Vica, o energúmeno

Sobre o Santa Cruz, sempre escrevo aquilo que me vem à cabeça e ao coração, em geral de um rompante, sem pensar muito, com o sangue fervendo, as lágrimas correndo ou a alegria transbordando. As exceções são uma ou outra fofoca que me contam, porque quem conta já espera vê-las publicadas no dia seguinte. E como não sou de frustrar fofoqueiros, mando ver no teclado.

Desta vez não. Desliguei o achômetro e, antes de escrever, escutei ou procurei a opinião de muitos e bons corais. Gerrá, coronel Peçonha, meu filho Pedro, meu sogro Aurílio, Guila Calheiros, Carlinhos, o porteiro Zé Carlos, Allan Robert, Claudemir Mameluco, um sujeito da academia de musculação que eu não sei o nome…

Entre todos, uma unanimidade: fomos eliminados porque Vica é covarde. Ou frouxo. Ou bundão, o que, no final das contas, dá na mesma.

Digo mais: além de medroso, é estúpido até dar uma dor.

É líquido e certo que torcedor que é torcedor sempre procura um culpado mais fácil para crucificá-lo e sangrá-lo em praça pública. Técnicos são sempre os culpados mais a mão. E quando o sujeito põe o time para jogar do jeito que ele pôs, ah, meu amigo, joguemos pedra na Geni porque ela é feita para apanhar.

Vica saiu do campo dizendo para os microfones “não estamos tendo saída de bola”. Iludidos, imaginamos que o time voltaria pronto par dar o bote ao menor erro adversário, afinal jogávamos por uma única e solitária bola, umazinha jogada que mataria o adversário como matou três vezes seguidas em três anos seguidos. E olhe que, desta vez, o adversário cometeu erros repetidamente, entregando bolas bobas na entrada da nossa área.

Então, eis que o treinador tenta uma mágica: recuou ainda mais o time para resolver a saída de bola. Algo como chegar a Porto Alegre pegando um ônibus para Manaus. Como isso seria possível? Sei lá, pergunte a ele.

A crônica do segundo tempo poderia ser resumida assim: Sport-no-ataque-erra-o-passe-defesa-do-Santa-dá-chutão-pra-frente-volta-a-bola-pro-Sport. Assim, 255 vezes. Teve uma hora que goleiro deles saiu do gol, foi até o alambrado pedir um cremosinho de leite condensado e voltou pro campo andando devagar, ainda puxou conversa com o gandula. Ninguém deu pela falta dele.

Imaginei que Vica estava arretado da vida com a postura superhiperultrarecuada do time. Nada disso, na entrevista depois do jogo, ele elogiou a postura defensiva, disse que estava tudo indo bem até os 40 minutos e blá-blá-blá. Ou seja, ele estava satisfeitíssimo, achando tudo normal, uma beleza. Juro que eu entenderia se valesse o saldo de gols. Como não era, só posso achar que esse sujeito tem uma inclinaçãozinha para suicida.

Teve uma hora, já de noite, que Catatau avisou: “professor tem banco de reservas, viu? A gente também pode trocar jogador, não é só eles que podem, não”. Santo Catatau. Não fosse isso, Sorriso teria morrido no gramado. Pelo menos seria trágico. E o treinador teria uma desculpa interessante.

Quando Everton entrou, soou como uma sugestão de Vica aos nossos adversários “podem atacar sem medo, não precisam se preocupar com contra-ataques, nem sei que porra é isso”.

Os defensores deles não tinham o que fazer, mesmo com o time todo arreganhado.

Quando entraram os velocistas, meia horas do timing correto, o resto do time já pedia pelamordedeus para o jogo acabar.

No final de tudo, a cereja sobre o bolo: Carlos Alberto para bater pênalti. Foi o repórter dizer o nome dele para o coronel Peçonha interromper os exercícios de guerra do seu batalhão e me ligar berrando “esse menino não gosta de fazer gol, ele não gosta de fazer gol”.

Na verdade, não sei se é uma questão de gosto ou de ignorância, mas o fato é que diante do gol aberto, o meia fica apavorado, assustado e não sabe o que fazer com a bola. Podem procurar no youtube os gols de cego já perdidos pelo dito cujo.

Portanto, a culpa é de Vica, o energúmeno. Se não sabem o que é isso, tome aqui a definição do Michaelis: e.ner.gú.me.no; sm (gr energoúmenos) 1 Possesso do demônio. 2 Indivíduo desnorteado. 3Pessoa que, dominada por uma paixão, pratica desatinos. 4 pop Imbecil.

Papéis trocados

Sou um homem crédulo na humanidade e no que as pessoas podem ter de melhor. Quase um ingênuo. Meio distraído diante das inúmeras televisões do restaurante onde estavam a cúpula do Blog do Santinha e alguns agregados, a primeira impressão é que os jogadores do Santa Cruz usavam camisas rubro-negras e os atletas do Sport vestiam a tradicionalíssima camisa branca com duas listas, no que talvez fosse uma bela experiência dos defensores da cultura de paz nos estádios para acabar com a violência e promover a fraternidade universal entre as torcidas.

Qual nada. O Santa Cruz era o Santa Cruz e o Sport era o Sport mesmo. Os papéis é que estavam trocados.

O Santa atacava inutilmente como o Sport de 2011. O Santa abusava das ligações diretas longas e imprecisas como os Sport em 2012. O Santa rodava a bola para lá e para cá, sem rumo e sem direção, como o Sport em 2013. E como os treinadores, os jogadores, a diretoria e a torcida do Sport nos últimos três anos, o nosso time acreditou na ideia que tem mais conjunto, um time superior e nesse blá-blá-blá todo que não adianta nada quando se enfrenta um time com vontade, com uma marcação sufocante e que sabe que o adversário não é essa tampa de crush toda e que, por isso mesmo, vai errar, ora se vai.

E foram muitos os erros. A derrota poderia ser até maior. Não podemos reclamar de nada, nem do juiz. Foi justo, justíssimo aliás. O problema é que os erros não foram apenas individuais ou dos jogadores, como Vica quis fazer crer na entrevista logo após a partida. Há um erro maior que antecede e provoca os outros miúdos, quase inevitáveis numa partida de futebol.

Nosso treinador é um bom caráter, é o que dizem. Homem de bem, esforçado, sem papas na língua, honesto e que conhece de futebol. Talvez não conheça tão bem assim a alma humana.Se conhecesse, teria percebido que nosso time tem alma de operário, espírito de gente que precisa brigar para ser ouvido e ser alguma coisa na vida. Reparem que eu disse “ser” e não “ter”. Quem arrota ter tudo – dinheiro, troféus, arenas – são os outros.

Não dá para, de um dia para o outro, esses time de guerrilheiros se comportar como se fossem marechais ou almirantes. Ou para retomar a metáfora mais marxista, para botar banca de novos ricos amostrados e perdulários.

Nosso treinador, contudo, passou a acreditar que ser campeão da série C é o mesmo que ganhar, digamos, a Liga dos Campeões. Agora, ele quer que o time jogue para cima, “imponha seu jogo” o tempo todo, com uma zaga exposta tal qual o nervo dolorido do meu terceiro pré-molar. Ele acreditou na lero-lero que éramos favoritos. Ele e boa parte da torcida, que andava presunçosa como se fosse bicolor.

Ontem, na Ilha, o time parecia querer devolver o placar da semana passada ou, ao menos, tirar a diferença, tentando jogar como jogou domingo. Não precisava. Era outro campeonato. Uma coisa não tinha nada a ver com a outra. E o amor-próprio do treinador, ferido por não conseguir comprovar sua tese do time ofensivo e campeão, não carecia ser sanado assim tão de repente, podia ser aos poucos, com um empatezinho ali, outro aqui.

Insisto: o título da terceira divisão mexeu com o ego do bom Vica. Ano passado, ele mudava o time a todo instante e dizia que precisava adaptar o time ao tipo de jogo que iria enfrentar. Ora ia com dois atacantes, ora com apenas um. Ora escalava três volantes, ora apenas dois. Então, porque diabos, ele insiste em manter um volante e meio, mnesmo sabendo que não temos um meio de campo criativo e exuberante? Porque enfrentar um time aguerrido como o Sport como se fosse contra o falecido Vovozinha? A resposta talvez esteja na primeira linha deste parágrafo. Talvez, não sei, é apenas um palpite.

Troféu nenhum deu jeito. O treinador adversário deve ter aprendido muita coisa com o pai, sim, mas certamente tomou lições de humildade com os times de Zé Teodoro e até com Marcelo Martelotte. Três derrotas seguidas em casa podem ensinar muita coisa. Espero que que não seja necessário tanto para Vica. Que duas lhe bastem para que o Santa volte a praticar o futebol guerrilheiro do tricampeonato.