O cara da xerox

Toda vez que encontro com Ivonaldo, o cara da xerox,sou puxado para uma conversa. Na maioria das vezes, ele fala por nós dois.

Gente boa, ele é da turma que era frequentadora assídua do Todos com a Nota. Sempre que posso, dou um ingresso a ele.

No nosso papo é sempre música, política e futebol. Futebol não, o Santa Cruz, é claro. Tem uma frase dele que guardo comigo:

“A torcida só incentiva o time, se ele incentivar ela”.

Esbarrei com Ivonaldo no corredor do segundo andar. O cabra estava  com uma raridade nas mãos: o LP “Beijoqueiro do Amor”, de Paulo Márcio.

Me mostrou o disco, perguntou se eu conhecia.  E cantarolou:

“Oh, oh, sou beijoqueiro do amor/ Oh, oh, eu beijo mais que um beija-flor”

— Esse é fera – ele disse.

Eu concordei.

Começamos a falar do Santa Cruz. A decepção, a esperança, nossas chances, etc e tal.

— Sabe a Ponte Preta? O Centro de Treinamento deles só tem dois campos oficiais! – ele falou.

Confessei que não sabia.

— A Chapecoense tem CT! – afirmou Ivonaldo.

Perguntei se ele tava fazendo alguma monografia sobre centros de treinamento. Ele riu.

Pegamos o elevador. No andar de baixo, entrou uma coisa linda. Ivonaldo se calou um pouco.

Quando chegou ao térreo, o cara da xerox pegou no meu braço e mandou:

— Vou lhe dizer uma coisa. Pra fazer gol, só tem o Grafite. Ele já é nego véio. A turma achava que Negão ía tá iluminado do começo ao fim do campeonato. Inxiste isso?

E continuou a falação:

— A torcida?  Tem culpa, não. E é a gente que contrata, é? Quem contrata é o diretor e o treinador.

— Trouxeram cada desgraça pior do que a outra. Aquele Roberto, o tal do Bolañus, esse Marion… são ruim que dói.

— E Lelê? E o General? E Allan Vieira? Essas pestes é tudo jogador de seribê.

— E aquele Marcinho? O cabra veio somente pra fazer regime.

— A turma pensa que Seriá é Seribê. É não. É diferente. E né por nada não, esse time aí, se tivesse na seribê tava dando raiva. Olhe, sei não…

Concordei com tudo. Me despedi e perguntei se ele já havia jogado a toalha.

— Não. Oxente, só jogo a tolha quando a matemática provar que não dá mais pra gente se livrar.

E concluiu:

— Sim, essa Sulamericana tem nada a ver com seriá. E eles tem um medo arretado da gente.

Tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu.

Assistir a uma partida de futebol sozinho em frente à TV é uma coisa esquisita. Explicar-me-ei. Passei o sábado tomando todas com alguns amigos. Fui dormir pra lá de bêbado. Assim, no domingo, acordei assustado, sem entender o que estava acontecendo. Olhei no relógio: 10 e 50.
“Eita porra, o jogo do Santinha!”.
Dei um salto da cama, tomei um banho voando e liguei a TV no início da partida. Não tive tempo de falar com ninguém e quem tentou se comunicar comigo deve ter percebido que meu celular estava descarregado ou que eu tinha morrido – até parecia que eu sabia que iria protagonizar naquele dia a célebre afirmação de Chico Buarque:
“Tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu”.
O estranho de assistir ao jogo sozinho é que o cara fica discutindo consigo mesmo, berrando para ouvidos imaginários, querendo que a bola entre num passe de mágica na meta do adversário. Até parece que a TV vai ouvir seus apelos e o gol redentor vai sair. Que nada. Cambada de surdos.
E o pior: eu estava de ressaca, sem cerveja, nervoso e sem esperança algum de beber até o fim do jogo. Por isso estou escrevendo estas linhas ainda sóbrio. Incrível.
Mas, novamente, não é que o Santa Cruz jogou bem no primeiro tempo. O que me surpreendeu foi o acerto tático da zaga.
“Isso é inacreditável”, disse para mim mesmo.
E se não fosse aquele travessão filho da puta, o negócio teria sido bem diferente. Mas o segundo tempo… ah, o segundo tempo, meus amigos. Dois gols em dez minutos. Apagão geral, erros infantis e a desesperança tomando conta.
O jogo acabou e liguei para alguns amigos:
“Vamos tomar uma que o dia hoje não começou bem”.
Vou sair agora para me embriagar, porque o mundo ficou muito pesado. Mas sou tricolor de corpo e alma e só jogo a toalha no final do final. Cara insistente da porra. Pois é, meus amigos. Pois é.
Liguei para Gerrá para saber se ele iria escrever sobre esta partida.
“Rapaz, estou pensando em escrever sobre uma receita de bolo”.
Mais um com o espírito de Chico Buarque na alma.
Torcer para que a Sul-americana nos permita mudar o lado do disco e que a música seja outra:
“A minha gente sofrida
Despediu-se da dor
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor”.

A loucura nossa de cada dia.

De técnico e louco, todo torcedor pernambucano tem um pouco. Antes de lecionar em faculdades, eu era professor de idiomas numa escola na Conde da Boa Vista. Lá tinha um professor de francês que era mais doido do que Lisca e Milton Mendes juntos. Ronaldo – ou Ronaldô para os amigos e alunos – era um doente burro negro. Ele se fantasiava da cabeça aos pés: gorro do time, camisa oficial, calça jeans com o escudo bordado no bolso, pochete do time (pois é, o cara usava pochete), pulseira e colar coloridos e sapatos combinando.
Ronaldô, diante de um jogo da coisa que seria numa quarta-feira (dia de aula), disse ao dono da escola que estava muito doente. No intervalo da aula à noite, sai de minha sala e fui para uma salinha com TV na recepção da escola. Outros professores e o dono estavam lá. A TV, sintonizada na Globo, transmitia o jogo da leoa. E não é que a porra do cinegrafista deu um close em Ronaldô: saudável que nem atleta olímpico, sorridente, segurando um copo de cerveja e gritando o nome de seu time.
“Puta que pariu… Ronaldô”, disse um professor.
“Esse filho da puta me disse que estava doente”, replicou o dono da escola.
Todos caíram na gargalhada. Que bicho escroto e azarado, meu amigo. Mas o dono sabia que ele era doidinho e decidiu perdoar o maluco. Ronaldô fingia que era policial civil, cidadão italiano, proprietário de imóveis, treinador de times de base, o escambau. Um doido de pedra.
Faz tempo que não o vejo. Mas se o visse hoje, tiraria onda com sua cara.
“A leoa fez feio ontem, Ronaldô. Levou pressão do Santinha. Esse teu timeco é muito fraco”.
Ele ficaria puto, me xingaria e me mandaria para o quinto dos infernos. Minha greia só não seria maior porque o Santinha insiste em manter essa ruindade no ataque. Haja paciência para tanta incompetência na finalização. E que jogo morno do cacete, mesmo com o Santinha se impondo em campo e mostrando domínio na partida.
Wallyson entrou para tentar mudar o jejum de Grafite. Mas com essa incapacidade de conectar com velocidade e acerto o meio de campo com o ataque, está ficando muito difícil. Não adianta mais xingar Tininho, MM, o passado, a Diretoria, o presidente, a torcida. O que foi feito de merda, já foi feito. Temos que trabalhar com essa dura realidade. Domingo temos mais uma parada dura e indigesta pela frente. Torcer para que o nosso ataque possa voltar a marcar.
“Grafite, meu filho, cadê você?”.
Domingo estarei provavelmente com Samarone tomando uma cerveja em frente de alguma TV num boteco perdido do Recife. E, como sempre, sendo doido e técnico ao mesmo tempo. Ronaldô, o louco mor, que o diga.

Um final de semana quase perfeito.

O que irrita é esse quase. A seleção brasileira ganhou o tão desejado ouro olímpico. Do Recife (a leoa) e Capibaribe (a Barbie) perderam. O vôlei deu show e faturou o ouro também. Só faltava o Santinha ganhar do Fluminense para o final de semana ser perfeito. Não foi.
Fui ao Arruda com Samarone. Havia uma esperança no ar de que Doriva iria dar ânimo novo ao time e de que Pisano fizesse uma boa partida. Acredito que isso realmente ocorreu. Até levar aquele gol ridículo com uma falha crassa de nosso goleiro, o Santa Cruz estava dando pressão no tricolor carioca.
O problema é que Grafite está ausente dentro de campo há muito tempo. Deu até uma de zagueiro nesta partida. Keno correu muito, foi valente, mas não chutou uma dentro. Pisano jogou bem, dominando a bola, armando e construindo jogadas. João Paulo fez o possível, mas faltou conexão entre o meio de campo e o ataque. Os cariocas se armaram para defender e levar os três pontos de todo jeito.
Enquanto eu e Samarone tomávamos umas cervas e escutávamos o jogo no rádio acompanhando a partida, o tempo ia passando e o desespero ia crescendo. Não conseguimos chegar à meta adversária. Para piorar a situação, esqueceram de dizer a Doriva para nem pensar em colocar Lelê em campo. O que é isso, companheiro?
O esquema de Doriva, começando com um 4-2-3-1 se mostrou válido. O que mais me irritou – e a muitos torcedores – foi nossa incompetência em marcar um gol. Cá entre nós, esse time do Fluminense é fraco. E, mesmo assim, está entre os dez.
Mas nosso Santinha insiste em mostrar suas fraquezas. A demora em se livrar do doido do MM vai nos custar caro. Além, é claro, das más contratações. A situação, meus amigos, está ficando complicada.
A probabilidade de sermos rebaixados chegou aos 71%. Temos que fazer 45 pontos para chegarmos, segundo o matemático Oswald de Souza, aos 40% de chance de rebaixamento ao fim da 38ª rodada. 48 pontos para se livrar 100% da Série B. É de lascar.
48 – 19= 29. 29 pontos nas 17 rodadas que faltam. Dureza, meus amigos. Podem fazer os cálculos.
Depois do jogo, fomos tomar a saideira no Sukito. Sama estava cabisbaixo, sombrio e introspectivo. Não tinha como ser diferente. Desistimos? Nem a pau. Temos a pedreira do Cruzeiro domingo que vem e vamos torcer por uma vitória do nosso Santinha.
Mas não dá mais para ficar no quase. Nossos finais de semana devem ser perfeitos. Ainda tem muito estoque de cerveja e garra para essa Série A. Acreditando até o final.
No Arruda ou na frente da TV, sempre. Sou tricolor de coração, sou da torcida mais apaixonada e desse time ninguém me afasta. Nunca te deixarei… onde estiveres, eu sempre estarei.

Um duelo de gigantes tricolores

Texto de Zeca, o filósofo da Boa Vista

Desde os cinco anos de idade que vou aos jogos do Santa Cruz no Arruda. Meu parceiro constante era meu pai. O ritual era sempre o mesmo: espetinho e cachorro-quente na entrada do estádio, choppinho no campo (aquela velha garrafinha gordinha) e a espera pela sirene da vitória ao final do jogo.

Infelizmente, em 2014, um câncer devastador levou meu parceiro. Foi ele quem me ensinou a amar o Santinha e o Arruda – a mística que envolve esse lugar, sua torcida magnífica e as cores que tanto amamos: vermelho, preto e branco.

No próximo domingo teremos um duelo de tricolores no Arruda. Estarei lá sem meu parceiro. Numa retrospectiva histórica, os cariocas levam a melhor com mais vitórias. Mas futebol, como disse certa vez o comentarista Benjamim Wright, é uma caixinha de surpresas.

Minha memória seletiva só pensa nas nossas vitórias. Que se danem as derrotas. Tiago Costa já avisou que Doriva está dando uma injeção de autoestima no time. Vontade de vencer e atitude mental de guerreiro serão decisivas neste confronto. A vitória virá com suor e determinação, garra e incentivo da torcida.

Temos e vamos ganhar neste domingo: com ou sem dedo no fiofó do adversário, salário atrasado ou não, esquema novo, Doriva no comando, Pisano em campo,  acredito que a partir deste jogo decisivo iremos reverter a situação a nosso favor. Neste sentido, sou um torcedor otimista. Só desisto diante do inevitável. Até lá, acreditando e indo ao Arruda – ainda mais com ingressos por 20 reais.

No mundo real, estamos na 19ª colocação, míseros 19 pontos e uma probabilidade de 59,7% de rebaixamento. Mas torcer apaixonadamente é sair da esfera da estrita racionalidade e acreditar. E a torcida tricolor pernambucana é craque em levantar o time diante das adversidades.

Interessante que neste momento tão especial, o ex-presidente do Santa, João Caixeiro, lança o livro Santa Cruz de Corpo e Alma para ajudar na construção de nosso CT. Como a trilogia é cara pra cacete – 1000 reais – fico com a ideia animadora de amar o Santinha de corpo e alma. E é com esse espírito de pertencimento total ao Santa Cruz que estarei domingo no Arruda.

Tomarei umas cervas no estádio, espetinho e cachorro-quente, o calor da torcida e a beleza que vai ser ver o campo sendo invadido por dois times tricolores. Vai ser uma beleza só.

No final do jogo, quando tivermos mandado o Fluminense para a puta que pariu, vou me lembrar de meu pai, meu grande parceiro, e vou lhe dar um abraço imaginário, só alegria, dizendo apenas para ele:

“Tá vendo, velhão, juntamos mais essa vitória”.

E ele vai sorrir ouvindo a sirene imaginária tocando o som de mais uma conquista.

Eu gosto mesmo é do Santa Cruz

Não vejo a hora dessas olimpíadas acabarem. Pra mim já deu.

Vi algumas boas disputas. Mas confesso que não sou muito chegado a esta enxurrada de esportes de uma vez só. Na verdade, gosto de poucas modalidades esportivas.

Com apenas oito minutos de handebol, atestei para mim que não vejo graça naquele  esporte. Uns dribles que não tem beleza, gol que não acaba mais, um lá e cá que causa tédio. Enfim, uma chatice.

Por acaso, zapeei a TV e estava passando uma disputa por medalha de bronze no tênis de mesa. Era um japonês jogando contra um galego, cuja nacionalidade eu não me recordo. Pelo que vi, no tênis de mesa olímpico, parece que é proibido o cabra jogar com malícia. Se o atleta tiver a categoria para fazer um ponto numa casquinha, pede desculpa ao adversário. Me lembrei da minha adolescência. Teve uma época que praticamente todos os dias, a gente jogava ping-pong. Eu estudava de manhã, fazia as tarefas depois do almoço, no final da tarde batia uma peladinha na rua e, depois de jantar, a gente jogava ping-pong no terraço da casa de Mazinho, filho de Seu Itamar! No nosso ping-pong o golaço era a casquinha.

Esperando a decisão do boxe, assisti à uma disputa de levantamento de peso. É cada careta invocada que os caras fazem para levantar aquelas barras com não sei quantos quilos. Eu não teria a menor condição de ser torcedor de um troço desse. Quando o cabra não conseguisse levantar o peso, chamaria ele de fraco, mole, filho disso, filho daquilo.

Não me animo para ver nenhum tipo de ginástica. Não sei a razão, mas fico torcendo para ver algum atleta levando um baque. Daí, em respeito aos ginastas, prefiro não assistir.

A depender do jogo, o vôlei e o basquete me fazem ligar a televisão, abrir uma cerveja e ficar curtindo a partida. A bronca é que se começar a perder, eu fico logo invocado e desligo a TV. A não ser que seja vôlei de praia feminino. Pode estar ganhando ou perdendo. Pode ser do Brasil ou outra nacionalidade. O voleibol de praia feminino, eu vejo até o final.

Outro esporte legal é o polo-aquático.

Não entendo absolutamente nada de judô. Muito menos de esgrima.

O futebol feminino não me encanta. Acho apenas bonzinho. Mas, pra mim, Formiga era titular absoluta na nossa cabeça de área, Fabiana na lateral direita e Marta no meio-campo.

Enfim….  depois de ver algumas coisas das olimpíadas, eu tenho plena certeza que gosto mesmo é de futebol. Melhor ainda, se for do Santa Cruz. E de preferência, no mundão do Arruda.

Jogo, salário, suor, lágrimas e esperança

Texto de Zeca, o filósofo-metaleiro da Boa Vista

O torcedor entra em campo no meio da partida. Seu semblante é de desespero. Ele corre em direção ao artilheiro Rob Gol. Ajoelha-se diante de seu ídolo, chora e diz:

“Porra, Rob Gol. Não podemos cair, meu amigo. Temos que fazer alguma coisa!”.

Ainda me lembro como se fosse hoje dessa cena tão triste. E, pior, fiquei pensando nos jogadores que participaram, em diversos anos, da queda assombrosa em direção à Série D: Jorge Henrique, Carlinhos Bala, Kuki, Carlinhos Paraíba, Rosembrick e Sandro.

O boato que sempre rondou esses rebaixamentos era que os salários estavam atrasados. Lembro-me como se fosse hoje de meu pai esbravejando para todos os lados:

“Ora porra, mas como um time vai jogar decentemente se não pagam os salários dos jogadores? Jogador não é torcedor, não!”.

Recentemente, ouvi o mesmo boato de alguns conhecidos que trabalham dentro do Santa Cruz. Meu amigo Samarone não comenta o caso – princípio ético, é claro. Mas desde o início da queda do rendimento de nosso time querido na Série A que fiquei com essa impressão.

Será que é verdade que só quem recebe em dia é Grafite? Será que os salários estão realmente dois meses atrasados? Será que a imprensa não sabe ou faz vista grossa para  o caso? A cota da TV será a nossa salvação? Muitas questões e poucas respostas.

Neste domingo, o Santinha até que conseguiu se safar de um resultado ruim. Vencer o Vitória lá dentro não é tarefa fácil. E o empate foi um bom resultado. Estamos rezando a todos os deuses que Doriva faça um trabalho de recuperação deste time.

Mas é inegável que ninguém joga bola com salário atrasado. Meu pai estava muito certo. Jogador é um profissional. Como qualquer profissional, ele precisa receber para executar bem sua tarefa. Imagina se a moda pega: o profissional tem que dar o sangue, mesmo sem receber. Assim não dá.

Espero que a situação seja estabilizada e que possamos voltar a mostrar aquele futebol contra o Cruzeiro no primeiro jogo, contra o Inter e o Grêmio.

De outra forma, meus amigos, iremos entrar em campo no meio da partida, o semblante desesperado e iremos nos ajoelhar diante de Grafite dizendo:

“Puta merda, meu velho. Vamos realmente voltar para a Série B?”.

Espero que a resposta seja um sonoro NÃO!

Adeus Milton

Graças a Deus ele se foi.

Olhe, já vi muita gente doida nesse mundo de meu Deus, mas essa peste desse Milton Mendes era foda e graças a Deus se foi. Cheguei a conclusão que sou preconceituoso e assumo.

A primeira vez que percebi isso foi quando fui ver um Negão bluseiro americano no Marco Zero, anos atrás. Pense num som ducarai. Ai ele pára o show e convida uma mulher para cantar. Foi meia hora de elogios a ela. Imaginei aquelas bluseiras fuderosas. Mas quem me vem?  Uma brasileira magrinha, mais branca que leite, com cara de pagodeira ou cantora de Axé. Fiquei puto e ia sair até a mulher pegar o microfone e soltar a voz. Puta Que Pariu que voz. Percebi ai meu preconceito de cor.

A segunda vez foi quando o Santa anunciou Milton Mendes pro time do Povo. Puta Que Pariu De Novo! Um técnico de paletó no gramado? No time do povo? Não poderia dar certo nunca.

Tenho preconceito sim com quem usa paletó no gramado. Pronto falei. E foda-se também quem gosta do futebol certinho da Europa. Quem gostar vá pra lá.

Futebol é garra, sangue e suor. É a possibilidade do imponderável. Por favor, direção do santinha, quero um Técnico que saiba que meia joga na meia, que time não joga sem zagueiro, que lugar de goleiro é no gol.” – Odilon Lima.

“Como um passageiro clandestino em uma nau sem timoneiro. Era assim que eu vinha me sentindo desde aquele fatídico jogo contra a macaca, quando perdemos, em casa, por 0 x 3 e terminamos com cinco atacantes e sem nenhum zagueiro em campo.

Hoje, com a saída de Milton Mendes, a sensação que tenho é a de que a tripulação, finalmente, percebeu que não tinha ninguém no leme e o barco estava à deriva. Acordou. Eu, clandestino, escondido, suspiro aliviado. Ao menos, agora alguém vai assumir a direção.

O próximo timoneiro nem precisa ser formado em navegação nas terras do além mar. Basta que segure o leme com firmeza e nos conduza à margem com segurança.” – Alexandre Amorim de Vitória da Conquista.

Eu acho que a ingratidão no futebol não vai acabar nunca. E esse cultura de se demitir técnico, ainda vai demorar muito a deixar de ser um costume aqui no Brasil.

Milton Mendes nos deu dois títulos que ninguém esperava. Um deles inédito. Depois, entregaram a ele um elenco fraco, onde ele tirou leite de pedra.

Acho que a diretoria não teve força para suportar a pressão da torcida e demitiu injustamente o nosso treinador. E agora, trazer quem?

Discordo totalmente com a saída de Milton. O certo era ele ter ficado e o clube dar condições a ele de executar seu trabalho.

Outra vez, estaremos entregues a sorte.”  – Tarcísio Matias

“Grande Milton, agora só nos resta dizer MUITO OBRIGADO! Seu nome está escrito em nosso centenário clube, e somos gratos! Torcemos para que o clube cresça, você também, as portas do Arruda, estão sim, abertas.
Infelizmente, você vai embora sem ter conhecido a torcida do Santa Cruz (apesar de ter merecido) em sua forma original, pois a mesma sumiu.

Porém, quem sabe um dia?!

Estamos com dificuldade, mas hoje somos novamente O Terror do Nordeste, então novamente, muito obrigado!” – Movimento Popular  Coral

Eu fosse a diretoria, dava uma de doido

Fui criado convivendo com doidos. Doidos de grau 1, grau 2, grau 3, grau 4 e por aí vai.

Um deles, adorava futebol e venerava a polícia. Torcia pela cachorra de peruca, gostava do Santa Cruz  e odiava a barbie. Vez por outra chegava lá em casa pra tomar sopa ou comer cuscuz. Ele pensava que era policial. Vestia um paletó surrado e tirava onda de Delegado de Polícia. Era raparigueiro e frequentava igreja protestante. Pense numa lapa de doido.

Outro que lembro, era de uma família tricolor. Esse nem falar direito, falava. Magro, feio pra caramba, tinha na mente que era guarda de transito. Quando a gente largava do colégio e voltava para casa, ele tava na faixa de pedestre esperando o sinal fechar. Ficava no meio da rua, dava uns apitos e abria os braços. Aos domingos, o louco estava na missa.

No segundo grau, tinha um na minha sala que andava com um punhal na bolsa. O bicho falava gesticulando e dando banho de cuspe em quem estivesse por perto. O cara era gente fina, mas não tinha um pingo de juízo. Apesar de ter o físico de um esqueleto, ele tinha certeza que era halterofilista. Vivia dizendo que treinava numa academia. Botamos o apelido dele de João Halteres.

Um primo meu, doido de jogar pedra, teve que fugir para São Paulo. Entrou escondido na casa da namorada e foi pego dentro de guarda-roupas, pelo pai da garota. Saiu nas carreiras. Foi jurado de morte.

Lá no interior, o apelido dele era Assessor. Meu primo só vivia colado nos políticos. E ele incorporava a função. Era comum sai pelas cidades dos arredores, chegar nas festas e dizer que era Assessor de Dr. Fulano de Tal.

Havia também Túlio. Tulio Maravilha. Esse era figura. Quem não conhecia ele, jurava e apostava que o bicho era jogador de futebol. De trancelim no pescoço e porte físico atlético, Túlio tinha todo o gingado de jogador de futebol. O andar, o gosto musical e a raparigagem. Só era meio surdo e falava de forma estranha.

Certa vez, levei Túlio pra uma pelada. Avisei pra ele que não garantia que tivesse vaga, afinal Túlio era pior do que o lateral-direito Mário Sérgio e bem mais ruim do que o lateral-esquerdo Roberto. Mas ele não se intimidou. Chegou lá, foi logo botando o material. Caneleira, meião e chuteira de marca. Não percebi e a turma tirou o time escalando Túlio Maravilha na primeira pelada. A gréia foi grande e teve gente que ficou invocada comigo, achando que eu tinha feito sacanagem.

Toda vez que olho pra Milton Meme, me lembro dos vários doidos que conheci. Principalmente daqueles que acreditavam piamente que dominavam uma profissão. Milton Meme é assim. Ele tem certeza que é treinador de futebol e que entende do riscado. Fez cursos, dirigiu algumas equipes e botou na cabeça que é técnico. Dificilmente vai reconhecer o fracasso e entregar o cargo.

Eu fosse a diretoria, não esperava a sorte chegar na próxima rodada. Eu dava uma de doido e mandava esse técnico aluado pra puta que o pariu.

A menina, o pai e o Santa Cruz

A menina entrou em casa ansiosa para assistir uma dessas séries feitas para alienar pré-adolescentes. O pai assistia ao jogo do Brasil.

— Aff, – ela reclamou – todas as televisões estão ligadas nesse jogo!

— Oxente, minha filha, você não gosta de futebol?

— Gosto de jogar futebol e de ver jogo do Santa Cruz.

— Vá lá pro quarto, então!

— Já fui. Mas mamãe tá lá, vendo esse jogo! – falou e fez cara de abusada.

Ficou ali, ao lado do pai. A cada jogada errada, a garota debochava. O pai adorava as cornetadas da menina. Lá pras tantas, Neymar erra um chute, chuta o chão e cai.

— Ah, que lindo! – ela rir sarcasticamente.

— Tu não gosta de Neymar? – ele pergunta.

— Eu não! Todo metido e não faz nada. Gosto não!

— Putz, como o tempo passa rápido. Era uma pirralha. Hoje tá aqui, vendo o jogo comigo, falando de futebol, reclamando, cornetando como deve ser todo torcedor. E eu, que não tive filho menino, achava que não iria ter esse prazer. Caralho, isso é lindo! – ele pensou.

Hoje, por um acaso, eles assistiram ao jogo nas cadeiras, juntinhos, sem a companhia de ninguém conhecido. A mãe e a outra irmã, ficaram um pouco afastadas, na fila da frente. Hoje não tinha outros amiguinho para encher o saco pedindo brebotes, nem ninguém para puxar conversa.

Eram só os dois.

Ela, concentrada no jogo. Não pediu nem pipoca.

Ele, na angustia para sair da zona.

— Papai, essa bola foi tiro de meta?

— Foi!

— Como assim? O goleiro bateu de fora da pequena área…

— É. Foi não. Foi impedimento!

O jogo segue. O Santa Cruz é pior do que o time dos Trapalhões. Jadson perdido em campo, faz lembrar Bolaños. João Paulo quase entrega a rapadura. O São Paulo toma conta da partida e a torcida mais apaixonada do Brasil começa a ficar impaciente.

Do lado deles, um rapaz xinga Jadson.

— Realmente papai, esse 7 não está jogando nada.

— É minha filha. E parece que só o burro do treinador não está vendo.

E eis que o 7 dá um passe errado, o adversário rouba a bola, o São Paulo vai lá e a gente leva um gol.

Naquele instante, todos quiseram matar Jadson. Outros também quiseram degolar o treinador. O pai ligou sua metralhadora.

— Treinador filho da puta. Vai tomar no teu cu. Burro. Cego. Filho da puta!

— Papai, não tou te entendendo. Quem errou foi esse 7. O bicho é muito ruim, viu!

— Filha, desde o começo que o 7 vem fazendo merda ali. O treinador já era para ter tirado ele daquela posição e mandado Danilo Pires para aquele setor. Bastava inverter um com o outro.

— Quem é Danilo Pires?

— É aquele de chuteira cor de laranja. Vermelha. Sei lá. Aquele com a camisa 8.

— Ah, tá!

Acaba o primeiro tempo. Ela pede água. O pai toma um gole e arrota. Ela acredita no empate. Diz que o time vai melhorar e que não gostou de Grafite.

Começa o segundo tempo. Artur entrou. O Santa Cruz pressiona. O gol tá maduro. Mas, num contra-ataque, o time paulista faz o segundo. Uma ducha fria para os tricolores corais santacruzenses das bandas do Arruda.

É quando Milton Mendes chama o eterno Renatinho.

— Caralho! Renatinho?! – ele diz.

— Bota Caça-Rato, Milton Doido! – ele grita.

— Renatinho? Minha nossa, eu nem lembrava mais que ele existia – a menina comenta.

— Papai, ele parece uma criança. Mas não é só pelo tamanho, mas pelo futebol ruim!

A peleja acaba. Grafite perdeu um penalti. Keno fez um belo gol. Encerramos o primeiro turno na zona.

Eles voltam para casa. São poucas palavras. Por uns minutos, o silêncio toma conta do carro. Chegam em casa.

— Filha, vai assistir ao jogo do Brasil?

— Eu?! – ela diz indignada.

— Vou nada. Vou é dormir. Se fosse o do Santa Cruz, até que eu assistia.

— Caralho! Isso é lindo! – ele pensou