Uma Polícia contra uma torcida – o caso da PM de Pernambuco

Amigos corais, cada vez que saio de casa me pergunto – como será que estará o humor da Polícia Militar de Pernambuco de hoje? Como será a organização dos camaradas da Tropa de Choque no entorno do estádio? Teremos cavalos em cima de homens, mulheres e crianças? Teremos spray de Pimenta?

Bem, agora temos uma novidade (se é que não perceberam ainda) – PMs armados com rifles que disparam balas de borracha. Tem gente que fica cego com isso. No jogo contra o Sport, na Ilha do Retiro, atiraram em pessoas a dois metros de distância.

Além de torcedor do Santa Cruz Futebol Clube, sou, essencialmente, um jornalista. Vou a qualquer lugar da minha vida com um bloco de anotações no bolso esquerdo e duas canetas no bolso direito (para o caso de uma falhar). São minhas armas. Eu anoto tudo. Do camburão que levou um garoto de uma organizada ao número do ônibus que queimou a parada porque tinha “apenas” um velhinho.

Ontem, resolvi fazer o seguinte – vou ver como a PM vai receber a torcida do Santa.

18h: Chego à “Beira Canal”, o famoso portão 9, onde entra a maior parte dos  torcedores que pagaram, no último jogo, R$ 40,00 (arquibancadas). Há uma fila enorme, inacreditável, num jogo contra um time do interior, praticamente sem torcida adversária.

Resolvo pegar uma cerveja e sentar junto à entrada, para ver o trabalho da PM. Ver e anotar o que acontece rigorosamente em todo jogo: desorganização, falta de planejamento, de estratégia, truculência.

Antes,  ao passar pela entrada do anel superior, o caos habitual. Milhares de pessoas se aglomeram, esperando a chance de entrar no estádio. Uma confusão enorme. Ligo o radinho e tem um torcedor indignado com o trabalho da PM de Pernambuco.

Decido que vou esperar e ser o último da fila, para ver quanto tempo de jogo perderei, mais uma vez.

18h15: Beira canal: Em meio à enorme fila, carrões chegam, para entrar no estacionamento do Arruda. Atravessam a caótica fila. É óbvio que em qualquer estudo de acesso, impediria carros entrando naquela rua. PM estudar estratégias de acesso a um estádio, em Pernambuco, é pedir inteligência em quem trabalha com multidão.

18h25: PMs circulam com armas que parecem rifles. Já sei – são as tais armas que disparam tiros de borracha. Mas que cegam. A fila segue enorme caótica.

8h30: A rua Beira Canal tem uns 500 metros, até o portão 9. Só a 20 metros tem uma estrutura de ferro, para organizar a fila. O restante da fila é um caos. Vários amigos de classe média estão ali. Quantos teriam a coragem de levar suas mulheres e filhos para esse caos? Como só bem perto da entrada eles usam estruturas para organizar a fila, dezenas de pessoas passam na frente. Um ou outro (não sei o critério) é pego e mandado de volta.

Escuto os fogos. O Santa Cruz está em campo. Milhares de torcedores, como eu, saíram de casa e não conseguiram entrar no estádio do seu time após trinta minutos de fila.

18h38: “Parô!” “Parô!”, grita um PM, segurando a multidão. O Santa já está em campo há 8 minutos. O policial está num nível de estresse absoluto. Ninguém ali está preparado para conviver com multidão. Está preparado para bater em multidão.

18h42: Passa por mim um PM com um chicote grosso, de bater em cavalo. Passa ameaçando um torcedor. Eis uma metáfora de nossos tempos. Somos tratados como cavalos.

18h 52: Fico aguardando. Os torcedores são maltratados, humilhados. Há gritos, ameaças. Quem falar, ali, pode ser preso ou apanhar. Eu já fui preso porque perguntei a um PM quem era o “chefe da guarnição”.

18h56: Aos 26 minutos de jogo, a fila vai acabando, e resolvo entrar no Arruda.

Resolvo dar uma de “estrangeiro”. Um torcedor que veio de outro estado, e não sabe das regras. Vou chegando perto do pelotão que fica antes das roletas. Um PM não diz nada. Vou chegando e ele grita:

“A camisa!”

Pergunto o que é “a camisa”.

“Levanta a camisa!”

Levanto. Ele olha me deixa passar. Se eu tivesse uma arma, bebidas, drogas, entrava na boa. A seleção é pela cor da pele.

Uma moça vai passando, abraçada ao seu namorado. Estão felizes, rindo, vão ver seu time lutar para chegar às finais. São gente do povo. Perto já das arquibancadas, três policiais chegam, abordam a mulher e descobrem algo incrível – ela tem um cabelo aloirado, que cai pelo ombro esquerdo. Debaixo dos cabelos, na camisa, tem um minúsculo escudo da Inferno Coral.

Ela tem que sair do estádio. Fim da alegria, da noite que prometia ser de uma grande festa. Os dois saem, cabisbaixos.

É isso que vai reduzir a violência nos estádios de Pernambuco?

19h: Chego à arquibancada. Perdi meia hora de jogo. Um aperto do caralho. Olho para a torcida do visitante, do lado direito das arquibancadas. Há um espaço enorme reservado para os poucos torcedores do Central. Ficamos num aperto absurdo, como se o Arruda estivesse lotado.

19h10: Os PMs que estavam cerrando fileiras à entrada do portão 9 entram nas arquibancadas, empurrando todo mundo. Não existe o “com licença, senhor” de um servidor público no meio de uma multidão. Quem tiver juízo, que saia da frente. Eles sobrem um monte de degraus e descobrem que um sujeito tem um pequeno escudo da Inferno Coral, em sua camisa. É retirado como se fosse um criminoso.

Um deles diz: “Missão cumprida”.

Finalzinho do primeiro tempo: Gooooooooooooooooool do Santa. Pelo menos uma alegria, nesse mar de arrogância.

Intervalo do jogo: Olho de novo para o espaço do Arruda. Um grande vazio existe, entre as arquibancada do Arruda e as sociais. No mínimo, 20 PMs estão ali, fazendo absolutamente nada, já que a torcida visitante é mínima.

O segundo tempo é mais tranquilo. O time coral embala e faz a festa da torcida: 4 x 0.

Fim do jogo. Um portão enorme, que é o da saída das arquibancadas, claro, está fechado. Deve dar um trabalho imenso, abrir um portão para facilitar a saída de milhares de pessoas, em um evento esportivo. Qualquer confusão, ali, resultaria numa tragédia.

Saímos à Beira Canal.

Faltava a cereja do bolo: Três ônibus da PM de Pernambuco estão saindo na rua, exatamente na hora em que uma multidão esta saindo do estádio. Vamos nos espremendo, em meio aos veículos, que, claro, têm prioridade;

Ou seja: uma multidão tem que se espremer entre veículos da corporação – que não deveriam estar ali.

Dez minutos antes do fim da partida ou meia hora depois, seria uma grande contribuição para nós, torcedores.

Se fala muito em “violência nos estádios”.

Não há violência maior do que ser maltratado pela inoperância de uma polícia incapaz de facilitar o acesso a 24,814 torcedores.

Temos, aqui em Pernambuco, uma Polícia que age contra um time de multidões.

Mas vocês acham que o comandante da Tropa de Choque vai ler as minhas inúteis anotações?