Filosofia futebolística

Texto do nosso colaborador Zeca*

Um jornalista perguntou à teóloga alemã Dorothee Sölle o que era a felicidade. Resposta: “Como a senhora explicaria a um menino o que é felicidade? Não explicaria. Daria uma bola para que ele jogasse.”

O futebol desafia o elemento racional que habita em quase todos nós. Essa dimensão da felicidade infantil é logo sobrepujada pela realidade do torcedor adulto, pelas tristezas e alegrias que os resultados de seu time lhe impõem.  Isso justifica uma frase de Nelson Rodrigues, o maior cronista de futebol brasileiro: “Muitas vezes é a falta de caráter que decide uma partida. Não se faz literatura, política e futebol com bons sentimentos.”

O futebol é a vida e, assim como esta, é alegria e pesar, esperança e raiva, paixão e razão, sanidade e loucura.

E ser torcedor do Santa Cruz acirra ainda mais essa questão.

Talvez fosse necessária uma filosofia do futebol, uma sociologia futebolística ou uma antropologia da bola para explicar a paixão louca desta torcida. O futebol compõe um mosaico de lembranças e expectativas que preenche a vida do torcedor de sentido. Lembro quando vi Pedrinho, Joel Mendes, Gabriel, Ramón, Henágio e Mancuso jogando. Meu pai dizia que eu tinha visto Nunes jogar quando era muito criança. Infelizmente esta lembrança se apagou.

Estas lembranças – somadas à entrada no Arruda, ao calor da torcida, ao espetinho e ao famoso cachorro-quente, às cervejas no Abílio, às discussões durante e após os jogos – constroem uma identidade que se torna universal quando vestimos as três cores do Santinha. O filósofo alemão Martin Heidegger entendia que o que define o ser humano são elementos estruturais que ele chamou de existenciais. O principal existencial é o fato de todos nós sermos um ser-no-mundo. Mas, talvez por desígnio dos deuses do futebol, alguns recebam o privilégio de ser um ser-para-o-futebol.

O futebol – seja no Brasil, Argentina ou Inglaterra, por exemplo – causa a catástrofe da nossa racionalidade. Mas isso não é ruim. Ao contrário, permite que realizemos a totalidade de nossa humanidade. Uma partida de futebol, mais especificamente, revela o que realmente somos. É nestes noventa minutos cruciais que rezamos, torcemos, berramos, choramos, gritamos de alegria e comungamos com o universo todo a nossa existência. O grito de gol – e mais ainda o grito de campeão – coloca a todos na mesma dimensão humana. O nosso eu, tão pequeno, se torna grandioso. Torna-se parte de uma energia que flui dentro e fora.

A paixão por um time revela a necessidade humana de sentido. E mais ainda: a nossa consciência de que o destino se constrói a cada dia, a cada minuto, a cada segundo. Um pênalti aos 48 minutos do segundo tempo – e que pode decidir um campeonato – nos coloca num abismo, na impossibilidade de realizar o ato, mas na esperança de que ele seja do modo como desejamos. O famoso filósofo da bola, Neném Prancha – que foi roupeiro do Botafogo – afirmava: “O pênalti é tão importante que devia ser cobrado pelo presidente do clube.”

É no futebol que assomamos nossas esperanças e desejos universais. A vida é um jogo assim como o futebol, daí essa pertença universal que todo e qualquer torcedor sente. Assim, as trapaças, as regras, a justiça, os equívocos e acertos de uma partida de futebol só são compreensíveis porque assim o é na vida.

As brincadeiras pós jogo, o medo de perder, o anseio pela vitória nada mais são do que elementos que constituem nossa existência e que o futebol traduz tão bem. Poderia ser qualquer outro esporte, mas para nós, brasileiros e tricolores, é na bola rolando que se revela a própria vida.

*Zeca é filosófo, músico, metaleiro e tricolor coral santacruzense das bandas do Arruda

Mais um que se apaixona

Caminhei para o Arruda ao lado de Fred Dias. Fomos por ali, sentindo o cheiro da massa coral, conversando e brilhando os olhos a cada comentário sobre o Santa Cruz.

E que jogo, meus amigos!

Mas sobre a partida, deixo a bola pra vocês, porque ontem, vi de perto a realidade da crônica que Samarone escreveu, “O que faz do Santa Cruz o time mais apaixonante do Brasil”.

Quando cheguei ao mundão, encontrei o velho amigo Fred Arruda. Logo em seguida a minha primeira-dama.

Comprei os ingressos e me mandei pras cadeiras.

Morto de fome, tracei um pastel e uma Itaipava geladinha.

Foi quando vi Marconi, Rafa e um sujeito barbudo de óculos. Era Raero Monteiro.

Raero se inscreveu no concurso da Assembléia Legislativa de Pernambuco. Gaúcho, torcedor do grêmio, ele foi aprovado e veio de mala e cuia para o Recife.

Nesta semana, na terça-feira, Raero liga para seu amigo de trabalho Marconi Glauco fala umas coisas e diz:

—  Rapaz, tô querendo torcer pro Santa, já que não ganho nada lá pelo Sul, quero ser ganhador aqui.

Por mais clichê que pareça, quando Raero telefonou, Marconi estava indo ao Arruda comprar os ingressos para a peleja contra o Cruzeiro. Sem avisar ao nobre gaúcho, tratou de comprar um ingresso a mais. Quando chegou à Alepe entregou ao gremista e ouviu:

— Agora só falta a camisa!

Combinaram de ir juntos ao Arruda. O ponto de partida, a residência de Marconi. Lá, Raero não amarelou, vestiu a camisa Cobra Coral e se mandou para o José do Rêgo Maciel. No trajeto, ainda teve que ouvir uma gracinha. Alessandra foi logo avisando:

— Cuidado, visse! Se o Santa Cruz não ganhar, tu não vem mais com a gente!

— Sou pé-quente. – ele respondeu.

Raero se encantou com o que viu. Ficou alucinado com a magia do lugar.

— Porra, que estádio.

— A torcida do Santa é foda, tchê!

A cada gol, Raero vibrava como o mais puro tricolor coral santacruzense das bandas do Arruda. Quis saber quem era o zagueiro Néris. Se impressionou com a velocidade de Keno.

E sobre o Graffa…..

Ah, o Graffa! Grafite é Grafite. O semblante dele no segundo gol o Negão, já disse tudo.

Só sei que , com direito a batismo com banho de cerveja no gol de Artur, Raero é mais um de tantos que se apaixona por nossas cores, nossa beleza e simpatia.

Bem-vindo, meu velho!

A profecia de Seu Zé de Félix

Naquele fatídico 09 de agosto, quando o juiz encerrou a partida, não recordo o que veio à minha cabeça.  Lembro que fui tomado por um misto de tristeza e descrença. Não sei se enchi a cara. Faltou muito pouco, faltou quase nada, para eu acreditar que o Santa Cruz iria se acabar.

Aquele dois a dois, não só calou o Arruda. Deixou todos atordoados.

No dia seguinte, Aureliano, o Léo, escreveu um desabafo. Botou pra fora toda sua angústia e raiva.  Como se estivesse falando para o mundo, em um dos trechos, ele escreve: “chega de tanto sofrimento, constrangimento, humilhação. A instituição Santa Cruz…”.

Léo pensou no pai. Sócio do Santa Cruz, frequentador assíduo do Arruda, como haveria acordado o coração cansado de guerra de Seu Zé de Felix.

Pegou o telefone e ligou.

— Papai, tudo bom?!

Lá de Vitória de Santo Antão, seu Zé de Félix,  não escondeu sua tristeza. Por outro lado, não se intimidou com a infeliz realidade. Muito menos, perdeu a esperança. Repetiu para o filho, o que já havia dito de outras vezes.

— Eu ainda vou ver o Santa Cruz na primeira divisão.

Aquilo soou como um consolo para o filho. Aquele consolo que ao invés de acalmar, deixa o sujeito irritado. Léo não se conteve.

— Papai, pelamor de Deus, o senhor já tem 94 anos!

Fomos para outra série D. Passamos por cima de pau e pedra. Enfrentamos chuva, sol e sereno. Vencemos. Nos classificamos para terceira divisão.

Mas o inferno ainda era ali. Apenas tínhamos saído do fundo do poço do futebol brasileiro. Jogamos a sericê, paramos no meio do caminho e ficamos por lá. Era como se o sonho de ainda ver nosso time na série A, ficasse cada vez mais longe de se transformar em realidade.

Mais um ano na terceira Seu Zé de Félix, filhos e netos, sempre de braços dados com o Santa Cruz, acompanharam nossa façanha. No peixinho de Caça-Rato, naquele memorável gol contra o Betim, eles estavam no Arruda e viram o Santa Cruz ir para segunda divisão.

Fizemos 100 anos e disputamos a seribê. Ficamos por várias rodadas na porta de entrada do G-4. Ao final, não saímos da segunda. Pelo trauma vivido, para muitos, o fato de conseguir se manter ali, já foi um grande negócio.

Entramos em 2015. Seu Zé de Félix se tornou centenário. Outra vez ganhamos o estadual. E, de forma surpreendente, o mundo viu um time fazer um trajeto quase impossível para muitos. O time do povo, da poeira, da massa, está de volta a série A.

Na próxima quarta-feira, contra o Cruzeiro, Seu Zé de Félix vai confirmar de perto sua profecia. Irá ao Arruda para ver seu time do coração jogando de novo na primeira divisão.

 

Otimismo faz bem à alma

Texto enviado por Zeca*

Excetuando a segunda pela manhã, minha semana se resume em ir de casa para a faculdade lecionar pela manhã e à noite. Assim, nada mais justo do que começar o sábado tomando uma cerveja gelada com os amigos. Da sala de meu apartamento é possível vislumbrar a Igreja de Santa Cruz – local mais que sagrado, origem e marco de fundação do nosso Santinha.  Segui para o Mercado da Boa Vista na esperança de encontrar uma mesa. Impossível: parecia o Galo da Madrugada. Solução: tomar uma no Seu Sebastião, o tricolor mais respeitável do Largo da Santa Cruz.

Liguei para Samarone e Fred no intuito de ter companhia durante a espera pelo jogo às 18 e 30. Sama estava com problemas domésticos para resolver e não pode aparecer. Fred veio logo em seguida. Bebi até umas quatro da tarde. Esse negócio de jogo à noite no sábado é complicado para mim. Sou ansioso por vida e penso que a vida, quando nos dá a oportunidade, deve ser vivida. Isso significa que não poderia esperar até o início do jogo para tomar uma.

Como não tenho grana para assinar o PFC, fui para um bar perto de minha casa. Estava com uns amigos e o álcool já estava maior do que minha quantidade de sangue. A bola começou a rolar no Raulino de Oliveira (que nome feio da porra para um estádio) e logo o nervosismo tomou conta. O primeiro tempo foi brigado e o Santa mostrou que o esquema de Milton Mendes tem futuro. No bar, houve intensa discussão sobre as substituições – uns a favor, outros contra.

Na primeira chance do Santa, Keno se atrapalhou e perdeu uma boa chance (Keno, meu filho, você é um grande jogador, mas tenha calma, pelo amor de Deus). Richarlison tentou uma bela bicicleta que parou nas mãos de nosso paredão. Depois de umlindo lance de Grafite, Keno se estabana todo e joga longe. Calma, rapaz, calma.

O jogo foi tenso e o segundo tempo foi mais tenso ainda. Até que a estrela de Grafite brilha mais uma vez. Meus amigos, é talento demais. No lugar certo e na hora certa. O bar explodiu e a gritaria era geral, mas não se compara à emoção de gritar gol no Arruda. Logo em seguida veio a falta espetacular cobrada por Gustavo Scarpa. Tiago ainda tocou na bola, mas a falta foi muito bem cobrada. Tenho que admitir que foi um golaço.

O segundo gol do Fluminense veio exatamente de um escanteio cobrado por Scarpa. Achei confuso o lance e a marcação dentro da área. Pensei, logo em seguida, como João Paulo faz falta para arrumar nosso meio de campo. Por fim, a malandragem de Grafite.

Não fiz curso de arbitragem na FIFA e só sei que o juiz marcou pênalti. Sem malandragem não existe futebol. Maradona que o diga. Experiência faz muita diferença nessa hora. E lá vai o velho Grafite empatar o jogo e acender nossas esperanças.

Eu estava bêbado e feliz. Fui ver no site do Globo Esporte os lances do jogo para ativar minha memória na manhã de domingo. O Santinha jogou bem e me parece que tem tudo para crescer na competição. Quarta que vem vou ver se consigo sair mais cedo da aula para chegar, ao menos, na metade do segundo tempo contra o Cruzeiro. Em casa, meus amigos, a cobrinha cresce (desculpem pelo trocadilho infame).

Estou otimista com o projeto atual de nosso clube. E otimismo, diante de uma realidade tão promissora, faz muito bem à alma. Santa Cruz, Santa Cruz, junta mais esta vitória!

*Zeca é filósofo, metaleiro e músico

Todos Guerreiros

*Texto enviado por Zeca

O sertanejo é, antes de tudo, um forte. E se Euclides da Cunha fosse vivo e tivesse a honra de estar presente ao Arruda neste sagrado dia 15 de maio de 2016, ele provavelmente reescreveria sua célebre frase: “O torcedor do Santinha é, antes de tudo, forte pra caralho!”.

Onze horas da manhã, sol a pino, calor dos infernos e 20 mil apaixonados invadindo o Arruda com a alegria recente das conquistas da Copa do Nordeste e do Campeonato Pernambucano. A esperança, de mãos dadas com a vitória, estava estampada no riso fácil desta multidão de loucos.

Segui para o Arruda com meu amigo Samarone e minha esposa. Nos encontramos no Sukito – bar da Rua Princesa Isabel em que assistimos aos jogos transmitidos pela TV. Tomamos uma cerveja rápida para dar disposição e animar a alma. Tomamos um táxi na Suassuna com medo de perdermos qualquer lance nesta estreia tão sonhada e agora tão real, tão nossa, extremamente nossa.

Na entrada do Arruda, Sama cumprimentava todo mundo. O cara é pop star tricolor. Uma paixão tão verdadeira e poética que transborda na felicidade com que os outros torcedores o cumprimentam. Tirou umas fotos com alguns torcedores. Daí seguimos para as arquibancadas. E aí, o maior de todos os prazeres: entramos no Arruda, entramos na série A.

Meu deus, eu pensei, que alegria, que emoção, que coisa mais linda. Tenho 45 anos e desde os 5 anos que venho ao estádio da torcida mais apaixonada do mundo e do time mais querido. Meu ritual com meu pai era comer o famoso cachorro-quente do estádio e tomar cerveja com espetinho de carne (só não me pergunte que carne é aquela – melhor nem saber).

Quando o jogo começou, um nervosismo deve ter invadido o coração de todos. Presidente, diretoria, comissão técnica, jogadores, torcedores, até mesmo o cara que serve cafezinho ficou nervoso. No zap zap, meus amigos que torcem pelo Do Recife (Já que Sport Club tem uma porrada por aí) e pelo Capibaribe (Já que Clube Náutico é denominação de agremiação esportiva) zoavam comigo: “Vai levar uma lapada”, “Agora é série A”, “Vai dançar”!

Os dez primeiros minutos pareciam corroborar estas malditas profecias. O time estava atabalhoado. O Vitória dominava o meio de campo e o jogo em si. “João Paulo faz muita falta”, disse um torcedor ao meu lado. “E jogo nesse horário é foda”, reclamei. “Mas é bom’, disse outro torcedor, ‘assim posso beber até às quatro da tarde e trabalhar tranquilo amanhã de manhã”. Isso é que é sabedoria popular.

Como disse, o jogo estava complicado. Neris segurava a zaga com um talento sobrecomum e a torcida estava agoniada. Uillian parecia não se encontrar em campo. Aos 21 minutos do primeiro tempo o árbitro dá uma parada técnica para hidratar geral. Eu e Sama também fomos nos hidratar com mais cerva.

Até que, aos 28 minutos, brilha a estrela de Grafite. Passa por um, mete a bola nas canetas do zagueiro e toca na saída de Fernando Miguel. Que golaço. Eu, Sama, minha esposa e todo o estádio se abraçava como se aquela loucura feliz fosse o único sentimento do mundo. GOOOOOOOOOLLLLL! Gritar gol na série A é muito especial. E repetir este grito aos 43 minutos é mais louco ainda. Grafite, sempre Grafite. Que estrela da porra, meu amigo. Mais abraços, mais cerveja, mais sol, mais gritos da torcida.

“Esse é o nosso time de guerreiros”, gritaram todos quando do terceiro e do quarto gol. O gol de Kieza foi irrelevante. A alegria era maior.

Ao final do jogo, a emoção era forte demais. Com a excelente ideia de colocar mais portões de saída, o retorno para casa ficou mais fácil. Todos riam, se abraçavam e gritavam “É tricolor! É tricolor!”.  Sol a pino, calor dos infernos, alegria imensa. Respondi aos meus amigos do zap zap. Silêncio geral. O zap zap ficou vermelho, preto e branco. Time de guerreiros, presidência de guerreiros, diretória de guerreiros, torcida de guerreiros. O  mais querido está de volta. O Fluminense que se prepare, pois o tricolor de Pernambuco está na área, meu amigo. Vai ter feijoada e cerva bem gelada lá em casa para celebrar mais esta vitória.

 

Não fossem eles, o futebol não tinha graça nenhuma

Não lembro a vez que cheguei tão cedo para um jogo no Arruda. Ainda faltavam duas horas para a partida começar. É que as meninas iriam entrar como mascote. Mas como o clube ainda é meio bagunçado em alguns setores, ninguém sabe direito quem organiza essa coisa dos mascotes.  Daí, elas foram barradas e fomos cedo para as cadeiras.

O abafado já dava sinais que o calor seria grande. Ficamos por ali, consolando a menor, vendo o povo chegar e ouvindo conversas.

Um cidadão perto da gente disse que Milton Mendes ainda precisava mostrar muito. Até agora, não viu nada de mais no trabalho dele.

Outro foi mais além, disse que se Milton Mendes saísse hoje do Santa Cruz, ele seria apenas um Zé Teodoro.

Até agora eu estou procurando entender o que ele quis dizer com isso. Quase peço o contato do coroa para marcar um papo sobre isso. Fiquei curioso.

Por falar em entender, também não entendi porque soltaram tantos fogos uma hora antes do jogo começar. Um rapaz disse que era porque o relógio do fogueteiro ainda estava marcando o horário de verão.

Na nossa frente, umas duas fileiras abaixo, um magro vestido com a camisa que tem o troféu da Copa do Nordeste estampado na frente, bebia uma cerveja e dizia para esposa que o Santa precisa contratar mais seis jogadores de referência. “Mas tem que ser de referência mesmo. Dois laterais, um zagueiro, um volante, um meia-armador e um atacante que venha para resolver”. Feito uma coruja, a esposa prestava atenção no que o maridão falava e, que nem uma lagartixa, balançava a cabeça concordando com ele.

A torcida vai chegando e se escondendo do sol.

Minha pequena, ainda chateada por não ter podido entrar como mascote, diz que era melhor ter ido pra praia do que ter ido para o jogo.

O gasoseiros vibram com o calor.

Do nosso lado esquerdo, um time de cronistas esportivos vestidos com nosso manto sagrado bate bola sobre o Santa Cruz.

Um deles, com voz de cantor de seresta, larga o pau em Lelê e agradece por ele não jogar. O outro, aproveita a deixa e emenda dizendo que quem deveria entrar no lugar de Lelê era Daniel Costa. Na opinião do nobre comentarista, por causa da temperatura o jogo seria lento e Daniel Costa se encaixaria perfeitamente. Fechou sua análise com a seguinte frase: “é uma temeridade colocar Wellington César. O certo é botar Daniel Costa”.

“Concordo com você”, disse um barbudo que estava na mesa redonda. E o rapaz completou sua análise com a seguinte fala:

— E digo mais. Hoje não é jogo para Grafite. Uma lua dessa? Tem que botar Bruno Moraes que é mais novo!

Como bem disse o amigo Vavá, não fossem os corneteiros, o futebol não teria graça nenhuma.

 

Alexandre Oliveira, nosso embaixador em Vitória da Conquista

Texto enviado por nosso querido amigo, Alexandre Oliveira

A vítima da vez foi o ECPP – Vitória da Conquista, clube que vi nascer e tenho por ele grande carinho. Muito disso motivado pela paixão por esse esporte tão emocionante e pela distância do Mais Querido. É como se eu procurasse preencher uma lacuna que não se preenche.

Mas o Santa Cruz é maior do que se possa imaginar. O que de início seria uma modesta farra com alguns Tricolores exilados como eu, que resido aqui há quase 20 anos, Luciano Aquino (mora aqui há 23 anos), Lucyano Estelitano que reside em Itabuna, cidade que fica a 250 km de Vitória da Conquista, foi se tornando um momento que jamais será esquecido.

Já na porta do estádio, com o som do carro ligado tocando hinos e gritos de guerra do TRI – TRICOLOR, alguns torcedores do Mais Querido foram aparecendo.

Um senhor que não recordo o nome e que estava com a família. O Ladimilson, que estava acompanhado da esposa também Tricolor(faz cerca de um ano que eles moram em Conquista). Teve também o Augusto. Esse meio tímido, que foi se aproximando aos poucos até que eu puxei assunto. Pensem aí, o cara mora em Teixeira de Freitas – BA (quase 500 km de Conquista) e veio unicamente para matar saudade do Santinha e sentir a emoção de bater palmas “in loco” para o campeão de tudo deste ano.

Não importa se o time é o titular ou o reserva. Não importa se vamos ou não continuar na Copa do Brasil ou disputar a Sulamericana.

Neste momento o que importa é que estamos igual ao Bigbrother: toda semana eliminamos um (li isso nas redes sociais, não sei quem criou).

Só senti falta de levantar mais uma taça depois da vitória de ontem. Bem que podíamos ter criado o Troféu Mongoiós ou Imborés, em alusão as tribos que ocupavam o Planalto da Conquista antes do homem branco, e essa seria entregue ao vencedor do jogo, no caso, o Santa de novo.

Por falar em emoção, eu e os dois “Lucianos” ficamos extasiados quando vimos que a charanga que tínhamos contratado não iria se somar apenas a gente, mas estaríamos ao lado de um grupo maior, bem menor que a torcida adversária, é verdade, mas o barulho que fizemos foi de fazer inveja a qualquer grande torcida organizada do país.

A charanga… Ah, a charanga!

Esta tocou o tempo todo. Intervalo para descanso? Só no intervalo do jogo. Se não sabiam tocar os hinos do Santa Cruz e os gritos de guerra, ao menos o “tri – tricolor, tri – tri – tri – tri – tricolor” e o refrão: santa cruz! santa cruz! junta mais essa vitória…  eram repetidos exaustivamente e me arrepiavam até a alma, cada vez que eram tocados.

O erro da camisa que foi confeccionada para charanga (o preto encostando no vermelho – Arrrgg!!) foi o que menos importou.

Ao final batemos continência. O general nos agraciou com dois gols.

Agora resta procurar o Paulo Henrique, ex-presidente da Criptonita e conduzi-lo ao cartório de registro civil aqui da cidade para que ele cumpra a sua promessa e mudar o nome.

Apostou que o Santa perderia de 3×0.

Como se não bastasse, apareceram dois adoradores de mastro.

Charanga R$ 800,00, camisas R$ 200,00 e ingressos a 40,00 cada.

Tirar onda com a cachorra de peruca, mesmo estando há 1.200km de Recife…

Isso não tem preço.

No busão em Sampa, o Santa Cruz é o mais querido

Crônica enviada por Daniel Leon*

A segunda – feira começava diferente, eu não acostumado a levantar cedo tive que ser o primeiro a levantar no bairro.

Era um dia tenso, depois de muito tempo “enrolando” tinha chegado a hora: Operação Buco Maxilar.

Foram anos fugindo “Da faca”, mas agora não tinha mais jeito, operação marcada as 6:00hs no Hospital do Campo Limpo Paulista, foram anos esperando e agora “tá marcado”, o frio dominava não só a barriga, mas o corpo inteiro, apesar do gigante na minha frente informar que eram 4:47 hs e 19 graus celsius.

O busão vem vazio no corredor da Santo Amaro, tradicional avenida de Sampa, capital de todos os brasileiros. E para confirmar essa tese, entra um senhor de aproximadamente 75 anos, uns 5 pontos após minha entrada.

Calça preta com o símbolo do Santa Cruz, a tradicional camisa tricolor “Do mais querido” como adoram dizer os pernambucanos que escolheram o Santa, boné com o escudo do clube Brilhando e chaveiro pendurado. Apenas a mochila era de outro tricolor, o paulista, mas isso eu relevei.

Como o destino é destino, um ônibus sanfona gigantesco, vazio, e o cabra senta na fileira ao lado. A pergunta rodava na minha cabeça e não segurei:

— Tá feliz com a dobradinha da cobra coral, né?! – Foi o suficiente para ouvir o que mudaria meu dia!

O senhor começou a falar:

— Rapaz, Meu Santa Cruz ganhou a Copa do Nordeste pela primeira vez, e ainda levou o pernambucano sobre o Sport. Ganhamos de 1×0 no Arruda e ontem arrancamos o empate”, e o jovem paulistano pensando “sei bem”.

E ele continuou:

— Dunga devia prestar atenção em Tiago Cardoso, que baita goleiro, para mim junto com o ‘Grafa’ foram os grandes responsáveis pela ascensão do Santa. Olhe, o Sport tem excelentes goleiros, todos os dois, Magrão e Danilo, mas Tiago é o melhor do Brasil e todos verão isso na Série A.

Já empolgado o velinho seguiu a prosa:

— Meu filho é são paulino, eu vim a São Paulo em 1977, e tinham sido anos maravilhosos para o tricolor, com Lula Pereira, Levir, Fumanchu, Givanildo e cia( olha de relance minha calça do Corinthians, e diz), Givanildo foi para o seu time, aqui era apelidado de ‘cabeça de návio’, e como era bom, ontem foi campeão com o América, visse?!  Só voltei ao Recife duas vezes, a última em 1993. Aqui já fui ver o Santa no Canindé, Morumbi, Pacaembu, na casa do Palmeiras, esse ano vou lá no seu estádio, mas o meu maior sonho é ver a um jogo no Arruda ( Eu apenas concordei, eu também tenho esse sonho, de ver um jogo no mundão do Arruda), estou juntando dinheiro e já prometi pro meu filho e esposa, ano que vem vamos visitar a família, tenho sobrinhos que só conheço por foto, e claro vamos ao Arruda, porque você sabia né? a torcida do Santa é a torcida mais apaixonada do Brasil!!!

E eu fui me despedindo:

— Boa Sorte meu senhor, aqui é meu ponto, e que o senhor consiga ir mesmo – disse eu já emocionado.

Um tchau para lá e outro para cá, sorrisos de alegria e eu desci confiante que hoje ainda não era minha hora, ele esperou 40 anos para realizar um sonho, o que foram os meus poucos anos para uma operação? Nada!

*Daniel Leon , jornalista apaixonado por futebol, apresentador do programa Dia de Clássico no canal Mais Globosat, louco pelo Corinthians e apaixonado pelo Santa Cruz. 

O Arrudinha de Gileno

A casa de Gileno se transformou numa espécie de Arrudinha. A cada decisão, uma legião de tricolores corais santacruzenses das bandas do Arruda invade o recinto. O lugar tem dado sorte.  Eu estava em falta e me mandei para lá.

Quem chega sem estar devidamente trajado, os donos da casa não fazem cerimônia – jogam um manto pro cidadão e pedem imperativamente: “bora, veste!”

A preliminar é regada a cerveja, uísque, pitú, vodca e o que mais vier. Na brasa, carne. No fogão, sarapatel e miúdo de galinha. Pra turma do infantil, refrigerante, pipoca e algodão doce.

O assento do dono da casa é sagrado. Sem dar chance ao azar, ninguém pode sentar na cadeira dele.

Seu Geraldo é o mais experiente da turma. Consegue se manter na mesma sintonia o jogo todo. Vez por outra, chuta o vento como se quisesse ajudar o time. Nas horas de nervosismo, sempre procuro ele pra me acalmar um pouco. Quando acabou o primeiro tempo, eu perguntei: “E aí, pai! Será que dá pra segurar?”

Ele não titubeou: “rapaz, esse time deles não tem ataque. Dá pra segurar, sim!”

Só sei que a sala ficou lotada. Teve gente assistindo pela janela.

Clênio ficou praticamente colado à TV. Agarrado com um terço e com o rádio conectado ao ouvido. A cada lance, uma reza. Quando a gente se livrava do sufoco, Clênio beijava o terço e agradecia por nós. Ao final, levantou as mãos para o céu e agradeceu.

Um pouco mais para trás, ficou um negro gordo que logo foi apelidado de João do Morro. Vez por outra alguém chamava ele de Grafite. João do Morro era o nervosismo em pessoa. Gritava com os jogadores. Pulava da cadeira. Reclamava. Para se acalmar, ele vez por outra levantava aos berros:

“Caaalma! Caaalma! Calma, minha gente. A gente vai ser campeão nessa porra!”.

Quando a partida acabou, fiz questão de comemorar com João do Morro. Ele apertou a minha mão e falou cheio de moral: “eu sabia”.

Mariá cravou 0 a 0 no bolão. Aos nove anos, a menina adora futebol. Se for o Santa Cruz, ver o jogo todinho. Sofre, vibra, xinga, comenta, reclama com o juiz. É fã de Grafite e Thiago Cardoso. Tem uma birra danada com Lelê.  As mãos da garota suavam feito tampa de chaleira. Faltando uns 10 minutos pro jogo se encerrar, ela vira pra mim e pergunta: “papai, posso falar um palavrão?”

“Agora não, filha. Deixe o jogo acabar.

Já no finalzinho, perto dos 50 minutos, ela nem esperou o apito final e mandou pra todo mundo ouvir: “vai te fuder, Sport!”

Fiquei com um orgulho, danado!

Eu queria estar com todos vocês

Eu queria sair caminhando pelas ruas. Subir as ladeiras, sentar nas praças, visitar os morros e as mansões. Apertar a mão, abraçar e beijar os pretos, os brancos e os encarnados. Os feios, os bonitos. O gordo, o magro. Todos sem distinção.

Queria me perder por becos e avenidas. Tomar cerveja, beber aguardente, saborear um vinho, uisque, vodca, rum com coca, seja lá o que for.

Eu queria poder estar junto dos homens, das muheres, dos moços e dos velhos. Dos ricos, dos pobres, dos bebados, das putas e dos frangos. Sorrir e gargalhar de alegria.

Eu queria estar com todos os tricolores corais santacruzenses das bandas do Arruda.