Amor sem divisão.

Assim que o Santinha foi rebaixado para a Série D, o Maestro Forró – um tricolor coral apaixonado – declarou seu amor incondicional ao Mais Querido: “Amor sem divisão”. O compositor do clássico Vulcão Tricolor está certíssimo: o amor ao Santa Cruz transcende as crises atuais. É algo atávico, aquilo que nos constitui, um elemento incontornável de quem somos.

Mas isso não pode significar que devemos entender que o clube é algo abstrato. Ao contrário, um clube de futebol tem sua história construída por pessoas muito concretas, absolutamente reais. Todos estão envolvidos nessa construção: torcida, time, comissão técnica, investidores, instituições e diretoria.

Como sempre afirma meu grande amigo Leonardo Neves, é preciso ter um pensamento hedonista crítico. Isso significa que aquilo que nos dá prazer, aquilo que amamos deve ter como norte um olhar sempre crítico. Pensar o amor ao Santinha sem colocar na mesma balança o pensamento crítico é algo que considero descabido, uma vez que há o elemento político, gerencial e administrativo dentro de uma organização que disputa campeonatos.

Não podemos ser masoquistas quando estamos falando de futebol. Crítica, ação, colaboração, planejamento e inteligência são elementos fundamentais. Evidente que nossa situação atual é terrível. O ProSanta teve mais erros do que acertos. Em um artigo recente publicado no GE de Daniel Gomes e intitulado  “vestiário do medo”, lemos desabafos de jogadores e funcionários que compuseram essa atual temporada.

Parece unanimidade entre os que foram ouvidos que o clima dos bastidores era o pior possível: pairava uma ameaça constante de demissão, algo que só quem vive em uma empresa privada que possui esse clima sabe como é. O medo é real – assim como a irritação, frustração e impotência.

Declarações como “a gente trabalhava sempre com medo de ser demitido do dia para noite” parecem frutos de uma péssima gestão de pessoas. O ProSanta nunca deve ter ouvido falar de Peter Drucker, Peter Senge, Lencioni ou Chiavenato, pensadores clássicos da administração do capital humano.

A demissão autoritária e equivocada de Paulinho e Didira, bem como o desmonte gradual da antiga comissão técnica causaram mais danos ainda. Como relatou um ex-jogador sobre a demissão de Martelotte: “Cara, Martelotte tinha o grupo na mão. […]O grupo do WhatsApp ficou ‘nervoso’ de tanta mensagem. Ali, a gente via que isso estava errado”. Além disso, os jogadores reclamavam que havia mais gente de gravata dentro dos vestiários do que atletas. Por fim, o ultimato dado pela diretoria: “Ou produz, ou está fora”. E, no texto do Daniel, uma constatação que traduz muito nosso tempo atual: “Todas as pessoas que foram ouvidas pela reportagem usaram a mesma expressão para definir a diretoria de futebol: ‘Não é da bola.’ Na linguagem do boleiro, não sabem sobre futebol”.

Essa falta de tato com as relações interpessoais custou muito caro. Gestão de pessoas em um âmbito esportivo é algo que parece quase natural de ser efetivado. Essa ausência deve ser corrigida, é preciso conversar com profissionais da área, rever os erros graves, médios e pequenos, planejar o futuro a partir do caos presente, entender a si mesmo, reconhecer as limitações e usar ao máximo aquilo que é um de nossas maiores características: a razão.

Óbvio que a torcida está puta com a atual diretoria. Nada mais natural. Entretanto, estou lendo postagens no Twitter defendendo o impeachment de Joaquim Bezerra e toda a chapa. Isso é um grave erro. Primeiro por causar uma instabilidade política na essência da condução histórica do clube que pode produzir um resultado péssimo e permanente. Tudo bem que estejamos frustrados, mas usar do mecanismo de impedimento por causa do rebaixamento é algo quase imoral. Por que? Ora, se toda vez que uma direção tiver uma má ou péssima condução do futebol vamos fazer o processo de impedimento? Sendo assim, desde a nossa primeira queda à Série C que não tinha uma diretoria que se sustentasse na temporada.

Segundo, o pleito que colocou o ProSanta na direção foi legítimo. As lambanças anteriores foram diretamente responsáveis por esse resultado. Os torcedores e as torcedoras votaram na esperança de mudanças, de inovação e resultados. É preciso sopesar o que há de bom e mau com sobriedade e não motivados por uma raiva passageira. Talvez essa seja uma das grandes lições dadas pelo Maestro Forró em sua declaração de amor.

Repensar sempre o nosso futuro porque a Copa do Nordeste bate à nossa porta. O Capibaribe já assinalou para negociar Jordan, Pipico e Jailson. Desses, confesso, só sentirei saudades de Jordan. Temos que reafirmar sempre: planejamento inteligente e crítico para sairmos do fundo do posso. E sempre pautado pela racionalidade. Tanto é que em outubro vou quitar minha mensalidade atrasada e voltar a pagar como sócio em dias. Cada um contribui como pode – a raiva não pode nos dominar.

No mais, é sempre bom lembrar o Poeminha do Contra de Mario Quintana:

“Todos esses que aí estão

Atravancando meu caminho,

Eles passarão…

Eu passarinho”!

Salve meu Santinha!

6 respostas para “Amor sem divisão.”

  1. Seriedade, Sobriedade e acima de tudo autocrítica. Sem autocrítica só temos transferência de responsabilidades. É impossível pensar num ambiente produtivo se a transferência de responsabilidade por maus resultados é a tônica. Aí dane se o conjunto e vira cada um por si e o culpado são outros. Ninguém se ajuda, cada um se salva como pode, inclusive, derrubando o que tá do lado. Um show de lamentações, amarguras e ressentimentos.

  2. Zeca, a única polarização que eu me permito na vida é essa: Ou eu torço pro Santa Cruz ou não torço por ninguém rs rs rs No Brasil tudo virou 8 ou 80, e o que for do 9 ao 79 não presta, é isso ou aquilo etc etc. É triste ver que essa polarização chegou até ao ambiente político e administrativo no nosso clube. A polarização nada mais é, no meu entender, do que querer aplicar os ideais em completa desconexão com a realidade. Passo a passo com pés no chão sempre. Trocar 8 por 80 não adianta. Só Cris falsas esperanças idealistas. O concreto tá no 9 ao 79.

  3. Que 2022 seja nosso 2011. Lembram? Ali teve autocrítica que nos deu um time com conjunto, preparo físico e salário em dia que deu como resultado a volta da autoestima da torcida. E o torcedor coral com a autoestima lá em cima, é amor pra meter medo nos adversários. Dá pra chegar.

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