrar no Arruda, em dias de jogos decisivos. Disse que vai entrar no estádio como simples torcedor, para sentir na pele o que vivemos. Para completar, sua mulher, Fernanda, é também louca pelo Santa – e vai fazer parte da gestão.

Um homem que não tem vergonha de dizer que tem ambição. E não tem vergonha de colocar a ambição na vida. O Santa Cruz precisava disso com urgência. Precisamos de dores cavalares de ambição, se quisermos botar estrelas no peito.

No dia seguinte à nossa conversa, saiu uma entrevista de página inteira com ele, no Jornal do Commercio. Retiro um trecho que expressa tudo isso.

“O Santa Cruz vai voltar a ganhar títulos porque a gente vai fazer um futebol muito forte. Eu sou muito ambicioso, embora seja um cara introspectivo. Sou um cara, imagino, voltado para o sucesso. Tenho uma capacidade de brigar muito grande e quero passar isso naturalmente para o clube”.

Falamos de várias pessoas que tentaram, em algum momento, participar da vida interna do clube, contribuir com seus conhecimentos, sua inteligência, mas sempre esbarraram num caos administrativo interno que parecia destino, carma. Caos que, num clube de multidões como o Santa, geram milhões de dívidas, descontrole interno, é tempo perdido, é faixa a menos no peito. 

Tinha uma porção de gente na sala, a conversa estava chegando ao fim, quando ele disse uma frase que para mim simboliza muito nosso novo momento (e minha secreta esperança de um clube moderno, antenado, inteligente, audacioso, apaixonante e aberto).

Inácio tinha comentado algo, ele fez um breve silêncio, saiu olhando para cada um e comentou, como se referindo aos muitos corais que querem fazer parte dos destinos do Santa:

“Inácio, quem vai mudar o Santa Cruz são essas pessoas”.

A partir do dia 11 de dezembro, pois, deliremos em preto, branco e vermelho.

Três horas com Alírio – capítulo II

Antes, um aviso. Se quiserem saber de reforma no estádio, de jogos na Arena, novos jogadores, placar eletrônico e não sei mais o quê, vá escutar alguma resenha ou ler os jornais. Isso aqui não é um site de notícias. Não damos furo, nunca saímos na frente. Neste blog você vai rir, chorar ou ter raiva, jamais se informar. Não estamos nem aí pra isso.

Realmente, até imaginamos que daria para fazer uma entrevista com Alírio, mas nem tirei o gravador do bolso. E não usei o caderno do tamanho de um bonde que levei e que virou uma tralha incômoda de ficar segurando.

A entrevista virou conversa. E foi melhor assim.

O que mais me chamou atenção é que parecia haver dois Santa Cruz em campo. Um deles era o Santa de Tininho. Esse era o Santa Cruz nosso de cada dia, o Santa Cruz real, que deixa o sujeito maluco com tantos problemas a serem resolvidos ao mesmo tempo.

Tininho permaneceu o tempo todo estressado, nervoso, recebendo ligações, respondendo a mensagens, e-mails, esperando retorno de jogadores, de prováveis técnicos. Sempre aperriado, com um olho na conversa e outro nas contratações, renovações…

O Santa Cruz de Alírio parecia o Santa Cruz de quem ainda não botou a mão na massa e que está muito instigado. Cheguei a escrever “Santa Cruz utópico” na linha acima, mas apaguei. Talvez muitos ridicularizem as utopias e achem que a palavra é pejorativa. Mas pelo jeito, o novo presidente está mesmo a fim de construir utopias.

Alguns traços desse clube sonhado por ele soam como música aos meus ouvidos: ele realmente imagina que o Santa Cruz se torne um espaço de participação de pessoas que podem contribuir, mas não sabem como.

Não sei se isso ele vai conseguir, pois a cultura das pessoas que fazem o Santa Cruz é de exclusão. Eu e muitas outras pessoas que nós conhecemos já tivemos experiências irritantes na avenida Beberibe. Mas não posso duvidar de um sujeito que conseguiu reduzir as dívidas do clube de R$ 110 milhões para pouco mais de R$ 20 milhões sem desembolsar um puto.

Parece um delírio, não é? Aliás, ele deu gargalhadas quando soube que já sendo chamado assim nas redes sociais. Disse que esse apelido ele quer ter, “pois quem delira muitas vezes está vendo coisas que os outros não conseguem ver”.

O homem, peso pesadíssimo do Direito Tributário, explicou que só faltam alguns prazos serem cumpridos para a liberação das certidões negativas. Além disso, deu alguns detalhes técnicos de como ajudou a reduzir as toneladas de dívidas. Usou recursos legais como prejuízo fiscal, pesquisou as prescrições, descobriu duplicidades e um monte de minúcias jurídicas que eu não sei nem quero saber. Boa parte desse trabalho quem fez foi sua esposa Fernanda, também advogada.

Aliás, Gerrá tem razão: aposto que Alírio será o primeiro presidente do Santa a contar com o apoio de uma esposa que é mais fanática que ele e que está curtindo muito o desafio.

Espero que o casal não desanime quando, depois de uma derrota qualquer, as crianças voltem para casa chorando porque algum menino tricolor do colégio avacalhou o pai.

Alírio diz que pretende melhorar a péssima comunicação entre o clube e a torcida. E acha que a conversa com o Blog do Santinha foi um passo nessa direção. Estamos dispostos a ajudar e a meter o pau em zagueiro ruim, em técnico burro, em atacante covarde e em dirigente que atrapalhe essa comunicação.

É bem verdade que talvez tenha se arrependido depois que Samarone quis ficar mais pouquinho. Sabe aquela história do dono da casa, por pura educação, dizer “está cedo, não vão agora”. Pois é, Samarone ficou. Até quatro horas da manhã. E bêbado. E babando o sofá. Uma vergonha. O capítulo dele vai se chamar Nove horas com Alírio.

Ah, ficamos sabendo o nome de dois jogadores que estão quase acertados. Coisa fina. Mas não vou dizer, pediram segredo. Lamento muito. Sobre o placar, ninguém sequer lembrou de perguntar sobre isso. Como não conheço nenhum time que foi campeão do mundo por ter um placar eletrônico melhor que os outros, pouco importa.

Explicação importante: Coronel Peçonha participou de toda conversa, mas não aparece em foto nenhuma. Como comandante das imaginárias forças especiais de inteligência coral, ele sempre fica atrás da câmara, mantendo o anonimato tão necessários para desferir golpes de surpresa nas hostes adversárias.

Para acabar, um P.S. – reparem que na minha postagem escolhi uma foto em que estou mais simpático e menos ridículo do que a imagem que Gerrá botou só para me sacanear.