Táticas obsessivas para não perder o “Clássico do ano”

Amigos corais, mandem avisos a todos.
Seja por email, facebook, bilhete, telegrama. anúncio em jornal.
Sem meias palavras, sábado que vem, dia 17 de outubro, você que é uma pessoa cordata, que aceita aniversário de tudo que é de criança no Recife, que topa casamentos ao entardecer, que comparece a formaturas em geral, eventuais funerais, que acha fundamental as boas relações com amigos, parentes, com as pessoas essenciais em sua vida – você, definitivamente, vai dizer um sonoro não.
Não vai poder ir ao aniversário de ninguém, porque, a partir do meio dia do sábado, estará inteiramente à disposição do Santa Cruz Futebol Clube.
Não vai poder participar de nenhum evento familiar depois das 12h, porque a família tem 365 dias para cobrar sua presença, e no dia 17 o Santa começa uma arrancada para o acesso à Série A.
Avise a todos os conhecidos, chegados, chapas, camaradas, amigos do peito, que estão absolutamente proibidos de morrer, entre a madrugada de sexta-feira e as 18h30 do sábado. Só após você sair do Arruda cantando “Junta mais essa vitória”, com um latão gelado na mão, avisos fúnebres, em geral, poderão, ser enviados.
Anuncie logo, faça alarde.
Fique nervoso já de agora.
Faça pantim.
Seja inventivo, criativo.
Qualquer ameaça de evento, que não seja no Arruda, sábado à tarde, faça um escândalo. Quando alguém comentar coisas do tipo “você não está bem”, comemore em silêncio.
Como um bom zagueiro, antecipe-se. Corte qualquer pretensão de tirá-lo de junto da massa coral.
Frases como “mas tem jogo do Santa toda semana” devem ser tratadas como uma infâmia, causadora de separação por justa causa. O que tem toda semana é feira, pagamento de contas, ministro sendo demitido.
Filhos cheios de manha e pedidos, têm até sexta à noite para algum pantim, eventual choramingo. Se você for ríspido, a partir de amanhã, a explicação é simples:
“Papai está nervoso com o jogo do Santa, filho!”
A partir de amanhã, as ligações ao celular devem triplicar.
Frases-mantra que devem ser repetidas (mesmo com o aparelho sem sinal):
“A turma vai se encontrar a partir das 13h no mesmo boteco, né”;
“Já comprei meu ingresso”;
“Só se o cara estiver doente, para perder esse clássico”;
“Até o Carlão decidiu ir…”;
“Não, minha mulher nem é doida de marcar nada no sábado”;
“Nem se fosse o aniversário do Papa, eu iria”.
No meio do jantar da quinta-feira, uma cruzada solene dos talheres, e a frase teatral:
“Estou absolutamente nervoso”.
No meio de um filme romântico, pela Netflix, tomando um vinho:
“Acho que o gol da vitória vai ser de Luizinho. Ele está comendo a bola”.
Além disso, você próprio, torcedor, que está lendo esta crônica – você está absolutamente proibido de adoecer, entre sexta de madrugada e sábado à noite.
Morrer, nem pensar.
Não se trai o Santa Cruz assim, na véspera de um jogo decisivo, sonhando com um minuto de silêncio póstumo.
Deixe para morrer depois do jogo.
A vitória seguirá com você para a eternidade.

Uma obsessão: O acesso

Amigos corais, sem obsessão, o sujeito não faz sequer a feira.
Falo, obviamente, do Santa Cruz.
Começamos o campeonato estadual como reles coadjuvantes. Na Paixão de Cristo, seríamos o bilheteiro, e olhe lá.
A muito custo, dizia a crônica esportiva, chegaríamos em quarto lugar.
O título já era do Sport, vinte rodadas antes da tabela. O clube que recebe da TV uns R$ 35 milhões por ano, que é patrocinado pela Adidas, só treinava depois de tirar a foto de campeão. Os jogadores receberam o bicho antes de chegarem as chuteiras novas, feitas na Europa, com couro de búfalo criado em cativeiro.
Enquanto isso, nós fazíamos vaquinha para ficar entre os vinte da Timemania. Com os R$ 350 mil mensais em 2015, garantiríamos pelo menos metade do salário do elenco. Teve gente que vendeu a Variant 1977 para ajudar.
Para resumir, o Santa Cruz foi foi o vigésimo colocado na Timemania e papou a taça de Campeão Estadual de 2015.
Pois bem.
Começamos a Série B como sempre. Aquele cão pulguento, que fica olhando os galetos rodarem na maquininha.
Isso, se o tricolor for bem de vida, como Gerrá, Robson Senna, Esequias, Inácio França.
Se for um tricolor bolsa-família, o negócio é ficar olhando o galeto assar na brasa, com 200 kg de fumaça para encher o bucho dele e dos filhos.
O Clube Náutico, por exemplo, começou a Série B com 377 pontos à nossa frente. Eu não podia ver um alvirrubro passando de carro, que ele parava seu Citroen, abria a carteira e dizia:
“Olha aqui o que temos sempre – dinheiro. Para a elite, não falta dinheiro. Já estamos na Série A de novo, porque nascemos para a elite”.
O alvirrubro seguia para o restaurante Leite, para comemorar suas vitórias e sua maldição, o hexa.
Agora eles têm uma nova maldição – a Arena, que vai minando a já frágil Torcida Citroen.
Eu não respondia. Seguia para o bar Sukito, defronte ao 13 de Maio e pedia uma cerva, um tira-gosto e um quartinho. Juntando tudo, dá R$ 15,00 + R$ 2,00 do garçom.
Pois bem de novo.
O jogo de ontem foi sofrível
Não fumo, mas ontem fumei uma carteira de Derby.
Quem se preocupa com a saúde, durante um jogo do Santa Cruz, torce pelo time errado.
Nada funcionava direito e o mais pessimista já olhava para o placar que não existe e pensava: um empate vai ser uma tragédia. E seria.
Ontem foi a divisão do campeonato. Um empate, e estaríamos de novo na lona.
Mas o time agora tem Grafite, e aquele noivado eterno dele com a bola.
Diria que Grafite não teve direito a mamadeira, peito de mãe, papa. Deram a ele a bola e diseram: Te vira!
O negão foi lá e fez o que aprendeu na vida – driblar as broncas e criar vitórias.
O fato é que se instalou em mim e na massa coral, uma reles, simples e canina obsessão vira-lata: O acesso à Série A.
Estar entre os 20 melhores clubes do país é nosso dever moral, cívico, existencial.
Se fosse vivo, o filósofo Sartre diria:
“Le Santa Cruz cest la Série A”.
O poeta Garcia Lorca não deixaria por menos:
“Puro como la negra noche – Santa Cruz!”
Aos incomodados com o jogo ruim de ontem, lembro que o Santa Cruz é o time mais improvável do Brasil.
Produzimos Givanildos, Rivaldos, Ricardo Rochas, Caça-Ratos, Thiago Cardosos, fazemos ressurreições improváveis, com Dênis Marques e descobrimos o óbvio ululante: havia um craque jogando no fim do mundo, apaixonado pelo Santa e que pensava em voltar.
ÔôôôO o Grafite chegou….
Então, lembro que, de ontem, trouxemos algo maravilhoso – a vitória e os três santos pontos.
Ganhamos títulos improváveis, passando o chapéu, fazendo rifas, jantares, bingos.
Do alto da minha prosopopéia, já começo a sentir aquela fisgada emocional coral e aquela certeza:
Vamos subir.
Até amanhã, em Feira Nova, com a diretoria e parte do elenco.