Gerrá tá certo. O que esse blog nos traz de melhor é a chance de conhecer muita gente boa e ouvir as histórias que nos contam. Não é brincadeira a quantidade e a variedade do que já escutamos de ou sobre apaixonados pelo Santa Cruz. O que guardamos na memória muitas vezes acaba aqui no blog em forma de postagem. É tanta coisa que já deu pra três livros, fora as horas e horas de papo jogado fora.
Nada porém, mexe mais comigo do que as histórias que os filhos contam da paixão dos seus pais. Freud explica. Tenho pra mim que torcer pelo time do pai é uma forma de manter contato com o velho mesmo depois de adulto, refazer a conexão depois que o pai vai dessa para melhor ou reforçar um vínculo imaginário, tipo assim: “gostaria de ter vivido isso com meu pai”.
Enfim, quem explica é Freud. Eu, no máximo, sinto que pode ser assim.
Meu pai não era e ainda não é muito de ir a estádio, entretanto o menino que vive dentro de mim (o mesmo que tira catota e bota embaixo da cadeira) guardou o quanto era gostoso ir ao Arruda ou ao Batistão, no tempo em moramos em Sergipe. Dia desses seu Lúcio me contou, como quem fala de um fato insignificante, que costumava me levar para a Unicap, já todo vestido de tricolor, quando o jogo era na quarta-feira. Ele saía mais cedo da aula e me levava para o Mundão. Tinha apagado isso da memória. Depois que ele contou, voltou tudinho.
Hoje sou eu que faço um esforço enorme para levá-lo para o jogo quando ele está em Recife.
E, nos últimos tempos, poucas pessoas me emocionaram tanto quanto Carlos Manoel e seu Carlão. O filho é militar, lotado em São Gabriel da Cachoeira, num posto do Exército na fronteira do Brasil com a Colômbia. Longe para cacete. Vocês devem lembrar dos comentários que ele deixa no blog. Na foto que ilustra o alto desse texto, ele está ao centro segurando a bandeira coral no meio da floresta.
Pois bem, no dia do lançamento do segundo volume da trilogia, Carlos Manoel estava de férias por aqui e levou seu Carlão.
O pai sofre de mal de Parkinson, uma doença devastadora e tem pouco controle sobre seus movimentos. O juízo, em compensação, está bom todo. Conversamos um pouco na praça do Arsenal. A lembrança mais recorrente e mais gostosa de Carlos Manoel é entrar no Arruda no cangote de Carlão que, por sua vez, torce pelo Santa Cruz graças ao pai, um paulista de Guaratinguetá que veio parar em Recife a serviço do Exército – o mesmo que levou seu filho para longe -, lá pelos anos 50. Apaixonou-se pelas três cores, mas morreu cedo, infartou quando Carlão ainda era um Carlinhos, aos seis anos de idade.
Envolvido no lançamento do livro, a ficha da emoção demorou a cair. Passei dias tentando captar a beleza e o significado do que havia escutado e testemunhado. Carlos Manoel poderia ter ido só para a festa, daria menos trabalho, mas ele levou a família toda – mulher, irmã e sobrinho inclusive – para reencontrar um tiquinho da sua própria infância. E para devolver ao pai um pouco da alegria de outros tempos.
Dentro do bar, minutos depois, escutei uma moça, quase uma menina ainda, falar das estripulias do próprio pai. Não foi nada combinado nem ela escutou uma só palavra da conversa que havia tido lá no meio da praça. Dinda, a jovem contratada pela editora, contou que estava amando vender os livros do Santa Cruz, mas não pôde levar o pai, operado há poucos dias dos dois joelhos.
Espantoso foi o orgulho com que ela mencionou o problema ortopédico que deixou seu Paulo no estaleiro, coisa séria a ponto de justificar duas cirurgias. É que ele se operou por causa do Santa Cruz.
“Quando o Santa subiu da série D para a série C, ele foi do Arruda até em casa andando, mas parou para tomar umas cervejinhas, foi um negócio leve. Esse ano, ele prometeu que iria correndo se o time subisse para a série B. O Santa ganhou, ele amarrou a bandeira no pescoço e foi numa carreira só, quase sem parar”.
“Ele mora aonde, Dinda?”. É evidente que fiz a pergunta, mas tive medo da resposta.
“Em Boa Viagem, quase Setúbal. E olhe que ele não joga bem pelada, por isso deu problema nos dois joelhos, já chegou em casa com dor”.
Putaqueopariu. Pensei e disse. Para Dinda, o pai é um guerreiro que cumpriu sua missão e está feliz da vida, apesar de engessado. Fosse ela feita de outra matéria ou torcedora de outro clube, teria censurado a “loucura” do patriarca.
Ah, as cirurgias só aconteceram depois da decisão da série C. Paulo é um homem sensato e não queria perder a festa do título.
Júnior Santos é outro desses. Sua história me chegou por e-mail, enviada por Renan, o filho.
Foi em 2005, quando vencemos a Portuguesa e subimos para a Primeira Divisão. Na saída de casa, como quem não quer nada, Júnior avisou ao irmão Tony, a um amigo deste e a Renan: “Olha, fiz uma promessa. Se o Santa subir, volto para casa a pé”. Ha ha ha. Ninguém deu bola.
Era à vera. Na saída do Arruda, o homem saiu andando pela beira-canal em vez de pegar o ônibus até o centro da cidade. “Só então acreditamos que o negócio era a sério”. O amigo do tio era um fraco, desistiu quando chegou em frente ao Carrefour. Três quilômetros e pouco, segundo Google Maps. Tio Tony segurou um pouco mais, só saltou fora na Chesf do Bongi. Nove quilômetros. Nada mal para quem pesava quase 100 quilos na época. Além do mais, a promessa nem dele era.
Renan continuou, firme, forte e fiel. Confiram o trecho do e-mail com o relato dele: “Continuamos, meu pai e eu, pela Abdias até chegarmos na BR-232, o pior trecho do percurso. Seguimos pela BR até a entrada de Jaboatão, onde faltava pouco mais de 3 km pra chegar mas já nos sentíamos em casa”. Total 20 quilômetros. E a mãe em casa, se descabelando de preocupação.
E de avô para pai, de pai para filho construímos e reconstruímos o Santa. E, agora, temos certeza que tudo isso não vai acabar.