No Bar Real, me senti feliz

Deixei o Arruda, cansado. Me arrastando. Confesso que estou exausto com essa maratona de jogos e decisões. Ontem, faltando uns quinze minutos para acabar a partida, eu já não tinha mais preparo físico para gritar até o final. Fiquei dosando o esforço até o apito avisar o encerramento da peleja.

Na saída, a preocupação de todos: o cansaço do time e a contusão de João Paulo.

Voltei de carona com Marconi.

No carro, o rádio está na resenha. O repórter faz a chamada e diz que o presidente do time das moreninhas vem pra coletiva.

— Nunca vi um presidente ir para coletiva após o jogo. – comentei com Alessandra.

Nessa hora minha barriga roncou e eu pensei: “fome arretada”.

Com a voz de quem está completamente desequilibrado, o cartola começou a falar umas besteiras e meteu o pau na arbitragem, na FPF, no escambau.

— O campeonato nem acabou e os caras já estão chorando. – um de nós resenhou.

“Esse cidadão reclama da arbitragem, mas fica caladinho em relação à quantidade de ingresso”, eu pensei.

Seguimos para casa, falando sobre os erros e as lambanças que o árbitro cometeu e nos prejudicou. Alguém recordou uma jogada que ele marcou falta em Keno, depois pegou a bola e entregou para o jogador adversário e este saiu jogando naturalmente. Vez por outra minha barriga roncava pedindo comida. Lamentamos os contra-ataques perdidos, a bola que Lelê chutou pra cima e o individualismo de Keno.

Marconi nos deixou no mesmo lugar de sempre: na frente do Bar Real.

Quando desci, a turma de garçom já juntava as cadeiras. Corri com Alessandra e da calçada perguntei se ainda saía alguma comida. O gerente fez um sinal de legal. Aquilo me deu uma tranqüilizada danada.

Sentamos rápido e quando me levantei para ir ao banheiro, percebi que na mesa ao lado tinha dois torcedores da coisa, um gordinho e um barbudo. Voltei. Pedimos algo e ficamos proseando. Foi quando um dos vizinhos começou a falar alto para seu companheiro. Era o gordinho. Vestido com uma camisa do seu time que, de tão apertada, mais parecia uma blusa baby look, dessas que deixa as mulheres com os seios bem levantados. Os peitos do gordinho mereciam um sutiã. Se eu fosse amigo dele, chamaria ele de Fafá.

Com uma voz “a la” Cauby Peixoto, ele disse:

— Impedimento claro. Juiz ladrão. E aquele lance que empurraram Keno, não foi lance de expulsão. Gabriel Xavier só deu um empurrãozinho de nada.

“Ah, VTNC, gordo do peitão”, eu pensei enquanto comia um filezinho com vinagrete.

Ainda bem que os caras já tinham pedido a conta e foram logo embora.

Ficamos por ali. Resenhando e mastigando umas coisas. Alessandra pediu uma empada de queijo do reino. Um dos garçons veio perguntar como tinha sido o jogo. Se Grafite tinha jogado bem, se o time estava inteiro, se tinha muita gente no estádio, essas coisas.

O outro chega com as empadas.

Para dar uma trégua ao fígado, peço uma jarra de suco.

É quando um sujeito magro, com cara de pagodeiro, acompanhado de uma moça com cara de carranca, vem até a nossa mesa, invade nossa privacidade e diz com cara de choro:

— Tricolor, ganhar no roubo?! Precisa disso não. O time de vocês é bom. Bora ganhar na bola que é mais bonito.

Em outras épocas, eu teria mandado o pagodeiro e a cara de carranca para aquele lugar. Mas fui diplomático.

— Impedimento? Foi não, meu velho. Mas domingo eu vou dá-lhe outra lapada. E quero que seja gol um gol em impedimento. Porque o bom é ver vocês com esse chororô.

O rapaz ficou com um sorriso amarelo e foi fumar.

Entra uma família do Santa Cruz. O pai vem me cumprimentar.

— Parabéns pela crônica que você botou no blog.

Apertei a mão dele e me senti feliz.

— Putz, Alessandra! É massa receber um elogio desses. E eu aqui, perdendo tempo com a choradeira desse bando de pomba-lesa.

Fizemos um brinde, pedimos a conta e fomos embora.

Eu queria que o tempo parasse

Até agora, estou tentando segurar a ficha para que ela não caia. Amarrando o tempo.  Tentando fazer o relógio girar ao contrário.

A vontade é de viver eternamente esse nosso estado de êxtase e ficar recordando os últimos dias que passaram.

Queria voltar aos 47 minutos do segundo tempo e ver o General fazer o Arruda tremer numa explosão coletiva de alegria.

Naquela hora, pulei feito criança. Ali, naquele gol, consolidei minha esperança e, sem alarde, tatuei no peito: “Santa Cruz, campeão da Copa do Nordeste”.

Assim que o apito encerrou a partida, resolvemos ir a Campina Grande. Em questões de minutos, éramos dez. Em pouco tempo, já éramos doze. Todos com a mesma certeza e com a mesma vontade. “Seremos campeões. Não podemos ficar de fora desse jogo”.

E fomos.

Quase não conseguimos dormir do sábado para o domingo. Não era insônia, eram sonhos pintados de preto-branco-encarnado.

Feito meninos que vão para o piquenique da escola, entramos na Van sorrindo e brincando. Numa alegria sem fim, rumamos para Campina Grande. Carros, ônibus, motos, fomos de todo jeito.

A cada parada, os encontros. A cada bandeira, o orgulho de ser Santa Cruz.

A massa coral pintou todos os caminhos que levam à Campina Grande. Pintamos os bares, bebemos a cerveja, comemos o tira-gosto, entoamos nossos gritos de guerra.

Vou chegando ao estádio e vejo Breno. Como fiquei feliz m saber que ele não ficaria de fora. Breno, que se mandou para o Arruda com o ingresso, a cara e a coragem. Chegou lá, conseguiu descolar uma carona e estava no Amigão.

Ah, se eu segurasse o tempo…. Quantas lembranças boas.

E o jogo?

A bola que não entrou. O grito de gol entalado na garganta. Aquele título só podia ser nosso. Foi conquistado degrau a degrau, pedaço por pedaço.

Quando levamos o gol, igual ao mais puro dos fiéis, pedimos a papai do céu que não deixasse o futebol ser injusto com a gente. Mãos para os céus. Rezas. Promessas e pedidos.

No meio da multidão aflita, escuto a voz de Alessandra profetizar: dá tempo de empatar, ainda. Tu não sabe que pro Santa Cruz tem que ser com emoção!

Trago à lembrança as lágrimas que derramamos ao ver Artur estufar a rede adversária.

Volto e revejo um pai que estava na minha frente, abraçar seu filho e chorar feito menino. Ali, lembrei de quando meu velho me levava para o Arruda. O rolete de cana, a charanga das sociais e a minha bandeira.

Ah como eu queria que o tempo parasse…

E ficássemos todos sentados por aí, contando os causos desse momento histórico, dessa época que nunca será esquecida.

Por mim, esses últimos seis dias durariam para sempre. Mas o mundo gira e ninguém fica parado. Nesta quarta-feira tem mais decisão e o Arruda nos espera.

E estaremos lá, por um simples motivo: o Santa Cruz Futebol Clube.

*Dedico esse texto a todos que de perto ou de longe, bateram no peito e gritaram: sou campeão. E de forma especial, a Seu Vital que fez aniversário no último domingo, a minha Alessandra que aniversariou ontem e ao meu comparsa Samarone que hoje completa outra primavera.

A crônica é de vocês

No posto de gasolina, já quase chegando em Pernambuco, um tricolor coral santacruzense das bandas do Arruda falou com a voz rouca:

“Gerrá, a crônica do jogo vai ser tua, né?!”

“Putz, velho! Fale, não! Se eu pudesse, escrevia agora. Histórias é o que não falta!”

Teria mil histórias, mil assuntos.

O motoqueiro solitário atravessando fronteiras para ir ao jogo.  O encontro inusitado com Patu e sua turma. Meu amigo Breno que foi cedinho pro Arruda atrás de carona. Minha promessa para Leandro, o garçom do Bar da Curva. Alessandra profetizando depois do gol que levamos, “ainda dá tempo de empatar”. O abraço em Seu Clóvis depois do gol. A turma da Van. As lágrimas de Jr Black. A linda camisa de Marquito. Nossa festa com os jogadores no hotel.

Mas hoje, a crônica tem que ser escrita por vocês. Pela torcida mais apaixonada do mundo.