Exilado por um instante

Por aqui, pra quem não é acostumado, o que é perto sempre é um pouco longe. Corri o que pude, mas só consegui chegar a tempo de ver os melhores momentos da primeira etapa e os quarenta e cinco minutos finais.

Tenho pra mim que estar longe de um jogo como o da última terça-feira, deixa o sujeito mal-humorado, nervoso e chato. Eu, por exemplo, já sentei no sofá reclamando do empate. “Como é que o time faz um gol e dois minutos depois leva outro?!”. “De novo. Cruzou na área, essa defesa leva gol”.

Até fazermos dois a um, fui só reclamação. Lembro que momentos antes, chamei Luizinho de “doente”, Lelê de “idiota” e Anderson Aquino de “burro”. A primeira dama até ironizou: “no jogo contra o Botafogo, tu devia ir assistir nas sociais”.

Mas bastou Luizinho estufar a rede adversário, que o peso e o azedume foram embora. Corri pra janela e gritei pra toda Vila Mariana ouvir: é Santa Cruz, porra!

Ao final, quando fechamos o caixão do Bahia, gritamos e pulamos feitos malucos. Até o cachorro do vizinho comemorou.

Passada a euforia, uma mistura de alívio e saudade chegou de com força. Os amigos no Bar de Abílio, a Avenida Beberibe, a cerveja na beira do canal, o Tepan, a turma do Poço da Panela, a massa coral em festa.

Ah, como eu queria estar ali pra abraçar o povão.

Nessas horas, dá pra sentir um pouquinho o que sentem os infinitos exilados tricolores corais santacruzenses das bandas do Arruda por esse mundo a fora. A saudade não é do Recife, a saudade é do Santa Cruz.

No próximo sábado ainda vou estar por aqui. Melhor ainda, é que o jogo contra o Oeste não vai ser mais em Itápolis. Vai ser em Osasco.

E nossa sorte é que os limites do Arruda ultrapassam todas as fronteiras. Já tem uns exilados aqui em São Paulo se organizando para ir ver o Santa Cruz e eu vou no meio. Raul Cavalcanti, Danilo Souza e João Victor  confirmaram presença. Pra engrossar o cordão, meus amigos Paulo e Isabel, também irão.

Só me falta aparecer um sanfoneiro, uma zabumba e um triangulo pra animar a festa. Mas aí é querer emoção passando da conta.

Por onde vou, o Santa Cruz está!

Tirei férias. Juntei a família e me mandei para São Paulo.

Por aqui, pra quem está acostumado com nosso belo calor, o frio é daqueles que faz o sujeito ajudar a economizar água do chuveiro. Por aqui, o povo continua andando avexado no meio da rua. “Papai, todo mundo anda correndo aqui, né?”, falou uma das pequenas.

Quando entro no gozo das férias, sou daqueles que procuro me desligar de tudo. Faço questão de não atender ligações telefônicas. Evito as tais redes sociais. Pelo visto, vamos chegar num tempo em que o sujeito viajará e na volta não terá nenhuma novidade para contar. Muito menos fotos para mostrar. A turma sai de férias e se dana a mandar fotos por zap-zap, postar o que está fazendo no facebook.

O que não consigo mesmo, é me desligar do Santa Cruz. Nem ele de mim. Ontem, levei as pirralhas para conhecer o Butantã. Por sinal, um passeio pra lá de agradável. E aí, num dos museus, encontro o nosso Santa em várias cobras corais. Mais pra frente, umas das programações do Instituto é deixar o público manusear algumas cobras. Avisaram que seria um jibóia e uma cobra do milho. Andamos, visitamos outro museu, paramos para fazer um lanche e no horário marcado fomos para o serpentário onde seria feita a atividade. A jibóia estava lá, mas a cobra do milho faltou. No lugar dela, a cobra coral.

Hoje perambulamos pelo centro. Nas imediações da 25 de março, o movimento é grande. De camelô a cartomante, tem de tudo. Já no Mercado Municipal a turma não alivia no preço. Tirando o sanduba de mortadela, o sujeito paga caro e come pouco.

Final da tarde, fui conhecer uns amigos novos. É que quando resolvi viajar para terra da garoa, comentei com Esequias. De pronto, ele me botou em contato com um casal paulista, Isabel e Paulo. “Gerrá, eles são gente fina. Ela é bem simpática. Ele, Paulo, é um Samarone da vida. São torcedores da Portuguesa”.

Nos encontramos na saída do metrô da Sé. Em poucos minutos, estávamos sintonizados como se nossa amizade fosse bem antiga. Uma conversa boa danada na escadaria da Catedral que terminou logicamente num bar e o futebol foi o assunto principal. Perguntei a Paulo se eles estavam naquele jogo de 2005, na seribê, contra a Portuguesa. Falei que a gente tinha ido com a Sanfona Coral. “Não sei se você lembra, mas na torcida do Santa tinha uma turma tocando forró”, eu disse. “Claro que sim. Foi ali que vi que a torcida de vocês é fantástica. Tenho a maior admiração pelo Santa”.

Paulo e Isabel tem os três volumes da trilogia do Blog. Tem camisa do Santa Cruz,  canecas, cobrinhas e até o álbum de figurinhas.

Não tem jeito, meus amigos. Quem é Santa Cruz não desgruda dele. Que seja assim. Neste sábado, vou estar ligado no jogo contra o Criciúma. Terça é o Bahia. E no outro sábado, dia 01, espero que a turma do marketing invente uma promoção do tipo “Turista Coral em Sampa” ou que eu arrume por aqui, uma turma boa de exilados Tricolores Corais Santacruzenses das bandas do Arruda que queira ir pro jogo contra o Oeste.

Dor x Esperança

O texto abaixo foi publicado no www.santacruzpe.com.br, o site oficial do nosso clube. Que por sinal, tá bem bacana e com notícias atualizadas. Fizemos questão de republicar, porque pra nós, Raniel é obra-prima que deve ser preservada.

Não é só por Grafite que a torcida do Santa Cruz espera. Raniel, um dos mais habilidosos jogadores revelados pelas divisões de base do clube nos últimos anos, está treinando com o resto do elenco para só voltar a campo no mês de setembro, quando termina a punição imposta pelo STJD.

Da suspensão e da cocaína encontrada em sua corrente sanguínea, qualquer um que acompanha minimamente o noticiário esportivo já está cansado de saber. O que poucos torcedores sabem é que, com ele dentro de campo ou proibido de jogar, o clássico Dor x Esperança é jogado todos os dias no coração de Raniel.

Desde pequeno, Raniel conhece o sofrimento de perto. Ainda criança, quando tinha apenas seis anos, seu pai morreu. Como e do quê,  não sabe. Nunca lhe contaram. “Só sei do rosto dele porque já vi umas fotos, mas não tenho lembrança nenhuma”. Atenção e carinho da mãe era uma coisa tão rara que uma ex-patroa dela, dona Dione, não aguentou ver o menino largado em casa, sem banho, sem roupas, sem cuidados e se ofereceu para criá-lo.

Dos oito aos 16 anos, Raniel viveu na casa dessa mulher, uma senhora cujos filhos já eram adultos. Ela pagou escola particular para o menino que, até hoje, só se refere a ela como “minha mãe”. Graças a Dione, ele pôde estudar até o oitavo ano do Ensino Fundamental e treinar na escolinha do Santa Cruz. Nessa época a Esperança virou o jogo e ganhava de goleada. O contato com a mãe biológica era mínimo e isso não era coincidência.

Uma tarde, quando voltava do treino de Futsal na quadra do clube, ele estranhou a movimentação em frente à casa onde vivia, perto do clube Madeira do Rosarinho. ‘Mãe’ Dione havia sofrido um ataque cardíaco e morreu no hospital. “Chorei sem parar, foi o dia mais triste da minha vida”. Naquele instante, a vida de Raniel havia mudado completamente.

Não havia outro jeito: ele teve de voltar para a casa da mãe, que a essa altura morava numa favela em Chão de Estrelas. Crack, cocaína e maconha passaram a fazer parte da rotina de todos ao seu redor. Era a Dor tomando as rédeas da sua vida novamente. “Todo mundo que eu conheço lá, cheira e fuma, mas eu sempre me mantive longe porque só tinha uma coisa na cabeça: ser jogador de futebol”.

Nesse período, as únicas refeições saudáveis que fazia eram aquelas servidas na concentração da base.
Então, numa festa da comunidade, madrugada de sexta para sábado de 2014, lhe ofereceram uma carreira de cocaína. Era a enésima oferta daquelas que lhe faziam. E a primeira que ele aceitou.

“Nem lembro do que senti. Sabia que ia ter um jogo do Pernambucano na quarta-feira, mas não imaginei que daria problema”. Deu. Nem jogar ele jogou, ficou no banco, mas foi sorteado para o antidoping. O resto da história é conhecida. Parecia que a Dor venceria o jogo da sua vida.

“Sinceramente, acho que o flagra no antidoping foi obra de Deus. Sem isso, talvez eu tivesse continuado a me drogar e jogaria tudo fora. O flagra e a ameaça de punição me deram medo, me fizeram parar para pensar no que eu quero mesmo da vida. Quero ser jogador de futebol, quero sair do Santa Cruz para o Real Madrid. Tenho bola para isso, confio no meu futebol”.

Hoje, Raniel vive num apartamento alugado pelo clube junto com a avó Marinalva e a irmã de 15 anos. Todos os meses, se submete a exames de sangue pagos pelo Santa Cruz para comprovar que está livre da cocaína. Todos os exames deram negativos.

Do mesmo jeito que Raniel, a Esperança é implacável nos contra-ataques.

O dia seguinte…

Amigos corais, estou começando a me preocupar com os momentos antes dos jogos do Santa.

Explico.

Como não podemos mais beber durante o jogo, estou mandando ver antes. E com cano de ferro.

Vou resumir para facilitar.

Domingo, lá pelas nove horas, acordei. Lembremos que o jogo foi no sábado, 16h30.

Olhei o cenário. Eu estava no colchão da sala, ainda com a camisa do Mais Querido, ainda com a camisa que vou para todos os jogos.

O placar?

Não lembrava.

Quem encontei antes do jogo e como cheguei em casa?

Nada.

Minha mulher acordou e perguntou:

“E ai, Barba, como foi o Santinha ontem?’

Glub.

“Ahm, foi legal, mais uma vitória”.

Ela foi tomar banho e liguei o rádio. Porra, será que ganhamos mesmo?

Notícias do rádio: Lava-jato, o aloprado do Eduardo Cunha, crise, crise, crise, o Brasil só pronuncia esta palavra.

“Vamos agora à resenha esportiva…”

Opa, é agora.

Fiquei torcendo por uma vitória.

“A cobra fez bonito: três a zero no Atlético”.

Ufa…

Detalhes dos gols. Eu só lembrava de alguma alegria, mas tudo era uma grande amnésia.

Silvinha saiu do banheiro.

“Quanto foi mesmo o jogo?’

“Três a zero”, respondi com uma rara certeza, já estufando o peito.

Depois fui ao Poço da Panela.

Naná disse que me viu antes do jogo, me deu dois ingressos que tinha sobrando, que conversei com ele etc.

Alguém por aí tem os telefones do pessoal do AA, aqui na região da Boa Vista ou Santo Amaro?

O foda é a morgada…

Amigos corais, o sujeito ser cronista semanal do Santa Cruz Futebol Clube é quase viver com transtorno tripolar.

Vejam a última crônica do senhor Gerrá Lima. Uma ode à vitória contra o CRB. Ele narra o segundo tempo. O Santa com com um homem a menos (após virar o primeiro tempo perdendo de 1 x 0), o campo molhado, chuva que só a gota, dez mil abnegados torcendo, e  o que faz o Mais Querido?

Joga 45 minutos de encher os olhos, vira o jogo e arranca os três pontos.

Então vem o jogo contra os alvirrubros, no sábado, naquela desgraça da Arena.

Segundo tempo com um jogador a mais (após um primeiro tempo meia boca total), o que faz o Santinha?

Não joga nada, leva o segundo gol e perde o jogo.

Terminou o jogo, fiquei com aquele sentimento de morgação na boca. Uma semana inteira com os duas-cores rindo à toa, cantando loas.

Hoje, não vou ver TV, nem escutar rádio, nem espiar jornais.

É a famosa Morgada, com M maiúsculo.

Só fui para aquela desgraça da Arena num jogo contra a Luverdense, para nunca mais.

Sei que a diretoria anterior negociou cinco jogos com a Arena, para esta Série B. Parece, inclusive, que é a própria Arena quem escolhe os jogos. Ou seja – fica só com o filé. Já imaginaram Grafite fazendo a estreia na Arena, e não no Arruda?

Escutem o que eu digo – se a gente for mesmo disputar 15 pontos naquele lugar sem alma, sem história, sem memória, sem a força da massa coral, estamos numa fria.

Por hoje é só.

Na bola e na raça

Meu caro Sama, tu não sabe o que perdesse! Com um a menos desde o final do primeiro tempo, perdendo de um a zero, viramos o jogo e vencemos por 2 a 1. Foi lindo! Um privilégio para os 10.000 tricolores corais santacruzenses das bandas do Arruda que puderam ir. Fazia tempo que eu não via um time jogar com tanta raça.

Rapaz, tu acredita que assim que entrei no estádio, levamos um gol? O cara cruzou alto da direita e nossa defesa, pra variar, dormiu no ponto.

Fiquei invocado. Perder em casa para um time treinado por Mazola Jr e que tem Pingo no ataque, seria o fim da picada.

Mas não demorou muito e tomamos as rédeas do jogo. Dominamos e sufocamos ele. Só faltava alguém pra botar a bola para dentro. Pena que Grafife ainda não está podendo jogar. O tal do Natan é de fazer dó. É a mais nova piada. Quando ele pegava na bola, um sujeito que estava perto gritava: tu né cachorrão não, tu é a molesta dos cachorrro. Murrinha!

O gol de empate estava bem maduro. Só que no finzinho do primeiro tempo, Sacoman, que já estava com amarelo, foi imprudente e deu um carrinho. Danado é que a jogada era uma saída de bola do nosso adversário. Pixotou geral, o tal do Sacoman. Aqui pra nós, esse rapaz parecia até que jogava bola, mas o bicho é fraco. Tem uma cara de menino criado com vó. Tu sabe que eu sou arretado com zagueiro que tem cara de menino buchudo.

Nessa hora da expulsão, um cidadão que estava um pouco atrás, gritou: “pqp, o cara sair de casa uma hora dessas pra ver uma merda dessa. Era melhor eu ter ficado assistindo faroeste na televisão”.

Bom, nossa sorte é que o primeiro tempo acabou.

Ao meu lado, um senhor gente boa sentenciou: “a gente vira esse jogo, você vai ver”.  Bicho, o treinador fez umas mexidas e acertou em cheio na arrumação do time. Tirou o Cachorro da Molesta e botou Nininho. Puxou Bruninho pro meio, deslocou Marlon pra zaga e Renatinho caiu mais pra lateral-esquerda. Pense numa ciência que deu certo! Mesmo com um jogador a menos, continuamos donos da situação. E aí, João Paulo, como nos velhos tempos do estadual, destruiu. Fez um golaço. Saiu driblando e, de fora da área, bateu no canto do goleiro.

Fomos ao delírio. Rapaz, eu vi a hora o senhor gente boa, o que disse que iríamos virar, ter um troço. Ficou pálido e massageando o coração. Em pensamento eu pedi a ele: “homi, num morra agora não. Imagina, se ele tivesse um troço”.

O time continuou pra cima. Dominando. Jogando bem e a torcida jogando junto. Imagine que até Nininho estava bem em campo. O segundo gol era somente questão de tempo, só que o cansaço e o desgaste foi batendo e teve nego que não aguentou. Quando Marcelotti quis dar um gás no ataque e chamou Luizinho, Marlon pediu penico. Entrou Néris. O bicho segurou a onda. Não comprometeu. Jogou bem. Um pouco depois, nosso técnico chamou Luizinho. Renatinho tava morto e saiu. E não é que viramos! E foi Luizinho quem partiu pra cima e cruzou rasteiro pra nosso artilheiro Anderson Aquino decretar a vitória.

Camarada, daí pra frente nem lembrei da minha sinusite e dor na garganta, quando o time deles pegava na bola, me esgoelava gritando e vaiando.

O senhor do meu lado estava ao ponto de enfartar. Tenho pra mim que de lá ele foi direto pro Unicordis.

Ao apito final, a alegria tomou conta. Nada melhor do que ganhar na bola e com raça. Quando isto acontece, a massa coral se acha verdadeiramente representada em campo.

Ganhamos, poeta. Ganhamos. O time é outro.

O povão está em festa!

 

Terça-feira, não tem desculpa. Todos ao Arruda!

Parece mesmo que recebemos uma transfusão de sangue. O time, que antes sofria de  uma anemia crônica, agora é outro.

Saímos da UTI e estamos bem perto de ter alta.

Digo isto porque a sala dos rebaixados está somente a três pontos da gente. Mas por outro lado, se engrenar uma boa sequência de vitórias, a gente entra de vez na briga pelo G-4.

Sim, como eu ia dizendo, somos outros.

Basta ver a beleza do gol do nosso pirralha. Pra fazer um golaço como o de Renatinho, o cabra precisa ter acima de tudo, auto-confiança e alegria correndo nas veias.

Se não me engano, já são sete partidas sem perder, cinco sob o comando de Marcelotti. É certo que pegamos o embalo.

E agora, meus senhores, chegou a nossa hora. Se nosso esquadrão saiu da UTI, a gente precisa sair de casa e correr pro Arruda. Com nossa torcida em campo, esse time engrena e dispara de vez.

E imaginem quando Grafite estiver pronto. Ninguém segura o  Mais Querido.

Como bem disse Alírio, nós somos os heróis ocultos desse clube centenário. Certíssimo presidente. Desde nossa fundação, tem sido assim. A massa coral é o principal combustível, é a força motriz desse clube centenário.

E agora, é hora de vestir a camisa, chegar junto e jogar com o time. De defender, atacar, de bater escanteio, de matar a jogada adversário, driblar e fazer gol.

Hora de intimidar o adversário com nosso grito. De pegar os meninos que estão de férias, juntar a família e se mandar pro Arruda. Convocar os vizinhos, os amigos. Distribuir ingressos, pagar a passagem e dar carona.

Já dei uma olhada na previsão do tempo. Terça-feira o dia estarár lindo. Um arco-iris preto-branco-encarnado vai aparecer no céu da cidade. A noite, o céu ficará limpo, brilhando e a lua vem nos ver jogar.

E amanhã mesmo, já vou comprar meus ingressos.

Terça-feira, não tem desculpa. Todos ao Arruda. Foi assim que o frequentador assíduo desse Blog, o Coral, escreveu nos comentários do texto de Samarone.

Estou contigo Coral.

“Nada” pode justificar uma ausência do verdadeiro torcedor do Santa Cruz neste jogo contra o CRB.

Nesta terça, todos as ruas, avenidas, becos e ladeiras nos levarão para Avenida Beberibe.

“O Santa Cruz tomou uma transfusão de sangue!”

Quando desci para comprar o pão, na quarta-feira, o jornal “AquiPE” tinha uma foto de Grafite na capa e o título:

“O artilheiro está de volta”.

Caso raríssimo: o jornal foi mais importante que o pão.

Depois do meio-dia, já fui me concentrando para a cerimônia da chegada do craque: 15h30, no Arrudão.

Às 14h, liguei para Esequias.

“Já estou a caminho do Arruda”, disse. O bicho é apressado mesmo.

Na sede, uma efervescência. Fui à sala para atualizar minha situação de sócio, mas não cabia nem a sombra de ninguém.

No bar de Abílio, aquela agitação.

Após dar uma boa golada, Esequias solta uma frase sonora e musical:

“O Santa Cruz se reencontra com o Santa Cruz”.

Começa a falar sobre a história do Santa, sua origem negra, humilde, batalhadora, e arrematou.

“Esse negro Grafite é a cara do Santa”.

Foi uma sorte imensa ter conversado com Esequias. Minutos depois, uma amiga de uma TV me pegou para uma entrevista. Usei os mesmos argumentos do meu amigo e devem ter me achado inteligente pacas. Valeu Esequias!

Depois de circular por tudo que era canto, chegamos às sociais, lotadas. Os vendedores gritavam a plenos pulmões:

“CERVEJA, Coca e água!”

Eles exageravam na palavra “CERVEJA” porque sabiam que aquele momento era único, sem proibição. A massa coral se esbaldou nas Itaipava geladíssimas.

Foi uma linda e tanto, divisora de águas. O clube realmente está se modificando. Marketing, comunicação e futebol funcionaram numa rara e perfeita harmonia.

“CERVEJA, Coca e água!”, insistiam os vendedores.

Até a TV Globo, que adora uma exclusividade, exibiu, no Globo Esporte, a entrevista que Grafite deu à TV Coral. Golaço!

Na volta, dei uma espiada na entrevista coletiva. O Negão fala bem que só.

Dei um abraço no eterno Rodolfo Aguiar, que soltou o arremate:

“Hoje o Santa Cruz tomou uma transfusão de sangue!”

Sangue negro, pois, como o das nossas origens.

Seja bem-vindo, meu nobre!

Era inicio do campeonato brasileiro. Naquele jogo, resolvi ir para as sociais. Mal bateram o centro, a turma já estava reclamando. Ao meu lado, Gilvandro se invocava. Não com o time, mas com chatice da turma das sociais. “Deixem o time jogar, bando de filho da puta”, ele resmungou.

Lá na frente, o ataque perde um gol feito e a chiadeira é geral. “Vai ser grosso assim, na casa da rapariga da tua mãe”. “Bicho ruim do caralho”.

Foi quando Gilvandro olhou pra mim, ajeitou os óculos e disse: “esse negão não é de todo ruim não. Esse cara tem potencial. A merda é que a torcida não tem paciência, nenhuma”.

Gilvandro falava como se fosse o mestre Telê Santana.

Foi quando meteram uma bola pro negão, ele botou a pelota na frente, deixou uns três marcadores para trás, entrou na área e chutou por fora. O azedume das sociais atingiu seu limite máximo. Um cara ao meu lado ameaçou entrar em campo pra tomar satisfação com o nosso centroavante. Um senhor se esgoelava e cuspia tudo que era de xingamentos em direção ao camisa nove.

Gilvandro respirou fundo, controlou os nervos e preferiu se retirar daquele lugar. Movido pela mesma causa, acompanhei meu amigo.

Assistimos o resto da partida, perto do portão de saída das sociais.

Dali pra frente, nosso papo foi sobre Grafite. Não exatamente sobre os tantos gols que ele perdeu naquela partida, mas sobre seu traquejo, sua disposição em campo e, principalmente, sobre sua história.

Pedimos uma cerveja.

“Meu camarada, ele começou a jogar profissionalmente aos 20 anos. Esse rapaz só precisa aprender alguns fundamentos. Tem tudo pra ser um grande atacante”.

Gilvandro foi certeiro. Grafite deslanchou.

Menino pobre, preto, nem pensava ser jogador profissional. Chegou por aqui em 2001, enfrentou a pressão da massa coral, não amarelou e se mandou por esse mundo afora, levando o Recife e o Santa Cruz no coração.

Por onde passou, conquistou títulos, fez gols, foi artilheiro, se tornou ídolo.

Seguindo pela contramão da atual lógica do futebol, depois de quase quinze anos, Grafite chega de novo ao Arruda.

O carinho, o amor e a paixão o trouxeram de volta para vestir nosso manto sagrado.

Seja bem-vindo meu nobre!

Saiba que o povão está em festa e com orgulho de ser Santa Cruz.

Uma geração de tricolores corais santacruzenses das bandas do Arruda que nunca te viram jogar, já te tem como ídolo.

Cá pra nós, Grafite, tu és a cara da nossa torcida!