Anotações mínimas

Amigos corais, sigamos festejando.
Ma hoje, o que me ocorreu foi uma saudade imensa do velho e bom Caça Rato.
O gol contra o Sport, num lance improvável, parando, driblando Magrão e escolhendo o canto.
O gol fundamental contra o Betim, quando saímos, de vez, daquela desgraça da série C.
Outros times têm na sua história as glórias.
Nós temos em nossa história nossas derrotas e fracassos.
Isso nos faz enormes.
Um grande clube do futebol brasileiro renasceu – e está no seu devido lugar.

Volta por cima

*Texto do cineasta Ugo Giorgetti, publicado hoje no Estadão.

Não gosto muito de pesquisar nem de me preocupar com datas precisas. Mas acho que foi mais ou menos há de dez anos que um clube grande e respeitável começou sua caminhada para o inferno.

Por essa época o Santa Cruz do Recife, caiu para a Série B do Brasileiro. Foi um golpe para sua enorme torcida, mas que não podia saber o que ainda a esperava nas sucessivas temporadas.

O Santa foi caindo, primeiro para a Série C, o que já era uma tragédia para um time tão vitorioso, e depois, último degrau descendente, para a Série D. Pouca gente ouve falar na Série D do Campeonato Brasileiro. Lá é o último círculo do inferno. De lá ninguém volta, dizem os mais aterrorizados pela sua ameaça. De fato, descer para além da D é impossível. Alguns times grandes e tradicionais foram parar na Série B, houve até quem despencasse para a Série C, mas nunca para as profundezas da Série D, que eu saiba. A não ser o Santa Cruz.

Depois de uma derrocada dessas o que sobrou do clube? Um estádio de 60 mil lugares, o Arruda, “o mundão do Arruda”, e uma torcida acostumada a lotá­lo, mas completamente desesperada. O desespero durou pouco. Compreendendo que o Santa só contava com ela, a massa passou a lotar o estádio. Nunca em jogos da Série D, houve tanto público, nunca caravanas de abnegados torcedores se deslocaram do Recife para viajar mais de 500 quilômetros para ver um jogo esquecido por imprensa, televisões e demais órgãos.

Assim aos poucos, num sacrifício alegre, a torcida se impôs o dever de reerguer o Santa. Seu acesso à Série C foi comemorado discretamente. A não ser pela parte da torcida que mais sofria, pelo pessoal do Blog do Santinha, por exemplo, uma espécie de diário do sofrimento e também da alegria e da exaltação de torcer pelo Santa.

Nesse blog há os relatos incríveis das peripécias para ver jogos além da imaginação. O Santa foi caminhando e chegou à Série B: daí houve comemoração. A grande torcida percebeu nessa ascensão um sinal de que as coisas poderiam ser outras. O Santa estava vivo. O Arruda já abrigava lotações incríveis durante todo o tempo em que o time perambulava pela Série C.

Na Série B a coisa continuou como se a caminhada fosse única e o fim da estrada já fosse visível. Desacostumado ao convívio com times importantes a trajetória do Santa na Série B foi cheia de obstáculos.

O sabor da tragédia ainda às vezes pairava sobre o Arruda. Uma derrota inesperada ou surpreendente desencadeava uma nunca inteiramente sufocada desconfiança no pior. Mas a torcida engolia e ia em frente.

Neste ano comecei a achar que a hora tinha chegado quando o Santa trouxe de volta o Grafite, para comandar seu ataque. Não só pela contratação em si, mas pela manifestação da torcida na estreia do jogador: foi de assustar. A torcida em peso comunicava ao time que esperava, ansiava e, mais do que isso, sabia que o Santa tinha ressuscitado. De repente foi como se nada mais pudesse deter a viagem rumo à Série A. Inácio França me mandou duas gravações feitas no aeroporto de Recife na chegada do time depois da vitória por 3 a 0 sobre o Botafogo, no Rio. Era um jogo decisivo, mas não o derradeiro. No entanto, a comemoração era de campeonato. É daquelas imagens que ao vê-­las fica uma vontade grande de estar lá e ver tudo com os próprios olhos. Pensei em ir para Recife ver o jogo final, não pude. Pensei em ir para o último jogo, da festa, da volta por cima, da restauração do time, agora ocupando seu lugar junto aos demais grandes. De novo, não pude.

Não importa. Fica para uma outra vez. Porque haverá outra vez. Depois de ter cumprido essa epopeia, ao ter deixado a Série D e, sempre no campo e às suas próprias custas, voltado à elite do futebol, não me causaria surpresa se o Santa não parasse mais e um dia desses ganhasse também a Série A. Nesse dia vou estar lá.

http://esportes.estadao.com.br/noticias/geral,volta-por-cima,10000003280

Para a massa coral, não tem “Black Friday”

Amigos corais, parece que o novo Santa Cruz ainda vai conviver com o velho Santa Cruz por algum tempo.
Falo isso por causa do preço dos ingressos para o jogo de amanhã.
Na verdade, não falei antes porque não estava muito preocupado com isso. Depois da classificação, eu só fiz mesmo foi comemorar e me exibir com as camisas do Santa pelas ruas do Recife.
Mas ontem à noite, um amigo tocou no assunto.
“Visse o preço dos ingressos?”
“Ah, para a festa, acho que vai ser na faixa de R$ 30,00 e R$ 15,00. O Arruda vai pipocar. Casa cheia”, respondi.
“Que nada, Sama. Arquibancada inferior a R$ 60,00 e anel superior a R$ 30,00!”.
Ele estava bem puto da vida. Reclamou umas duas horas e meia. Também fiquei.
Porra, passamos o ano penando, indo para tudo que era jogo, dia de sábado, terça e quinta à noite, fazendo tudo o era possível para chegar junto com o clube, apoiar, e no dia da festa, vem este “presente”?
Pois vou dizer, meus amigos. Só mesmo um milagre para o Arruda encher amanhã. Não é mau agouro, mas a simples, reles e nada fácil realidade. Estamos numa crise econômica interminável e, para quem não lembra, estamos no famoso “fim de mês”.
Cito o caso de um amigo, o senhor “WN”.
Todo jogo ele está lá, com uma turma de amigos. Se organizam, compram seus uísques, ficam no mesmo lugar, onde tem gelo, água de côco etc. São uns dez, doze camaradas. Quando já estão bem bonitinhos, vão para o anel superior.
Tem de tudo. Gente que trabalha em produtora, pintor, eletricista, comerciário. Todos apaixonados
Se dez deles forem ao Arruda amanhã, a fatura na bilheteria vai ser de R$ 300,00 (anel superior).
Os idiotas da objetividade vão dizer que “a turma quer gastar com uísque mas não que gastar com o Santa, é?”
O idiota da objetividade acha que o jogo é só o que acontece durante 90 minutos, dentro do estádio. O jogo começa na hora que ele acorda e termina na hora que ele vai dormir. Encontros, biritas, lembranças, tirações de onda, tira-gosto, fazem parte do jogo.
Eu mesmo, que só assisto jogo na arquibancada, acho que paguei, ao longo do ano, uma média de R$ 40,00 por jogo. Por que amanhã tenho que pagar R$ 60,00?
Ahmmmm… porque é o último jogo do ano, porque é preciso pagar os prêmios, porque isso, aquilo.
Acho que o motivo é outro.
O velho Santa Cruz ainda está bem vivo, dentro do novo. Os valores de amanhã são do velho Santa, que penaliza sua torcida na hora da festa. Se bobear, daqui a pouco o velho Santa vem aquele papo de “gourmetizar” a massa coral, aumentando o valor da mensalidade, dos ingressos etc. No dia em que elitizarem o acesso da massa coral ao Arruda, o Santa vai virar um velho doente, daqueles que passam o dia tossindo e só vivem à base de remédio.
Não tenho dúvida que os ingressos com preços a R$ 30,00 e R$ 15,00 (até 40 e 20) deixariam o Arruda entupido até a borda.
E sinceramente, a renda seria muito maior. E a festa muito mais linda.
Pena que o novo Santa não tenha pelo menos pensado numa promoção hoje, para fazer uma gracinha com o tal “black Friday”. Algo do tipo “leve cinco apostas da Timemania e ganha X% de desconto”.
É a famosa “bola fora”, no último jogo do ano.
Que pena.
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Para quem quiser apoiar (e divulgar) o projeto financiamento para reedição do meu primeiro livro, vai o link:
https://www.catarse.me/ze_apml

Acabou o caô! A cerva nos estádios foi liberada ontem!

Amigos corais, estava meditando agora de manhã para escrever o texto sobre o ano glorioso de título estadual + acesso + mudanças importantes na gestão do clube + outras emoções aleatórias, quando recebi uma mensagem do meu cunhado Pedoca:
“Cervejinha liberada nos estádios. Iurrruuuu!!!
Encerrei a meditação, liguei o computador e fui buscar as notícias.
É verdade.
Ontem (24), um pequeno milagre aconteceu. O deputado estadual Antônio Moraes reapresentou a PL 107-2015, projeto que libera a comercialização de bebidas alcoólicas em jogos de futebol nos estádios de futebol de Pernambuco e pasmem! – foi aprovada por 18 x 13.
A bancada evangélica tentou se articular para derrubar o Projeto, mas não conseguiu.
Então me lembrei da palavra “Caô”, que a massa coral vem cantando a plenos pulmões, em homenagem ao nosso Grafite:
“Acabou o caô, o Grafite voltou, o Grafite voltou”
Ou seja: Acabou a mentira, enganação, conversa fiada, enrolação.
Já entrevistei este deputado, que sempre lamentou não ter tido o apoio declarado dos clubes nem da Federação Pernambucana de Futebol para ser aprovado. Depois de um tempo, ele retirou o projeto da pauta.
Também escrevi sobre isso, aqui no Blog.
Nunca aceitei (nem entendi) essa idiotice de banir a reles, essencial e fundamental cerva no estádio. “Ela aumenta a violência”, é o que alardeiam os defensores, cheios de caô, sem nenhum dado, nada que confirme a tese do suposto aumento.
Me pergunto se mudou alguma coisa, desde que a loira gelada foi proibida, desde 2009. Na verdade, só piorou. Todo mundo que conheço (inclusive eu), passou a beber de forma voraz e exagerada, fora do estádio, porque sabe que serão duas horas de secura. Fora a venda clandestina de bebidas diversas, que tem em todo estádio.
Os amigos da Sanfona Coral avisaram que só voltariam quando liberassem a cerveja.
“Rapaz, não dá para ficar numa lua daquela, tocando durante duas horas na arquibancada, sem poder tomar uma cervejinha gelada”, já me confessou o zabumbeiro e cronista deste Blog, senhor Gerrá Lima. Xiló, o sanfoneiro, é cheio de pantim, mas nesse ponto, ele está certo.
Outros estados já liberaram: Bahia, Rio Grande do Norte, Minas Gerais, Goiás e Rio de Janeiro.
Quer dizer que há brasileiros que podem beber em alguns estádios, mas em outros, são tratados como meninos que não sabem se comportar. Isso é bem ridículo.
Mas não se animem muito para sábado. Os trâmites legais duram uns 15 dias, e só mesmo no Pernambucano de 2016.
Breve, escutaremos aquela frase linda, repetida entre um lance e outro:
“Cerveja, Coca e água!”
E a Sanfona Coral puxando o famoso “la, laralaia loraraia… Santa!”
Ah, o governador Paulo Câmara, que é torcedor do Santa, tem o poder de veto. Mas ele deve ter bom senso de sobra neste ponto. No mínimo, algum assessor importante que diga:
“Governador, se o senhor vetar esta lei, vai prejudicar imensamente o próprio Santinha”.

A paixão em seu devido lugar

Em dez anos de atividade, o Blog do Santinha arranjou dezenas de atritos com ex-presidentes do Santa. Jamais desistimos de tentar ajudar, com nossa visão crítica.
O texto abaixo,publicado no Diário de Pernambuco de hoje, está em sintonia com o que acreditamos para o futuro do clube.
Por isso compartilhamos.
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Por Alírio Moraes Filho
Corria o mês de março deste ano. O Santa Cruz amargava a última posição do campeonato estadual. O futebol do nosso time ainda não deslanchara e não permitia ilusões.
Sem resultados e com crise financeira: nada justificava otimismo.
Mesmo assim, apresentamos as metas do nosso planejamento. Naquele momento, passei a escutar todos os dias a palavra delírio em um criativo trocadilho com meu nome de batismo.
Desde então, acertamos e erramos bastante. Tentamos não repetir esses erros. E insistimos em nosso principal acerto: priorizar a torcida em todas as decisões. Considerar e respeitar cada torcedor como único proprietário do clube e da sua imagem.
A certeza de que todos os passos da caminhada que começava seriam dados lado a lado com “a torcida mais apaixonada do Brasil” era o que justificava a ousadia de nossas metas, todas realizáveis quando se procura fazer juntos com tantos homens e mulheres que amam o Santa Cruz.
Homens e mulheres que encontram um novo significado para sua paixão a cada vitória, a cada derrota, a cada vez que entram no Arruda ou seguem o time pelos estádios brasileiros.
Homens e mulheres que jamais esperaram uma virada de mesa, um drible no regulamento, pelo contrário, nos piores momentos chamaram para si a responsabilidade e a tarefa de reerguer o time.
Por saber que estaria ao lado desses homens e mulheres, entendemos que a única forma de respeitar seus sonhos e seus imensos esforços seria tecer sonhos à altura de tanta paixão. Somente imaginando o melhor no mais curto espaço de tempo, poderíamos colocar o Santa Cruz à altura de sua torcida.
Mesmo naquelas partidas em que o cimento do Arruda ficou esvaziado, estava presente a esperança daqueles milhares que, por qualquer razão, não podiam ir. Muitas vezes, honrar a esperança dos ausentes é tão importante quanto a confiança de quem sempre esteve por perto, cobrando, incentivando, exigindo e comemorando.
Seria hipocrisia repetir o clichê e dizer que “nem em nossos sonhos mais otimistas imaginávamos o que vivemos nesse final de semana” – e ainda vamos viver até o próximo sábado. Mas foi exatamente isso que sonhamos. E não apenas isso.
Continuaremos a disputar títulos, escalaremos os íngremes degraus do futebol porque jamais estaremos sozinhos na perseguição a metas audaciosas, porém possíveis de serem alcançadas, afinal os desafios do futebol são construídos por seres humanos. E o que é humano, é possível ser realizado quando se tem a força de milhões e a força de tanto amor.
Já não cabe dizer que “é a torcida do Santa Cruz que tem um time”.
Até mesmo esse velho bordão já não nos cabe: hoje time e torcida são um só.

Voltamos, a Poeira subiu!

Voltamos. Subimos. Primeira. É seriá!

O povão está em festa. A poeira subiu.

“Ui papai, o Santinha já chegou!”. “Ei, você aí, avisa a elite que a mundiça já subiu”.

O texto de hoje será escrito por nós. Aqueles que nestes dez anos, suaram paixão e transpiraram amor.

Nós que, na doença, na dor, na miséria e na tristeza, não abandonamos o Clube Querido da Multidão. Esse movimento popular chamado Santa Cruz.

Parabéns Santa Cruz. Parabéns Alírio, Tininho, jogadores, comissão técnica, diretores, colaboradores, todos que fazem o Mais Querido. Zés, Marias, Severinos e Anas. Parabéns a torcida mais apaixonada do Brasil.

Hoje, cada comentário, cada palavra, cada sentimento, é a nossa crônica.

Morte e vida Santa Cruz

* Texto enviado por Danilo Marinho, Tricolor Coral Santacruzense das Bandas do Arruda, exilado em São Paulo. 

O meu nome é Santa Cruz, não tenho outro de pia. Mas como há muitos Santa Cruz, símbolo de sofrimento, salvação, nome de cidade, igreja, templo, colégio e até viação, passo a ser o Santa Cruz que de divisão emigra.

Mas de quê morreu este Santa Cruz anos atrás, irmãos das almas, que nesta rede levastes de letra em letra até esta cova rasa e sem série? Morremos de morte matada, irmão das almas.

Afinal, somos muitos Santa Cruz, iguais em tudo e na sina. E morremos de morte igual, a mesma morte que se morre de falta de vontade antes dos 15′, displicência antes dos 30′, de ódio aos 90′ e de cartolagem um pouco por dia.

Desespero, pancada, silêncio e queda. Ressurreição e mais lapada, e outra queda. Crise.

Assombração. Queda e mais queda. Fundo do poço, pavor da Ameriquização, medo do fim.

Não podia ser a parte que nos cabia deste latifúndio.

União. Povo na rua e no estádio, povo no piscinão. Maior torcida do Brasil. Cabeça em pé, trabalho, redenção.  A saga passa rapidamente na cabeça, como a subida pra a B passou pela de Caça Rato.

Distante do Recife, nós Cobras Corais retirantes na Paulicéia, pouco a pouco, a cada jogo, ganhamos fama de pés quentes.

Fomos a Bragança Paulista arrancar a primeira vitória fora de casa no campeonato. Ocupamos a Vila Madalena. O bar era o Empanadas, onde garçons tricolores servem generosas doses de uísque e as mais geladas cervejas para a torcida Coral.

A reação estava começando. Bambeamos contra o Oeste, tudo no Santa Cruz é difícil, mas ao final fomos recompensados: poder estar nas duas partidas decisivas pra a subida. RJ era logo ali, e vimos uma vitória maiúscula. Vibramos vendo o Santinha triturar o campeão. Festa da poeira no Engenhão.

E, nesta semana que está durando um século, vejo a chegada de mais Cobras Corais pra se juntar à nossa torcida por estas bandas, pra a decisão contra o Mogi.

Ansiedade, insônia, agonia, movimentação. Sábado que não chega. Alugamos uma Van, veio mais gente, trocamos por um micro ônibus e o tempo não passou.  Mais memórias, mais ansiedade.

Como o fim desta saga ainda não foi escrito pelas linhas da história, deixo-os com os versos finais da obra prima do poeta João Cabral de Melo Neto. O criador do Severino retirante, que foi Campeão Juvenil, jogando de center-half, pelo Santinha em 1935.

E, correndo, como ensinaram os caranguejos, seguiremos na esperança e na torcida pelo começo de uma nova vida. E que seja esta a explosão de uma Vida Santa Cruz.

Fragmento de Morte e Vida Severina

O CARPINA FALA COM O RETIRANTE QUE ESTEVE DE FORA, SEM TOMAR PARTE DE NADA

Severino, retirante,

deixe agora que lhe diga:

eu não sei bem a resposta

da pergunta que fazia,

se não vale mais saltar

fora da ponte e da vida;

nem conheço essa resposta,

se quer mesmo que lhe diga

é difícil defender,

só com palavras, a vida,

ainda mais quando ela é

esta que vê, Severina

mas se responder não pude

à pergunta que fazia,

ela, a vida, a respondeu

com sua presença viva.

E não há melhor resposta

que o espetáculo da vida:

vê-la desfiar seu fio,

que também se chama vida,

ver a fábrica que ela mesma,

teimosamente, se fabrica,

vê-la brotar como há pouco

em nova vida explodida;

mesmo quando é assim pequena

a explosão, como a ocorrida;

como a de há pouco, franzina;

mesmo quando é a explosão

de uma vida Severina.

Poema do Santa Cruz

Que louco fui eu
Ao te escolher, Santa Cruz?

Porque é raro
Ser arrebatado
Por um amor
Que vem de tão longe.

Eu, que saí de outras terras
Que não tinham o teu nome
Encontrei um pai, uma mãe
um país, milhões de irmãos.

Encontrei
Meus amigos negros
Meus dentes
Meu sangue
Meus segredos.

Que tonto fui eu
Ao te inscrever em meu sangue, Santa Cruz…

E é tão simples
Gritar o teu nome
Como quem pede
Um pouco de pão.

Que sonho foi esse, Santa Cruz
Que te sonharam há tantos anos?

Os que te criaram
te inventaram
Com os pés descalços
Como se as sandálias do destino
Fossem a primeira barra
Do sonho dos homens.

O que criaste, Santa Cruz
No peito dessas legiões
Que te amam tanto?

Uma primavera em plena tarde?
Uma nova espécie de saudade
Que nos atormenta e nos acalma?

Ah, Santa Cruz…

Nós que te descobrimos
Somos como aqueles navegadores doidos
Que encontraram terras tão lindas
Que não sabiam decifrar
Que não tinham um batismo para dar.

Um dia
Esses homens de longe
Avistaram a “Terra da Santa Cruz”
E aqui ficaram.

Mas há outra pátria
Onde moram milhões.

Os que vivem
Os que morrem
Os que nascem
Têm esta estranha loucura
Essa estranha saudade.

E quando sussurramos
“Vai, Santa”
Os mortos também falam
Estamos gritando teu nome
Como se o coração gritasse.

Recife, 16.11.2015

Levanta Tricolor, estamos voltando

* O texto abaixo é de autoria do nosso amigo Eduardo Tiburtius, cuja bermuda branca aparece na foto.

Nesta longa caminhada no caminho de volta a elite do campeonato brasileiro, inúmeras foram as viagens que a torcida coral fez para acompanhar o seu time.

Por muitas vezes, eu tinha a sensação que não éramos apenas torcedores, mas responsáveis para a continuação da existência do clube. Vez por outra escutávamos sobre a teoria de que em Pernambuco não havia espaço para três times ou sobre a diminuição de clubes que outrora já foram respeitados em seus estados.

Difícil dizer nestes dez anos qual a viagem mais marcante.

Alguns se lembrarão de nossa estreia na série C em 2008 contra o Campinense e aquele mar de carros em uma romaria tricolor. Outros vão comentar sobre o jogo em João Pessoa, em que as fortes chuvas interditaram a BR 101 de volta ao Recife.

Para mim, esta viagem ao Rio de Janeiro, está no mesmo nível das citadas acima.

Desde o aeroporto percebíamos que seria uma viagem diferente.

Logo após imprimirmos nossos cartões de embarque, fomos abordados por um jovem. Mochila nas costas, bermuda e chinelo, ele nos perguntou: estou doido para ir para este jogo, como eu faço?

Indicamos a loja da companhia aérea e até achamos graça da inocência do rapaz. Tamanha foi nossa surpresa, quando identificamos ele como o último passageiro a embarcar no avião.

Alguém perguntou: velho, quanto você pagou na passagem?

— Mil e duzentos Reais só a ida, ele respondeu.

Ao desembarcar no Rio, todo contente com o manto coral, ele seguiu direto para o Engenhão. Nós, seguimos para Copacabana, onde ficaríamos hospedados. O taxista, vascaíno, nos confessou que estava doido para jogar novamente com o Santa, só que desta vez na série A.

Chegamos, deixamos as malas e fomos nos encontrar com nosso amigo Fred Arruda.

Fred já tinha organizado o local onde iríamos almoçar e as vans que nos levariam ao Engenhão. Entre tantas conversas, Fred nos disse como eram difíceis as vezes que ele vinha para Recife e tinha de voltar para o Rio. A saudade da família e do Santa Cruz pesam muito, confessou.

Três da tarde, hora de seguir para o Engenhão. Na viagem aquela greia que muitas vezes você vai se lembrar mais que o jogo.

Nosso amigo Beto gritava: pra que ter jogo, só isto aqui já bastava.

Mal sabia que o melhor estava por vir.

Chegamos ao Engenhão. Quatro coisas chamaram a atenção. Primeiro, a quantidade de tricolores presentes. Não que isso seja novidade, mas sempre impressiona. Segundo, como fomos bem tratados pela torcida do Botafogo. Do início ao fim, fomos cumprimentados e referenciados. Clima da mais completa harmonia, como sempre deveria ser. A terceira observação é como o Engenhão é um estádio ruim. A visibilidade de quem está nos locais mais baixos é nula. E por fim, uma grata surpresa: lá vende cerveja com alcool dentro do estádio.

Começa o jogo e o clima é de festa na torcida do Botafogo. Pelas ruas, vimos bancas de jornal vendendo a Placar do Botafogo Campeão.

Mesmo equilibrado, o adversário tem as melhores chances. Dani Moraes salva uma bola que tinha direção certa. Outra bola passa por cima de Tiago Cardoso e milagrosamente vai para fora. Contamos os minutos para terminar o primeiro.

No início da segunda etapa os resultados nos favoreciam e o empate já parecia um bom resultado. Mas algo estava diferente. O adversário já não agredia mais e como nos últimos jogos, o Santa crescia no momento decisivo. Veio o primeiro gol, êxtase total. Nos celulares as mensagens pipocavam. Abraços. Gritos. Confiança.

Logo depois Luisinho dispara e fica cara a cara com o goleiro, ao invés de finalizar, rola para Grafite que com tranquilidade manda para os fundos das redes. Nos abraçávamos sem acreditar que aquilo estava acontecendo.

E então, veio o derradeiro gol. Cruzamento da esquerda e entre o toque da chuteira de Bruno Moraes e a bola no fundo da rede, parece que passa uma eternidade. Eternidade que pareceu passar os anos difíceis. Das quedas consecutivas. Dos anos da série d. Da bola sair da cabeça de Caça Rato e entrar no gol do Betim.

Emoção que pode ser expressada nesta foto. De nós que descemos ao inferno e estamos tão próximos do paraíso. Que nunca nos ausentamos. E como dizia a frase estampada nas camisas da Coralnet, na época da série C e D: “E se você cair eu posso não consegui te segurar, mas com certeza eu te ajudo a levantar”.

Levanta meu amigo tricolor, estamos voltando para a série A.

Falta apenas uma vitória

Quando acabou o jogo de ontem, a casa de Boy já estava em festa. A turma já havia gritado olé, “chupa barbie”. Já havíamos cantado “ui papai, o Santinha tá chegando” e o “tri-tricolor”.

O terceiro gol do nosso “General” Bruno Moraes, botou todo mundo pra festejar antes da partida terminar.

Após abraços, brindes, apertos de mão e gritos de guerra, estanquei por alguns segundos uma lágrima que tentava escorrer pelo meu rosto e fui lembrando esses últimos dez anos.

A felicidade em 2005. As decepções. A esperança. Nosso anel superior interditado. O gol de Caça-Rato contra o Betim. O inferno da Série D. Nossos três títulos estaduais. Sem ordem cronológica, um roteiro de recordações foi sendo montado na minha caixola.

Quem não lembra da nossa épica viagem para João Pessoa?

Ontem, por várias vezes, me lembrei daquele momento. Chuva, inundação e a gente lá pra resgatar nosso Santa Cruz do fundo do poço.

Em todas as cenas que me vieram, nosso maior patrimônio e nossa maior riqueza, se fez presente: a torcida do Santa Cruz, seu amor e sua paixão.

De 1914 até hoje, é ela o ator principal da nossa história.

Uma torcida que não nega fogo, nem mede distância. Que caminha por cima de pau e pedras e nunca abandona seu maior amor.

Quando ganhamos, é dela que lembro. É por ela que me orgulho. É sobre ela que quero falar e escrever.

Meus amigos, não me canso de ver os gols, os lances e a entrevistas de ontem.

Estamos há três pontos da Série A. Falta bem pouquinho. Apenas uma vitória. Ganhando o próximo jogo, concluímos essa longa e dolorosa jornada e estaremos de volta.

Um horizonte preto, branco e encarnado embeleza nossa paisagem. O povão está em festa. E a cidade está feliz.

Que seja assim e que continue assim.

Difícil vai ser viver esta semana, sem pensar no Santa Cruz.