De volta para o futuro.

Torcida morgada, Blog do Santinha morgado, uma tristeza geral. O espectro da morgação baixou no espírito do tricolor coral do Arruda. De certa forma, o primeiro empate contra o Do Recife acendeu uma esperança na torcida. Conhecidos que são naturalmente pessimistas, amargurados e resmungões estavam acreditando na vitória. Eu, quase sempre otimista, não acreditava. E os 3 a zero revelaram a desordem de nosso Santinha. A ruindade da zaga – entregando de bandeja dois gols – revelou que algo estava muito errado.
No Pernambucano, fizemos 10 jogos. Empatamos 7 vezes, perdemos apenas uma e ganhamos só duas. Ficamos em sexto com 10 pontos. O time foi de uma irregularidade ímpar. Difícil imaginar uma escalação contínua, uma identidade futebolística. Daí a tristeza e morgação que assolou o espírito de qualquer torcedor minimamente racional.
Nossa retrospectiva, entretanto, não foi das piores. Isso indica que o nível do campeonato, em si, caiu bastante. A piada que rola por aí – comparando o Do Recife com o salário mínimo – é que com o mínimo você ganha, ganha e não compra nada; o Do Recife compra, compra e não ganha nada. Da minha parte, torcendo para que a final desse PE seja interiorana (Aí surge outra piada: agora só temos aves no páreo: patativa, carcará e frango).
Mas temos que esquecer o passado e pensar no futuro. Para mim, o mais relevante é essa tal de sericê. E vamos ter que conviver com dirigentes que insistem em não traduzir para seus torcedores a realidade de nosso clube. Pronto, voltamos à velha questão da transparência.
Defino transparência: em um Estado Democrático de Direito, a transparência está relacionada com a publicidade. Trata-se do administrador em manter os dados relevantes de seu comportamento– financeiros, contábeis, administrativos etc – perante seus investidores, sócios e sociedade em geral.
A transparência se dá tanto na esfera privada (basta ver os balanços publicados em jornais com o intuito de informar os stockholders) quanto na esfera pública (um bom exemplo é o portal da transparência do Governo Federal). O acesso à informação das empresas privadas e públicas – respeitando sigilos estratégicos, informações de proteção à concorrência, relações internas de governança etc – indicam que a empresa atua de maneira lisa, clara e honesta.
Ora, meus amigos, isso, desde Edinho ou antes, é algo que não ocorre em nosso Mais Querido. Estava nas sociais em um jogo da séribê quando discutia com Big sobre um balanço lançado pela então gestão de Alírio:
“Um absurdo contábil, ele disse. Tudo mal feito. Como o sócio torcedor pode confiar numa gestão em que os dados mínimos são escamoteados?”.
Esse é um dos pontos cruciais dessa discussão: o sócio torcedor que contribui mensalmente com o clube. É preciso que esse mesmo sócio torcedor exija um portal da transparência em seu clube – e em todas as esferas.
A séricê se aproxima. A tempestade também. Voluntarismo, bom mocismo, amor ao clube podem ser coisas louváveis, mas em um universo extremamente competitivo, o que vale mesmo é profissionalismo.
Espero que Marty McFly não volte do futuro nos dizendo que o passado se repetiu e fomos parar na famigerada séridê. Sem capitão, o barco fica a deriva e afunda. Afunda feio.

Ofuscaram o brilho do jogo

Faz tempo que encerrei a minha carreira de ir para casa dos adversários.

Certa vez, fui para Caruaru. Era Santa Cruz e Central no Lacerdão, numa quarta-feira à noite. Pegamos um engarrafamento grande na saída do Recife e chegamos atrasados. Na correria para entrar e pela falta de sinalização que indicasse para onde devíamos ir, recorremos a um policial. Educadamente, mas sem preparo nenhum para dar a informação correta, o militar indicou um portão que dava justamente no meio da torcida do Central. Passamos um sufoco danado, quase brigamos, até que nos levaram para o lado onde estava a nossa torcida.

Em outra situação, dessa vez nos Aflitos, inventamos de comprar ingressos de cadeiras. Na bilheteria avisamos que queríamos ingressos para o local destinado a torcida do Santa Cruz. Era aquele jogo no qual Sandro Blum fez um gol contra. Chovia bastante naquela noite. Quando entramos, era tudo junto e misturado. Vimos o jogo no meio dos torcedores do Capibaribe. Tentamos ir para arquibancada, mas não foi possível. Não havia ninguém para resolver o problema. Assim que o jogo acabou, descemos rápido, mas não deixaram a gente ir embora. A justificativa foi: a torcida que sai primeiro é a do time adversário. Mostrei minha carteira de sócio do Santa Cruz. Falei que estava ali por ter comprado ingresso de cadeira. Argumentei. Pedi. Expliquei. Os senhores que faziam a segurança e o policial que estava perto não enxergavam um palmo além da ordem que haviam recebido e não nos deixaram sair.

Já levei carreira na Ilha. Já levei pedrada no Carneirão.

Ontem, assisti ao jogo pela TV. Ainda no primeiro tempo, vi dois belíssimos gols. Mas logo em seguida, logo depois do nosso golaço, acabaram com a festa. Para fazer valer as proibições impostas ao futebol moderno, a polícia desceu o sarrafo em um torcedor que acendeu um sinalizador. Uma atitude pra lá de exagerada e desnecessária por parte do policial. Tão exagerada que causou pânico nos três mil e poucos Tricolores-corais-santacruzenses-das-bandas do Arruda que estavam espremidos numa pequena área destinada a massa Coral.

Não houve briga, muito menos confusão. Houve tumulto. E, na agonia de sair de perto do local do rolo, as pessoas foram tropeçando e caindo umas por cima das outras, como se fossem um dominó. Correria, gente se arranhando, se quebrando, passando mal. Pedidos de ajuda e socorro. Desespero e pressa de querer entrar no campo para chamar aqueles que estão escalados com a função prestar atendimento médico. Afinal de contas, o pessoal da área de saúde fica no gramado.

Do lado da polícia, um despreparo fora do comum por parte de alguns policiais. A incapacidade de observar que não havia briga, de ver que eram pessoas pedindo socorro. Ao invés de ajudarem, jogaram combustível no desespero da torcida. Ou melhor, jogaram spray de pimenta na cara das pessoas. Uma atitude irresponsável e burra. Ao invés encontrar uma maneira de prestar socorro, aumentaram a quantidade de gente precisando de ajuda e a revolta dos que tentavam conseguir socorro para o próximo.

Somente depois de um certo tempo, abriram passagem para as pessoas serem atendidas. Foram mais de 50 estendidas no gramado que fica atrás da barra. Pela tela da televisão eu via sangue, roupas rasgadas e uma cena que não me sai da minha cabeça: um cara tendo convulsões. Daí para frente, o jogo havia acabado pra mim e pra muitos que conheço. Menos para a TV Globo e para Federação Pernambucana de Futebol. Mesmo com vários corpos espalhados atrás da barra, mesmo com ambulâncias entrando e saindo pelas laterais do gramado, e transitando na frente dos bancos de reserva, a bola continuou rolando. Eu só imaginava uma bolada em quem já estava lascado.

Nas peladas do meu tempo de menino, éramos bem mais cuidadosos do que a FPF. Naquela época, quando a gente jogava bola na rua, se passasse alguém, o jogo era interrompido. “Parou, parou!” – alguém avisava.

Ontem, por causa de uma Lei que proíbe se acender um inofensivo sinalizador, vimos estampadas toda a incompetência, irresponsabilidade e insensibilidade que está encruada na cabeça daqueles que organizam nosso sofrido futebol.

E vimos tirarem o brilho desse esporte que tanto nos encanta, que tanto nos apaixona.

Aquele passe de Héricles e o gol de Fabinho Alves, e também o gol do adversário, merecem todos os aplausos, gritos, fogos e sinalizadores do mundo. Merecem bandeiras tremulando, papéis picados e serpentinas jogadas no gramado. Merecem a alegria, o êxtase e a euforia que fazem do futebol o jogo mais espetacular do Universo.

Não! Não merecem a incapacidade, negligência e a crueldade de ontem.

Sobre Transparência e transparências

TEXTO DE INÁCIO FRANÇA

*Este texto foi escrito por Inácio França

Alguém aí sabe dizer quem começou a cobrar transparência no Santa Cruz? Quem tem menos de 30 não vai saber, daí vou dar uma pista: o pai de Mendoncinha nem tinha sido presidente ainda.

É preciso voltar ao final dos anos 90. Essa palavra começou a ser usada em um histórico e esquecido encontro no auditório do Sindicato dos Jornalistas puxado por Fernando Veloso, o atual vice Tonico Araújo e um monte de gente, incluindo este que vos fala. Para nossa surpresa, o auditório lotou. Lotou mesmo, sem exagero, ficou gente do lado de fora.

Certamente, numa época pré-redes sociais, foi a primeira vez que um monte de gente se encontrou e se viu pela primeira vez tentando interferir na vida do clube. Acho que o presidente na época era Edelson Barbosa, largado à frente do clube como aquele menino do filme atravessando o oceano com um tigre no bote e uma tuia de tubarões querendo almoçar os dois.

Conheci um bocado de tricolor nessa noite, Gerrá inclusive.

Cadoca apareceu. Quiseram lançar ele pra presidente, mas o bicho correu na hora, tá correndo até hoje. Quem topou foi Jonas, o empresário-pastor (sei que hoje é mais comum pastor-empresário, mas na época ainda não era), nome lançado como desdobramento daquela mobilização confusa, sem direção, sem amarração.

O importante era não deixar que os tubarões subissem no bote. O menino Edelson deu um pulo assim que chegou na praia, mas Jonas entrou antes que o tigrão saísse, aí ficou com ele fuçando suas oiças no meio do mar.

Depois de Jonas, um grupo menor de oposição, com vários empresários convenceu Mendonção a ser presidente. O sujeito era brabo, pai de vice-governador, podia arrumar dinheiro, patrocinador forte, essas ilusões que renovam a esperança de tudo quanto é tricolor há gerações. O problema é que Mendonção era político, queria agradar gregos, troianos, romanos, celtas, vikings, persas, chineses, americanos e o escambau. Seu bote ficou cheio de tubarões.

E os tubarões, como todos sabem não gostam de água transparente. Preferem atacar quando as coisas estão turvas. Meio mundo de gente se jogou na água, Mendonção também.

Foi aí que o Blog do Santinha surgiu trompeteando transparência, democracia, que o clube era da torcida e não de alguns, denunciando que a diretoria de então se comportava como uma milícia armada. A gente falava e acontecia. A seção de comentários do blog foi, com certeza absoluta, a segunda comunidade de rede social de santa-cruzenses, quando isso nem existia. A primeira foi o Fórum da Coralnet.

O tempo passou, muita coisa mudou. Mas o Santa Cruz continua no fio da navalha: um milímetro pra um lado, é a glória; um pé pro outro lado, fracasso, dor e agonia.

Nos últimos três anos encarei o desafio de mergulhar numa gestão que prometia transparência. Juro que o possível foi feito. Ou ao menos tentou se fazer. Alguns gestos foram esboçados, mas havia muita vontade e poucos para realizá-la. Hoje, do lado de fora, sei que os acertos só acontecem depois que se tenta, experimenta e erra.

Por isso, no grupo em que participo com Gerrá, fui eu a perguntar: “Antes é preciso definir o que é transparência”. Eu mesmo não sei exatamente o que é isso. Ontem, fiquei sabendo que existem uns parâmetros internacionais que definem o que é transparência institucional. E não tem nada a ver com aquilo que a Comunicação do clube tentou fazer sob meu comando: publicar detalhes de renda, público a cada jogo. Isso é voluntarismo, boa vontade, amostramento ou dar satisfação. Antes de ser publicado, qualquer valor precisa passar pela contabilidade, ser conferido pela federação e passar por outros procedimentos da área financeira e contábil que eu nem sei o nome.

O cara chamado Fábio Araújo, tricolor da Controladoria Geral da União, tá botando ordem na casa e está aprontando um site exclusivo só pra isso.

A galera que tá cobrando transparência de Tininho está certa em cobrar, mas é bom pensar um pouco enquanto cobra.

Costumo dizer que, depois que os tubarões rasgaram a carne e comeram os ossos do Santa, todos os dirigentes que vieram depois – e ainda virão – carregam o estigma daqueles tempos. São tratados como ladrões por definição, sem margem para dúvidas. E como amadores por natureza.

Se é preciso cobrar, é fundamental separar as coisas, principalmente para que a cobrança não soe desmedida ou mero histerismo: não há como comparar o passado em que capangas batiam em sócios nas dependências do clube dos tempos atuais, em que gente que nunca tinha se arriscado a colaborar está dentro do Arruda. Tem um especialista em tecnologia de informação no departamento de Futebol, tem procurador da Fazenda Nacional arrecadando recursos com projetos de lei de incentivo, tem técnico do TCU sistematizando projetos e ideias. Gente que sequer conhecia o presidente.

Não, não são os mesmos de sempre. São pessoas como qualquer um de nós, parecidas com aqueles que estão cobrando, mas não perceberam que podem estar no clube em breve e correm o risco de serem cobrados além da justa medida.

Também é preciso saber o que fazer e saber o que cobrar. E, sejamos sinceros, só transparência não vai alavancar o Santa Cruz aos “píncaros da glória”. É preciso cobrar do clube todo.

O Conselho Deliberativo tem umas poltronas bonitas no auditório, mas nunca teve um reles regimento. Isso mesmo: 104 anos depois o Conselho não tem regras internas de funcionamento, não se sabe quantas vezes precisa se reunir, como precisa se dar o processo de definição de uma pauta etc. Isso sem falar no Estatuto, um documento maluco que separa o clube em três partes desiguais, cada qual pro seu lado, mas que torna obrigatórios sirene e fogos de artifício três vezes ao dia no 3 de fevereiro. Pense numa besteira.

É preciso cobrar o mínimo de democracia: que todas as categorias de sócio possam votar, que cada chapa tenha representação proporcional no Conselho. Isso seria dar um passo fantástico, mas também não resolverá os problemas do Santa Cruz.

Para isso, todo mundo que está exigindo transparência agora e vai exigir outras coisas depois, precisa se juntar a quem é cobrado para enterrar de uma vez por todas a escrotice das cotas de transmissão de TV. Ou para exigir que os putos das emissoras engulam esse horário das 22h que tanto afasta o torcedor do estádio. Ou acabar de uma vez com as federações e lutar por uma liga de clubes.

Sim, não é por falta de transparência que o torcedor sumiu. Se fosse assim, ninguém lotava estádios na Europa, terra onde o Barcelona já foi acusado de lavar dinheiro do narcotráfico. O que falta é dinheiro no bolso do povo, tranquilidade para a mulherada ir no banheiro dos estádios, ônibus para voltar para casa, bandeira e música na arquibancada, segurança para andar nas ruas do seu bairro à noite depois de descer do ônibus.