Meu pai sempre me levava pra ver o Santa Cruz, desde que o jogo fosse no nosso campo e num dia de domingo.
Foi no Arruda que pela primeira vez ouvi um ser humano falar com tanta ênfase a palavra cu. Eu tinha uns seis anos de idade.
“Soca esse apito no olho do teu cu, juiz filho-da-puta”, berrou um moço que estava ao lado da gente. Um grito tão grande que me deu a impressão que todo o estádio ouviu.
Passei o restante do jogo observando mais o cara que gritou aqueles palavrões, do que os lances da partida. Durante vários dias, aquele cu que ouvi ficou ecoando no meu juízo. Acho que pelo fato de, apesar de filho-da-puta ser um palavrão com mais sonoridade rítmica, cu é ser mais significativo.
Dali pra frente, todas as vezes que eu ía ao jogo do Santa, ficava ligado nessa coisa de cu.
Se não existisse essa palavra monossilábica, o trabalho das ambulâncias e dos bombeiros seria dobrado. Não fosse o diafragma expelir com tanto vigor os cus pelo estádio, muita gente passaria mal e até morreria.
Certa vez, um senhor gordão, por pouco não teve um ataque dos nervos perto da gente. Era um jogo a noite. Eu tinha uns doze anos. O gordão tinha um bigode e segurava um guarda-chuva. A gente dominava a partida, mas não fazia gol. A cada chance perdida, o gordo falava um palavrão: “puta-que-pariu! Vai te fuder! Porra! Caralho!” E, obviamente, vai- tomar-no-cu! Em um dos lances perdidos, o atacante entra na área. Ele, o goleiro e a barra. Um gol feito. Mas o chute sai torto e a bola vai pra fora.
“Vai-tomar-no-cu. Vai-tomar-no-cu. Vai-to-mar-no-teu-cu, porraaaaa!”, a última frase já saiu com o restante de ar que estava dentro do gordão. Ele ficou vermelho e sem voz. A turma começou a abanar ele. Alguém pediu água. Um amigo do meu pai morria de rir. Um cara gritou: chama o bombeiro, chama o bombeiro. Mas o gordo sobreviveu, sem precisar de ajuda médica.
Na época da Sanfona Coral, nossa turma ficava na arquibancada, exatamente no lado que o bandeirinha estava. Para ser mais preciso, a Sanfona se posicionava olhando para o banco de reservas do adversário. Daí, estávamos sempre no pé do ouvido do bandeira. Numa ocasião, não lembro qual foi o jogo, Rosembrick meteu uma bola pra Carlinhos Bala, seria gol certo. Mas o bandeirinha marcou impedimento. No rádio disse que não estava impedido. A jogada era bem duvidosa. No meio dos xingamentos, um torcedor saiu com essa: “tu é corno de cu, bandeirinha”. Um garoto que estava perto, perguntou: “pai, o que é isso: corno de cu?”. A gargalhada foi geral.
Ontem, desde a hora que a escalação foi divulgada, a palavra cu foi a mais usada nos grupos de zap corais, no Arruda, nos bares, nas salas, em qualquer ambiente onde estivesse um torcedor do Santa Cruz.
Luiz Felipe escalado. “Esse rapaz deve estar comendo o cu de alguém no clube”.
Gol dos Afogados. “Puta-que-pariu, outro gol de cabeça. Vai-tomar-no-cu. Essa porra desse volante não pulou”.
O primeiro tempo acaba. “Jogo cu do caralho”.
Neto Costa vai entrar. “Um jogador cu desse, vai entrar pra que?”
Neto Costa perde o penalti. “Vai-tomar-no-cu. Jogador merda!”
E como diz um amigo meu quando está nervoso: time cu. Treinador cu. Presidente cu. Diretoria cu.
Depois ele se acalma e a vida volta ao normal.