Tijolaço pode?

Ainda não completou um mês a morte do rubro-negro atingido por uma privada jogada do alto do estádio do Arruda. Pois bem, 22 dias depois do assassinato do rapaz na rua das Moças, um paralelepípedo tamanho GG voou das arquibancadas de outro estádio pernambucano, estilhaçou o vidro traseiro do carro do quarto árbitro de uma partida da série A, amassou o capô e foi parar no banco de trás.

Se o árbitro da partida e os bandeirinhas estivessem lá – pois nesse carro que eles foram do hotel para o estádio – alguém tinha passado dessa para melhor.

A coincidência das ações e do contexto – objetos pesados jogados do alto de estádios, minutos depois de partidas de futebol realizadas na mesma cidade – seria o bastante para que o fato merecesse bastante destaque e repercussão.

Nada disso. Quem usou os microfones para berrar que o Santa Cruz tinha de ser punido, calado ficou. As autoridades de segurança que apontaram o clube como culpado na primeira entrevista coletiva, não apareceram, não procuraram responsabilizar ninguém. Nenhum chargista se meteu a engraçadinho. Nenhum fotógrafo ou cinegrafista procurou outro ângulo para fotografar o carro (esperamos 48 horas por um foto melhor do que essa porcaria que ilustra a postagem), não apareceu um investigador para tentar adivinhar de onde foi jogado o pedregulho.

Na rádio, um comentarista – ou vários deles – disse com razão que não dá para comparar uma morte com um vidro quebrado. Não, não dá. Isso qualquer um pode compreender. O que é absolutamente incompreensível é que ninguém relacione um fato com outro. Não se trata de relacionar alhos com bugalhos.

Sinceramente, não acreditamos aqui no blog que a mídia, o ministério público e a polícia estejam de proteção com o Sport. Não é isso. Não é simples assim, apesar do clube se beneficiar com o silêncio.

É provável que o governo estadual não queira barulho com isso a tão poucos dias da Copa do Mundo. Compreensível, mas não é a coisa mais sensata a fazer: novamente “estão esperando morrer alguém” para usar o velho clichê. Quando a “merda virar boné” (agora este precário escriba recorre a um dito popular), como já virou há 22 dias, talvez já não baste botar a culpa no clube e ponto final, como fizeram na manhã do sábado pós-privada.

Já o silêncio dos profissionais da mídia, este eu não entendo. Será que consideram normal um tijolo voar da arquibancada, do mesmo jeito que não estavam nem aí quando tudo quanto é coisa era jogada das gerais do Arruda antes de 2 de maio? Marcaria um xis nesse resposta, caso fosse uma questão de múltipla escolha.

Ou será que precisam ser mobilizados por uma tragédia óbvia para deixar o estado de acomodação e a preguiça? Xis também.

É provável que raciocinem desse jeito: privada é notícia, tijolo acontece todo dias, tijolo pode”. E tome xis.

Não conseguem entender nada vezes nada da equação violência+futebol? Todas as respostas são verdadeiras.

Não sou hipócrita: torço para que o Sport seja punido, que se lasque, perca mandos de campos, jogue para ninguém. Mas sei que isso não vai resolver nada.

É o clube que paga as fortunas exigidas pelos jogadores, entrega as placas do seu estádio para a TV comercializar, paga as taxas que a CBF exige a cada partida, expõe sua marca e sua imagem, quase sempre é roubado pelos seus próprios cartolas. O clube está na ponta da corda que rompe quando os Três Poderes da República, a emissora da TV, os patrocinadores do campeonato, FPF e a CBF  – nenhum deles dependem dos tostões que entram pelas bilheterias – fingem não ter nada a ver com isso.

CR7 + R9 + AD99 + NJR11 = viadagem muita!

Estava prestes a generalizar: não gosto de marqueteiros de futebol. Era o que eu iria dizer, mas parei. Vou ser mais específico, é um esforço para me aproximar da minha verdade verdadeira: não gosto dos marqueteiros de futebol que conheço, incluindo nessa lista duas subcategorias, a dos “candidatos a” e os que pensam ser.

Nunca ouvi nada que preste sair da boca dessa turma que prolifera como coelhos, só para comparar com um bicho bonitinho que não ofende ninguém.

O papo que escuto é sempre o mesmo: “o mercado”, “as arenas”, “a força da marca”, “agregar valor com a marca tal”. Lorota. Tudo lorota. Discurso macaqueado, imitação dos manuais que aprendem na escola de MBA ou nos sites esportivos.

Quando o Santa Cruz está na berlinda, nunca escutei unzinho sequer falar de uma ideia ou proposta que considerasse o que o clube, a cidade e o estado têm de singular, de original. Que nada, é tudo ideia copiada.

Só não generalizei lá no início porque sempre aparecem na televisão ações de marketing que parecem ter saído por encomenda para esse ou aquele clube. O pessoal do Corinthians, por exemplo, é quentura.

É por isso, senhores, que eu sou arretado com certas viadagens de marqueteiros. Aliás, eu não. Nós. Falo por mim, por Gerrá e por Samarone.

E a viadagem da moda é essa de se referir a um jogador pelas suas iniciais e o número da camisa que ele veste. Pior ainda é que foi Ronaldo Fenômeno que começou esse história. Era R9 isso, R9 aquilo. O publicitário criou a marca e os jornalistas ficam repetindo, fazendo um favor para ambos, jogador e marqueteiro, ficarem ricos.

Pelo menos o agente de Ronaldo foi criativo. O de CR7, NJR11 e R10 são meros operadores de marca xerox. Se é que eles existem, pois às vezes eu acho que é tudo invenção dos redatores que fazem de tudo para parecerem moderninhos.

Sinceramente, quando o sujeito deixa de ser Cristiano Ronaldo para ser CR7, deixa de ser gente, passa a ser objeto à venda. Exceção faço para Caça-Rato, quando ele passa a ser CR7, é por greia, tiração de onda e chacota com o original. Mais humano e pernambucano impossível.

Os leitores, torcedores e radialistas sem imaginação adoram copiar e ficar repetindo as fórmulas que vêem na TV. Porque diabos chamar de André Dias de AD99, quando nem ele mesmo se submete a esse ridículo? André Dias é um sujeito simpático, educado, falante e atencioso com todos. AD99 não é nada vezes nada. Só dois dígitos e duas letras. É falso e artificial.

Ainda bem que antigamente não tinha essa frescura toda. Alguém imagina a genialidade de Pelé representada pela sigla P10?

E Garrincha como um reles e insignificante G7? O “bloco dos sete países mais ricos” morreriam de inveja, era capaz até de usarem o rosto de Mané como marca d’água nos banners dos encontros em Davos.

E a elegância de Platini por P10? Ops, nesse caso teríamos um problema judicial a ser resolvido. Mas, sinceramente, essa batalha na Justiça não daria nem para a saída. Duvido que um juiz desse ganho de causa a Platini, que teria de se virar com MP10.

E aquela leveza de Zico, que parecia levitar em campo, como um pesadíssimo Z10? Imagino até o quiproquó com Zidane, que usaria o Z10 também, mas o staff de Zico se arretaria, os assessores de Zidane fariam uma proposta ainda mais esquisita 10Z2 , numa alusão ao duplo Z de Zinedine Zidane. A ideia de usar ZZ10 seria descartada de cara, pois ficaria muito parecido com a expressão do sono e do ronco nos quadrinhos.

Diego Maradona seria o DM10, o que, admitamos, viria bem a calhar para DM9.

E o que dizer do bravo Constantin Ulansky, zagueiro eslovaco que protege a área do brioso Slovan Bratislava, mas já brilhou no futebol romeno? Ele seria o CU4? Não o conheço, mas duvido que mereça uma coisa dessas.

A escalação do Santa virá assim: TC1, OZ2 (ou N2, Sérgio Guedes na dúvida), ES3, RF4, R6 (na falta do bom TC6); SM5, M11, LS8 (pode ser também LJ8), CA10; CR7 e LG9. Coisa para endoidar estudante de Física no primeiro ano da faculdade.

Antes de publicar esse texto, Gerrá da Zabumba levantou o dedo e pediu: “Bota lá que eu seria o GL24”? Geraldo Lima 24, o número da camisa dos sonhos do nosso zabumbeiro. “Sei, é Gays e Lésbicas 24”, emendou Samarone, o S44, em homenagem a uma camisa com esse número que ele usa na pelada do campo dos clube dos oficiais da PM.

Vou combinar com meu marqueteiro para ser o IF69. Porque eu gosto mesmo é de sacanagem.

O que fazer?

Sem o mando dos três primeiros jogos da Copa do Nordeste, sem renda que valesse a pena nos clássicos banalizados, sem participar das finais do estadual, sem não sei mandos de campo por causa do crime de sexta-feira. Conclusão: fudeu a tabaca de xôla.

Não conheço as contas do clube, mas para quem depende das bilheterias como o Santa depende, arrisco um palpite: estamos lascados como sempre. Com o agravante que, na série B, os salários são mais altos. Se a vitrine é maior, o mercado é mais áspero para os descamisados.

E nós, torcedores, não podemos ficar olhando a caravana passar direto para o abismo. Ou então ficar fazendo o que muitos tricolores estão a fazer desde sexta-feira: meter o pau em tudo, meter o pau em todos, meter o pau em nós mesmos. Sinceramente, nós aqui do blog estamos até a tampa com essa turma. Da mesma que ficamos putos com as vaias ao time no final da partida contra o Paraná, mas isso será tema de novas postagens.

Nos identificamos de verdade com o pessoal que organizou com a vigília em frente ao pátio de Santa Cruz na véspera do centenário (foto). Ou a turma que a bota a Minha Cobra na rua na segunda-feira de carnaval. Ou com o velho compositor que faz sambas e frevos sobre o clube das multidões. Ou com os leitores que, nas primeiras horas após o anúncio da interdição, já lançaram a proposta de comprar ingressos simbólicos. É com esses que nós vamos.

Bom a garotada que fez a vigília se juntou com os quarentões e trintões da Minha Cobra para soltar fogos ao pé do muro dos Aflitos hoje à noite, no exato instante em que o time estiver entrando em campo. Para que eles saibam que não estão sozinhos. E, depois do jogo, vão todos para a saída do ônibus coral aplaudir os jogadores.

E por aqui nós resolvemos encampar essa ideia simples e inteligente dos ingressos simbólicos para ajudar o Santa.

Ainda agora conversei com Tininho por telefone. Ele me disse que o clube não pode vender nenhum tipo de ingresso vinculado ao jogo, sob perda de uma pena ainda maior. Mas que vai apoiar os torcedores que resolverem vender ingressos simbólicos que não dão direito a jogo nenhum. Depois, o dinheiro seria repassado para o clube a título de doação. E ele se compromete a informar no que o dinheiro for usado.

Precisaremos de gente para cuidar das vendas na porta do clube, pois nenhum funcionário pode se meter nessa história. E precisamos que os outros blogs corais e o pessoal das comunidades nas redes sociais se mobilizem para divulgar. A princípio, nossa proposta é que cada papelzinho sem valor seja vendido a R$ 10,00.

E aí? Vai encarar? Ou prefere ficar reclamando do técnico, do STJD, do presidente, de Raul, de Tininho, do diabo a quatro?

Demagogia mata

Não recordo de outro dia em que o Recife acordou como no sábado, logo depois da morte do rubro-negro Paulo. As pessoas desta cidade, que já andam murchas, murcharam ainda mais. A vergonha era maior que o medo, a desorientação maior que a indignação ou a raiva.

Alguns disseram ser bizarro a pessoa morrer atingida por uma privada. Considerando onde e como o rapaz morreu, talvez sua morte tenha sido simbólica e não bizarra. Afinal a bacia sanitária que matou o rubro-negro Paulo poderia receber todas as políticas e ações tomadas em Pernambuco para conter a violência das torcidas organizadas. Eu escrevi em Pernambuco. Troco por Brasil.

Leis são aprovadas, medidas “urgentes” são tomadas, decisões judiciais são proferidas. O problema é que, quem aprova a lei, quem põe as operações em prática e quem assina a sentença não compreende absolutamente nada desse fenômeno social. Não compreende e não faz a mínima questão de entender.

Em 2009, a Assembleia Legislativa de Pernambuco aprovou a lei seca nos estádios. É para diminuir a violência nos estádios de futebol. Demagogia pura. A morte de Paulo, o ferimento de Lucas Lyra e os ônibus quebrados todos os domingos provam que essa lei fracassou, é inócua, não serve para nada. E quem a aprovou continua tomando uísque nos camarotes e nas tribunas em todas as partidas. A polícia não se mete com eles.

No mesmo ano, pouco antes da lei ser votada, um gênio da raça humana, o juiz Ailton de Souza, disse a seguinte besteira “o número de incidentes nas praças esportivas reduziu bastante com o fim das vendas de bebidas alcoólicas”. Ainda não li a opinião dele depois de tudo o que anda acontecendo por aqui.

Talvez as pequenas brigas entre sócios e as discussões entre um torcedor e outro tenham diminuído. Essas confusões localizadas, nem com muito pessimismo, poderiam ser caracterizadas como problema de segurança pública.

Algum desses deputados dirão: “Se não houvesse a lei, estaria pior”. Meu pai, debochado e cético, responderia: “Se minha mãe tivesse uma carreira de peitos, seria uma porca”. Os fatos demonstram apenas que a lei seca é inútil. Está claro que, o que move a violência nesses rapazes, não é a cerveja que o gasoseiro vendia. É outra coisa que nenhuma lei é capaz de impedir, só não sei o que é.

Não me arrogo a dizer que conheço as raízes desse fenômeno, mas não é difícil perceber que o problema é mais profundo, reflete-se no entorno do futebol é verdade, mas nasce nas comunidades da periferia, na vida vazia cheia de pequenas violências cotidianas. Às vezes me pego pensando que as velhas rivalidades entre garotos de ruas diferentes se transformaram nessa guerra. E que tudo desagua no futebol porque o futebol é, no Brasil e em boa parte do mundo ocidental, é válvula de escape, grande negócio, moda, mania, meio de vida, lazer.

Não, o Estado não precisa aguardar os teóricos para fazer alguma coisa. Não é isso. Só não dá mais para apostar em leis demagógicas e repressão, repressão e repressão. O Batalhão de Choque não tem a capacidade e não deveria ter os poderes para elaborar política pública para esse assunto.

Um magistrado pode ser tão demagogo quanto um deputado. O Tribunal de Justiça (sic) de Pernambuco proibiu os torcedores entrarem no estádio com camisas, faixas e símbolos de torcidas organizadas. Mais um investimento na pirotecnia e na inutilidade. Agora está mais difícil localizar quem é quem nas arquibancadas e nas gerais.

Se promotores, delegados e juízes sabem que organizações com CNPJ e advogados constituídos organizam quebra-quebras, arrastões, marcam brigas de ruas, armam tocaias para matar gente, porque nunca as investigaram para valer? Porque não apreendem os computadores em suas sedes? Porque nunca ouvimos falar de apreensões nas residências de seus dirigentes? Nem de escutas telefônicas ou ambientais aprovadas pela Justiça?

Provavelmente porque a Inferno Coral, a Torcida Jovem, a Fanáutico e seus iguais pelo Brasil afora não incomodam o privilégio dos donos do dinheiro. Por muito menos os movimentos sociais, que brigam por terra, por justiça social, por habitação e por direitos sofrem infiltração dos espiões dos serviços reservados, são criminalizados e sofrem tudo quanto é tipo de perseguição.

No dia em que uma torcida organizada lutar pelo fim do monopólio da Rede Globo nas transmissões de futebol , por transparência nas contas da federação ou por um processo democrático de escolha dos cartolas, aí sim, não vai sobrar pedra sobre pedra. No outro dia, vamos saber quem são os dirigentes das organizadas, quanto ganham, de onde vem o dinheiro, suas redes de ligações, o que eles comeram no jantar…

Enquanto esse dia não chega, tudo sobra nas costas da PM resolver na marra, na base do todos apanham e nada muda. O Ministério Público, a Polícia Civil, a Federal (sim, a PF, afinal torcidas de um estado são articuladas com as de outros times de outros estados, numa rede sem fim), os gestores de Segurança só se mexem “se provocados” ou se a merda virar boné, como agora.

Além do quê, é sempre fácil culpar os clubes.

Nos próximos dias, veremos vários senhores engravatados nos telejornais e nas páginas de opinião dos jornais. A mídia permanecerá histérica, mas só enquanto a morte de Paulo for notícia. Os porta-vozes das organizadas repetirão o porta-voz da PM e dirão que “a violência vem de elementos isolados e não a instituição”, mesmo que os elementos paguem mensalidades, viajem no mesmo ônibus, participem das festas etc.

Vai dar vontade de vomitar.

Quando pior melhor?

Sem rodeios, vou direto ao ponto: o único resultado do “protesto” de ontem foi destruir o imenso patrimônio imaterial construído com o esforço de milhares de apaixonados que lotaram o Arruda “n” vezes em 2013. A valiosa mística da torcida apaixonada sofreu um imenso revés. De uma hora para outra, a torcida coral lançou-se à vala comum dos trogloditas de tantos clubes pelo mundo afora.

O estrago foi muito maior do que a porta do vestiário ou algum eventual arranhão no carro do presidente. Prejuízos são grandes demais para serem enxergados a olho nu.

O mais incompreensível é que o tal “protesto” foi completamente desproporcional aos fatos que o geraram.

Encurralar diretores, berrar gritos de guerra, ameaçar jornalistas, arrombar portas, invadir vestiários porque o time de futebol foi eliminado de duas competições, de forma justa diga-se de passagem? Porque dois ou três jogadores demonstraram incapacidade de suportar pressão, o que é comum quando se fala de seres humanos? Porque os rubro-negros estão greiando da nossa cara? Vamos convir, quem não quiser ouvir graça por causa de futebol, é melhor dedicar-se apenas à seleção brasileira. Ou ao tricô.

Tudo o que aconteceu com o Santa Cruz faz parte do futebol.

O time andava de salto alto no início do semestre? É verdade, mas a torcida também estava tão intragável quanto rubro-negros. Pelo jeito, a queda do salto desnorteou a todos.

A diretoria confiou e concedeu poderes em demasia ao ex-treinador? Pode ser, dizem que sim. Mas a torcida também o idolatrou, jurando de pés juntos que um nó tático estava prestes a ser dado em todos os adversários da terra e do céu.

A comissão técnica e os diretores de futebol erraram em contratar pouco e mal? Com certeza, mas em janeiro nós torcedores éramos capazes de morrer jurando que Caça-Rato e Renatinho resolveriam todos os nossos problemas.

Eu fiquei arretado com as derrotas. Todos ficamos. Qualquer torcedor fica. Mas no mundo do futebol, isso se resolve com estádio vazio, vaias de arrombar, faixas raivosas, críticas descabeladas, exigências ululantes. E pronto.

O novo treinador não é o dos meus sonhos. Não, não é. Eu preferia Pep Guardiola – também não vou com a cara de Mourinho. Mas só vou largar pau no teclado para criticá-lo depois que ele botar o time em campo. Aqui no meu canto, fico lembrando de Cuca e Paulo Autuori e espero pelo que virá.

O que Cuca tem a ver com isso? Quando ele foi para o Atlético Mineiro diziam que ele não ganhava nada, era um chorão e que Ronaldinho Gaúcho iria comê-lo com farinha. Ganhou a Libertadores. Paulo Autuori, ao chegar no mesmo Atlético, era um gênio, sempre foi um gênio, um lord, uma mistura de Einstein com Yves Saint-Laurent. Foi demitido essa semana.

Sérgio Guedes não deu certo em canto nenhum? E eu com isso? Só quero que ele dê certo no Santa e que se lasque em tudo que é clube que vier a treinar depois.

O “protesto” de ontem, principalmente da forma como aconteceu, foi completamente fora de tempo, fora de lugar. Reparem que escrevi protesto três vezes entre aspas. Sou de um tempo em que protesto tinha objetivos claros, era estratégia definida e reivindicações a serem apresentadas.

Os pirralhos que puxam esse tipo de coisa pelas redes sociais devem ter uma auto-imagem semelhante a de um Che Guevara, um Emiliano Zapata, um Ho Chi Minh, talvez um Mandela, só para ficar nos melhores. Ninguém se enxerga como um tonto raivoso e inconsequente. Dói se enxergar assim.

Ontem, eles conseguiram colocar a raiva para fora, enfrentaram um presidente de clube – fosse presidente um daqueles outros, teriam levado porrada em cima de porrada e só iriam ver jogo nas gerais com medo de apanhar mais durante as partidas – mas não perceberam que não tinham o controle de nada.

Oportunistas pegaram carona e fizeram discursos. Uma gangue apareceu para dar porrada e apostar no quanto pior melhor. E agora, devem estar por aí arrotando que fizeram alguma coisa e não ficaram calados. É verdade, mas o resultado foi só um e, como no facebook ninguém faz autocrítica ou avalia os próprios atos, forneço de bandeja no primeiro parágrafo desse texto, o resultado alcançado.

Post scriptum longo: Li nos jornais e portais que os jornalistas já identificaram os vilões encapuzados. Para eles, são os de sempre: as torcidas organizadas. Pra que pensar ou investigar, se há vilões fáceis sempre a mão, sempre odiados pelas pessoas de bem. Eu, um ex-repórter de polícia cada vez mais chato e enjoado de ler besteira, me dou direito a um questionamento: porque a torcida organizada iria entrar no clube encapuzada, mascarada e com capacete de motoqueiro, se eles sempre enfrentam a Tropa de Choque de cara descoberta? Porque cobrir a cara, se aparecer no jornal rende pontos para eles entre seus iguais?

Vica, o energúmeno

Sobre o Santa Cruz, sempre escrevo aquilo que me vem à cabeça e ao coração, em geral de um rompante, sem pensar muito, com o sangue fervendo, as lágrimas correndo ou a alegria transbordando. As exceções são uma ou outra fofoca que me contam, porque quem conta já espera vê-las publicadas no dia seguinte. E como não sou de frustrar fofoqueiros, mando ver no teclado.

Desta vez não. Desliguei o achômetro e, antes de escrever, escutei ou procurei a opinião de muitos e bons corais. Gerrá, coronel Peçonha, meu filho Pedro, meu sogro Aurílio, Guila Calheiros, Carlinhos, o porteiro Zé Carlos, Allan Robert, Claudemir Mameluco, um sujeito da academia de musculação que eu não sei o nome…

Entre todos, uma unanimidade: fomos eliminados porque Vica é covarde. Ou frouxo. Ou bundão, o que, no final das contas, dá na mesma.

Digo mais: além de medroso, é estúpido até dar uma dor.

É líquido e certo que torcedor que é torcedor sempre procura um culpado mais fácil para crucificá-lo e sangrá-lo em praça pública. Técnicos são sempre os culpados mais a mão. E quando o sujeito põe o time para jogar do jeito que ele pôs, ah, meu amigo, joguemos pedra na Geni porque ela é feita para apanhar.

Vica saiu do campo dizendo para os microfones “não estamos tendo saída de bola”. Iludidos, imaginamos que o time voltaria pronto par dar o bote ao menor erro adversário, afinal jogávamos por uma única e solitária bola, umazinha jogada que mataria o adversário como matou três vezes seguidas em três anos seguidos. E olhe que, desta vez, o adversário cometeu erros repetidamente, entregando bolas bobas na entrada da nossa área.

Então, eis que o treinador tenta uma mágica: recuou ainda mais o time para resolver a saída de bola. Algo como chegar a Porto Alegre pegando um ônibus para Manaus. Como isso seria possível? Sei lá, pergunte a ele.

A crônica do segundo tempo poderia ser resumida assim: Sport-no-ataque-erra-o-passe-defesa-do-Santa-dá-chutão-pra-frente-volta-a-bola-pro-Sport. Assim, 255 vezes. Teve uma hora que goleiro deles saiu do gol, foi até o alambrado pedir um cremosinho de leite condensado e voltou pro campo andando devagar, ainda puxou conversa com o gandula. Ninguém deu pela falta dele.

Imaginei que Vica estava arretado da vida com a postura superhiperultrarecuada do time. Nada disso, na entrevista depois do jogo, ele elogiou a postura defensiva, disse que estava tudo indo bem até os 40 minutos e blá-blá-blá. Ou seja, ele estava satisfeitíssimo, achando tudo normal, uma beleza. Juro que eu entenderia se valesse o saldo de gols. Como não era, só posso achar que esse sujeito tem uma inclinaçãozinha para suicida.

Teve uma hora, já de noite, que Catatau avisou: “professor tem banco de reservas, viu? A gente também pode trocar jogador, não é só eles que podem, não”. Santo Catatau. Não fosse isso, Sorriso teria morrido no gramado. Pelo menos seria trágico. E o treinador teria uma desculpa interessante.

Quando Everton entrou, soou como uma sugestão de Vica aos nossos adversários “podem atacar sem medo, não precisam se preocupar com contra-ataques, nem sei que porra é isso”.

Os defensores deles não tinham o que fazer, mesmo com o time todo arreganhado.

Quando entraram os velocistas, meia horas do timing correto, o resto do time já pedia pelamordedeus para o jogo acabar.

No final de tudo, a cereja sobre o bolo: Carlos Alberto para bater pênalti. Foi o repórter dizer o nome dele para o coronel Peçonha interromper os exercícios de guerra do seu batalhão e me ligar berrando “esse menino não gosta de fazer gol, ele não gosta de fazer gol”.

Na verdade, não sei se é uma questão de gosto ou de ignorância, mas o fato é que diante do gol aberto, o meia fica apavorado, assustado e não sabe o que fazer com a bola. Podem procurar no youtube os gols de cego já perdidos pelo dito cujo.

Portanto, a culpa é de Vica, o energúmeno. Se não sabem o que é isso, tome aqui a definição do Michaelis: e.ner.gú.me.no; sm (gr energoúmenos) 1 Possesso do demônio. 2 Indivíduo desnorteado. 3Pessoa que, dominada por uma paixão, pratica desatinos. 4 pop Imbecil.

Papéis trocados

Sou um homem crédulo na humanidade e no que as pessoas podem ter de melhor. Quase um ingênuo. Meio distraído diante das inúmeras televisões do restaurante onde estavam a cúpula do Blog do Santinha e alguns agregados, a primeira impressão é que os jogadores do Santa Cruz usavam camisas rubro-negras e os atletas do Sport vestiam a tradicionalíssima camisa branca com duas listas, no que talvez fosse uma bela experiência dos defensores da cultura de paz nos estádios para acabar com a violência e promover a fraternidade universal entre as torcidas.

Qual nada. O Santa Cruz era o Santa Cruz e o Sport era o Sport mesmo. Os papéis é que estavam trocados.

O Santa atacava inutilmente como o Sport de 2011. O Santa abusava das ligações diretas longas e imprecisas como os Sport em 2012. O Santa rodava a bola para lá e para cá, sem rumo e sem direção, como o Sport em 2013. E como os treinadores, os jogadores, a diretoria e a torcida do Sport nos últimos três anos, o nosso time acreditou na ideia que tem mais conjunto, um time superior e nesse blá-blá-blá todo que não adianta nada quando se enfrenta um time com vontade, com uma marcação sufocante e que sabe que o adversário não é essa tampa de crush toda e que, por isso mesmo, vai errar, ora se vai.

E foram muitos os erros. A derrota poderia ser até maior. Não podemos reclamar de nada, nem do juiz. Foi justo, justíssimo aliás. O problema é que os erros não foram apenas individuais ou dos jogadores, como Vica quis fazer crer na entrevista logo após a partida. Há um erro maior que antecede e provoca os outros miúdos, quase inevitáveis numa partida de futebol.

Nosso treinador é um bom caráter, é o que dizem. Homem de bem, esforçado, sem papas na língua, honesto e que conhece de futebol. Talvez não conheça tão bem assim a alma humana.Se conhecesse, teria percebido que nosso time tem alma de operário, espírito de gente que precisa brigar para ser ouvido e ser alguma coisa na vida. Reparem que eu disse “ser” e não “ter”. Quem arrota ter tudo – dinheiro, troféus, arenas – são os outros.

Não dá para, de um dia para o outro, esses time de guerrilheiros se comportar como se fossem marechais ou almirantes. Ou para retomar a metáfora mais marxista, para botar banca de novos ricos amostrados e perdulários.

Nosso treinador, contudo, passou a acreditar que ser campeão da série C é o mesmo que ganhar, digamos, a Liga dos Campeões. Agora, ele quer que o time jogue para cima, “imponha seu jogo” o tempo todo, com uma zaga exposta tal qual o nervo dolorido do meu terceiro pré-molar. Ele acreditou na lero-lero que éramos favoritos. Ele e boa parte da torcida, que andava presunçosa como se fosse bicolor.

Ontem, na Ilha, o time parecia querer devolver o placar da semana passada ou, ao menos, tirar a diferença, tentando jogar como jogou domingo. Não precisava. Era outro campeonato. Uma coisa não tinha nada a ver com a outra. E o amor-próprio do treinador, ferido por não conseguir comprovar sua tese do time ofensivo e campeão, não carecia ser sanado assim tão de repente, podia ser aos poucos, com um empatezinho ali, outro aqui.

Insisto: o título da terceira divisão mexeu com o ego do bom Vica. Ano passado, ele mudava o time a todo instante e dizia que precisava adaptar o time ao tipo de jogo que iria enfrentar. Ora ia com dois atacantes, ora com apenas um. Ora escalava três volantes, ora apenas dois. Então, porque diabos, ele insiste em manter um volante e meio, mnesmo sabendo que não temos um meio de campo criativo e exuberante? Porque enfrentar um time aguerrido como o Sport como se fosse contra o falecido Vovozinha? A resposta talvez esteja na primeira linha deste parágrafo. Talvez, não sei, é apenas um palpite.

Troféu nenhum deu jeito. O treinador adversário deve ter aprendido muita coisa com o pai, sim, mas certamente tomou lições de humildade com os times de Zé Teodoro e até com Marcelo Martelotte. Três derrotas seguidas em casa podem ensinar muita coisa. Espero que que não seja necessário tanto para Vica. Que duas lhe bastem para que o Santa volte a praticar o futebol guerrilheiro do tricampeonato.

Vem aí o volume III, o livro vermelho!

Tudo indicava que a quarta-feira de cinzas seria isso que o nome já diz: uma quarta-feira perdida, cinzenta, nem preta nem branca, nem alegre nem triste, morna e sem graça, com Gerrá de ressaca, eu me curando uma virose que me lascou bem no carnaval (sim, estava na Minha Cobra, mas sob efeito de um doping federal) e Samarone na estrada indo babar o sogro em Garanhuns. Eis que chega a notícia:

O volume III da Trilogia das Cores, vulgarmente chamado de Livro Vermelho, está pronto, tinindo, com cheiro de pão novo saindo do forno. Não sei se os caras da gráfica deram duro no carnaval ou ele ficou pronto a semana passada e só avisaram hoje. Acho que a segunda opção, mas isso não tem importância nenhuma e nem sei porque levantei essa dúvida besta. Prossegue o caminho na roça.

A Paixão é vermelha – este é o nome de batismo do terceiro volume da coletânea de crônicas do blog – será lançado no domingo 16 de março, a partir das 15h. A farra será, mais uma vez, no bar Mamulengo, na praça do Arsenal, quase na frente da famosa torre de Malakoff.

O livro vermelho tá cheio de novidades em relação aos anteriores. Pra começar, como organizamos a trilogia cronologicamente, esse volume inclui os textos publicados de 2011 a 2013. Deu pra entender ou carece de uma explicação mais detalhada? tricampeonato, duas subidas de série, só alegria.

Além de um pequeno ensaio fotográfico do senhor Fred Jordão, retratista tricolor respeitadíssimo no mundo das lentes, cliques e filtros de Pernambuco, o prefácio é um luxo só. Tal qual no volume II, quando Homero Fonseca abriu os trabalhos e acabou escrevendo o melhor texto do livro, desta vez fomos buscar reforços em São Paul0. O cineasta Ugo Giorgetti (aquele mesmo do artigo no Estadão após o jogo contra o Betim) foi quem fez o texto de abertura. É mole? Outro dia eu conto essa história aqui.

Quem quiser ainda terá a opção de comprar o livro com o CD da Minha Cobra encartado. Ah, os outros dois volumes estarão à venda também.

Para encerrar a conversa, quem levar o convite impresso, ganha 10% de desconto no preço de capa. Quem não receber o convite de papel, basta fazer o download e imprimir esse que publicamos aqui nesta postagem que dá na mesma.

Então, ficamos assim: Bar Mamulengo, 15h de domingo, 16 de março (o jogo do Santa será no sábado contra o Porto, ou seja, não vai atrapalhar nada). O preço do livro sem desconto é 50 contos.

 Adobe Photoshop PDF

 

Festa do Centenário? Deixa que Minha Cobra faz

É o seguinte: no dia 1º de fevereiro, no pátio de Santa Cruz, vai ter farra, vai ter música, vai ter Valmir Chagas, vai ter prévia de carnaval, vai ter lançamento do CD da Minha Cobra. Enfim, vai ter festa do centenário. A nossa festa do centenário, a festa feita pela torcida, informal, mundana, safada, sem discurso e sem reza.

A farra vai começar no início da tarde, mas vai pegar fogo quando o sol tiver mais comportado. Essa semana, os blogueiros e os organizadores da troça vão vender o kit de CD + camisa por R$ 50,oo para custear as despesas com músicos e palco. Depois, cada um pode comprar o que quiser separadamente.

Quem quiser comprar o kit, pode entrar no facebook de Esequias Pierre, Claudemir Pereira, Geraldo Lima Jr ou no de Inácio França e combinar de fazer o pagamento e pegar o CD e a camisa.

camisaPor sinal, a camisa da troça no ano do centenário foi feita por uma tuia de crianças. Os pirralhos fizeram desenhos respondendo à pergunta “Para você, o que é torcer pelo Santa Cruz?”. Depois, o artista plástico Breno Melo (o protagonista dessa crônica aqui), juntou os desenhos, organizou tudo e deu forma final à ilustração da camisa.

O CD, por sua vez, tem músicas do compositor de sambas e frevos Bráulio de Castro interpretadas por Valmir Chagas, o Véio Mangaba. Algumas faixas são releituras de músicas do CD Veneno da Cobra Coral, de 2004, mas a maioria são inéditas, incluindo o Samba de Caça-Rato e o Hino da Minha Cobra. O projeto gráfico da capa e do encarte é assinado por outro profissional tricolor, o senhor Sebba Cavalcanti, o maior designer de Pernambuco(2,02 m de altura).

 

 

 

 

crianças
Os artistas que fizeram os desenhos que Breno Melo juntou para ilustrar a camisa da Minha Cobra centenária.

 

 

Tá no sangue

Gerrá tá certo. O que esse blog nos traz de melhor é a chance de conhecer muita gente boa e ouvir as histórias que nos contam. Não é brincadeira a quantidade e a variedade do que já escutamos de ou sobre apaixonados pelo Santa Cruz. O que guardamos na memória muitas vezes acaba aqui no blog em forma de postagem. É tanta coisa que já deu pra três livros, fora as horas e horas de papo jogado fora.

Nada porém, mexe mais comigo do que as histórias que os filhos contam da paixão dos seus pais. Freud explica. Tenho pra mim que torcer pelo time do pai é uma forma de manter contato com o velho mesmo depois de adulto, refazer a conexão depois que o pai vai dessa para melhor ou reforçar um vínculo imaginário, tipo assim: “gostaria de ter vivido isso com meu pai”.

Enfim, quem explica é Freud. Eu, no máximo, sinto que pode ser assim.

Meu pai não era e ainda não é muito de ir a estádio, entretanto o menino que vive dentro de mim (o mesmo que tira catota e bota embaixo da cadeira) guardou o quanto era gostoso ir ao Arruda ou ao Batistão, no tempo em moramos em Sergipe. Dia desses seu Lúcio me contou, como quem fala de um fato insignificante, que costumava me levar para a Unicap, já todo vestido de tricolor, quando o jogo era na quarta-feira. Ele saía mais cedo da aula e me levava para o Mundão. Tinha apagado isso da memória. Depois que ele contou, voltou tudinho.

Hoje sou eu que faço um esforço enorme para levá-lo para o jogo quando ele está em Recife.

E, nos últimos tempos, poucas pessoas me emocionaram tanto quanto Carlos Manoel e seu Carlão. O filho é militar, lotado em São Gabriel da Cachoeira, num posto do Exército na fronteira do Brasil com a Colômbia. Longe para cacete. Vocês devem lembrar dos comentários que ele deixa no blog. Na foto que ilustra o alto desse texto, ele está ao centro segurando a bandeira coral no meio da floresta.

Pois bem, no dia do lançamento do segundo volume da trilogia, Carlos Manoel estava de férias por aqui e levou seu Carlão.

O pai sofre de mal de Parkinson, uma doença devastadora e tem pouco controle sobre seus movimentos. O juízo, em compensação, está bom todo.  Conversamos um pouco na praça do Arsenal. A lembrança mais recorrente e mais gostosa de Carlos Manoel é entrar no Arruda no cangote de Carlão que, por sua vez, torce pelo Santa Cruz graças ao pai, um paulista de Guaratinguetá que veio parar em Recife a serviço do Exército – o mesmo que levou seu filho para longe -, lá pelos anos 50. Apaixonou-se pelas três cores, mas morreu cedo, infartou quando Carlão ainda era um Carlinhos, aos seis anos de idade.

Envolvido no lançamento do livro, a ficha da emoção demorou a cair. Passei dias tentando captar a beleza e o significado do que havia escutado e testemunhado. Carlos Manoel poderia ter ido só para a festa, daria menos trabalho, mas ele levou a família toda – mulher, irmã e sobrinho inclusive – para reencontrar um tiquinho da sua própria infância. E para devolver ao pai um pouco da alegria de outros tempos.

Dentro do bar, minutos depois, escutei uma moça, quase uma menina ainda, falar das estripulias do próprio pai. Não foi nada combinado nem ela escutou uma só palavra da conversa que havia tido lá no meio da praça. Dinda, a jovem contratada pela editora, contou que estava amando vender os livros do Santa Cruz, mas não pôde levar o pai, operado há poucos dias dos dois joelhos.

Espantoso foi o orgulho com que ela mencionou o problema ortopédico que deixou seu Paulo no estaleiro, coisa séria a ponto de justificar duas cirurgias. É que ele se operou por causa do Santa Cruz.

“Quando o Santa subiu da série D para a série C, ele foi do Arruda até em casa andando, mas parou para tomar umas cervejinhas, foi um negócio leve. Esse ano, ele prometeu que iria correndo se o time subisse para a série B. O Santa ganhou, ele amarrou a bandeira no pescoço e foi numa carreira só, quase sem parar”.

“Ele mora aonde, Dinda?”. É evidente que fiz a pergunta, mas tive medo da resposta.

“Em Boa Viagem, quase Setúbal. E olhe que ele não joga bem pelada, por isso deu problema nos dois joelhos, já chegou em casa com dor”.

Putaqueopariu. Pensei e disse. Para Dinda, o pai é um guerreiro que cumpriu sua missão e está feliz da vida, apesar de engessado. Fosse ela feita de outra matéria ou torcedora de outro clube, teria censurado a “loucura” do patriarca.

Ah, as cirurgias só aconteceram depois da decisão da série C. Paulo é um homem sensato e não queria perder a festa do título.

Júnior Santos é outro desses. Sua história me chegou por e-mail, enviada por Renan, o filho.

Foi em 2005, quando vencemos a Portuguesa e subimos para a Primeira Divisão. Na saída de casa, como quem não quer nada, Júnior avisou ao irmão Tony, a um amigo deste e a Renan: “Olha, fiz uma promessa. Se o Santa subir, volto para casa a pé”.  Ha ha ha. Ninguém deu bola.

Era à vera. Na saída do Arruda, o homem saiu andando pela beira-canal em vez de pegar o ônibus até o centro da cidade. “Só então acreditamos que o negócio era a sério”. O amigo do tio era um fraco, desistiu quando chegou em frente ao Carrefour. Três quilômetros e pouco, segundo Google Maps. Tio Tony segurou um pouco mais, só saltou fora na Chesf do Bongi. Nove quilômetros. Nada mal para quem pesava quase 100 quilos na época. Além do mais, a promessa nem dele era.

Renan continuou, firme, forte e fiel. Confiram o trecho do e-mail com o relato dele: “Continuamos, meu pai e eu, pela Abdias até chegarmos na BR-232, o pior trecho do percurso. Seguimos pela BR até a entrada de Jaboatão, onde faltava pouco mais de 3 km pra chegar mas já nos sentíamos em casa”. Total 20 quilômetros. E a mãe em casa, se descabelando de preocupação.

E de avô para pai, de pai para filho construímos e reconstruímos o Santa. E, agora, temos certeza que tudo isso não vai acabar.