Todos com o cloro

Que Todos com a Nota que nada. As vitórias dos últimos anos suscitaram (gostaram do verbo?) uma demanda outrora adormecida pelas bandas da avenida Beberibe: o mergulho dos campeões! Se a tendência continuar, a diretoria do Santa Cruz terá de iniciar o inédito programa Todos com o Cloro para que os tricolores mais reticentes também se joguem na piscina da sede como os hindus caem de cabeça no Ganges.

A ideia é do artista plástico Breno Melo que, depois de concluir a revolucionária ilustração da camisa da Minha Cobra 2014, mandou o desenho acima. Segundo ele, o processo seria simples: na compra de dois ingressos para um jogo decisivo, o sujeito receberia um tablete de cloro. No dia da partida, bastaria levar a pastilha no bolso e mergulhar de roupa e tudo na piscina após o título ou acesso. Depois é deixar o cloro na água, facilitando o trabalho da turma da limpeza na segunda-feira. Fácil, sem burocracia, sem reserva pelo telefone, sem lenga-lenga.

Assim, todos poderiam tomar o banho que purifica dos males dos anos 1990 e dos rebaixamentos.

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nove

Faltam nove dias (nine days, segundo o editor Pedro Moura) para o lançamento do 2º volume da Trilogia das Cores (A emoção é branca), no bar Mamulengo da praça do Arsenal, às 18h30min do dia 12 de dezembro (na outra quinta-feira). Enquanto a tricolozada enche a lata, Gerrá, Inácio e Samarone vão entortar a munheca de tanto dar autógrafos. 

Na mesma ocasião será apresentada a camisa da Troça Carnavalesca Mística Ofídica Etílica e Escrota Minha Cobra para o tríduo momesco de 2014. Se a malharia correr, já vai ter para vender. 

Contagem regressiva: vem aí o “livro branco”

Daqui a exatos 30 dias, lançaremos A emoção é branca, o segundo volume da Trilogia das Cores. A farra vai ser no bar Mamulengo, na praça do Arsenal, às 18h17min do dia 12 de dezembro, uma quinta-feira. Anotem aí nas respectivas agendas, smartphones, tablets ou cadernetinhas de anotações.

A  gráfica já mandou a prova, devidamente aprovada pelo editor da Sappho Books, e o dito cujo já está sendo impresso em papel de altíssima qualidade. Lamentavelmente, o editor, o senhor Pedro Moura informa que não poderá estar presente devido a uma reuniãozinha de negócio nas Filipinas, marcada de forma equivocada pela sua secretária para o mesmo dia.

Lembrando que o segundo volume incluirá uma seleção de crônicas de 2008 a 2010, ou seja, os nossos melhores textos sobre nossos piores momentos. Vale a pena ler para lembrar um tempo que está ficando para trás, mas que para servir como vacina contra erros futuros precisa estar vivo na memória coral

Em breve maiores informações e material para divulgação.

A sarna somos nós

Nada de extraordinário me aconteceu no dia em que subimos. Preparei um arrumadinho, bebi poucas cervejas em companhia de uns poucos amigos e da família, a chegada ao estádio coincidiu com a do ônibus coral, enfim, nada que mereça um texto. Apenas os procedimentos de rotina para quem vai se estourar de emoção seguida da alegria comum a todos.

E mesmo se testemunhasse feitos curiosos ou apocalípticos,  provavelmente não os teria transformado em prosa. Como observador, não valho grandes coisas. Tudo pode acontecer nas minhas fuças que não estou nem aí. Para transformar pequenos incidentes em crônicas saborosas, Samarone faz isso mais e melhor. Para botar sacanagem no meio, Gerrá é o titular, com a camisa 10 e braçadeira de capitão.

O que eu sou mesmo é chato. Muito chato. Insuportável. Não deixo perco a chance de passar na cara de quem quer que seja, seja lá o que for.

E, desde os dias que antecederam a partida dos 60 mil contra o Betim, tenho percebido um fato incontestável: o Santa Cruz Futebol Clube está merecendo como nunca o apelido que lhe colocaram os bicolores na intenção de ofender. Somos a sarna.

Uma sarna irritante, insistente, de esfolar a pele. Uma sarna que tomou conta da cidade.

Primeiros fomos os próprios corais que espalharam uma energia que vou chamar de eletricidade emocional, um elemento que não se via, mas estava em todas as conversas, antecedendo sérias reuniões de negócios, aflorando nos encontros ocasionais no meio da rua: “E o Santa, sobe?”. Primeiro se perguntava isso para os tricolores, depois esse era o tema inicial de qualquer conversa, em qualquer situação.

O comichão estava em todo canto: o governador, articulando sua candidatura a presidente começava assim os cochichos sigilosos. Era isso que o gari, antes de pegar a vassoura e o balde, perguntava ao dono do fiteiro. Esse era o papo entre o cobrador e o motorista. Nas rádios. No salão de cabelereiro chic do Espinheiro. No boteco do Vasco. No posto de saúde. Na praia. Santa Cruz e sua torcida, o assunto da cidade.

Alvirrubros e rubro-negros se coçaram. De vontade de ir ao jogo. De inveja de uma nação que envergou, mas não quebrou. De admiração, como a testemunhar um soldado voltar do inferno da batalha repleto de cicatrizes, porém vivo e sabendo onde não botar o pé, como escreveu um colunista da revista Trivela.

Sem forçar muito a memória, conheço quatro alvirrubros que foram ao Arruda ver por dentro uma torcida de futebol. Pertinho de mim, nas sociais, estava Gustavo Krause, ex-governador, ex-prefeito e ex-não-sei-o-quê do clube de coração de todo ex-aristocrata.

No facebook, um rubro-negro escreveu em sua página:

Pode parecer ironia, mas não é não. Tô torcendo para o Santa Cruz subir. E não é por “pernambucanidade”, afinal sou baiano. É uma questão de justiça. O Santa fez a melhor campanha e é, de fato, maior que a Terceira Divisão. Por isso os tricolores têm minha solidariedade no domingo. Ah, não espero e nem cobro de volta que a galera do Santa torça pelo … (editado por desrespeitar o manual de redação do blog). Futebol é feito da rivalidade entre vizinhos…

Depois da partida, a coceira continuou, mais intensa inclusive.

Outro, em sua coluna “neutra e objetiva” num jornal, debatia-se para dourar a pílula da provocação e apontar um significado moral na direção oposta do óbvio:

Na hora em que dezenas de torcedores saem de casa carregando um “B” dourado e gigantesco nas mãos – com orgulho e sem constrangimento (…). No linguajar comum dos torcedores rivais, a definição para a cena é de que “isso é coisa de time pequeno”. Como dizer que não é? Os “bês” dourados e corais que foram vistos no Arruda no último domingo refletem sim um Santa Cruz moralmente encolhido.

A escabiose abre feridas, dói, enlouquece o sujeito a ponto dele não enxergar mais nada a meio palmo do nariz. Provavelmente, quando o escriba das palavras acima perceber que se trata exatamente do contrário, será tarde demais. A sarna terá tomado o corpo, a alma, tudo. Encontrei no Google fotos horríveis de gente atacada por essa doença.

Por mim, assumo de uma vez por todas o xingamento como um elogio: nós, tricolores, somos uma doença contagiosa, multiplicada pela miséria, que não mata e sequer aleija, mas que não deixa vítima esquecer dos seus sintomas um só instante.

A ofensa, nesse caso, expõe a pequenez de quem ofende na mesma medida em que revela a grandeza do ofendido.

Domingo tem multidão de novo. A epidemia, pelo jeito, vai continuar.

O drible

Para ajudar a relaxar nesta semana que só vai acabar daqui a 3 anos, uma sugestão de leitura do Blog do Santinha em transmissão conjunta com o Caótico.

A descrição do drible de corpo de Pelé no goleiro uruguaio Marzukiewicz que abre O drible, de Sérgio Rodrigues, tem tudo para ser citado exaustivamente sempre que literatura & futebol for tema de debates, oficinas, artigos, mesas redondas e coisas e tais.

Rodrigues acertou a mão e construiu uma abertura inesquecível para seu romance. Se Pelé foi responsável pelo lance mais imprevisível do futebol, jamais um gol perdido foi descrito com tamanha beleza. Ao menos nos parágrafos iniciais do livro, Sérgio Rodrigues esteve à altura de Edson Arantes do Nascimento.

Só um aperitivo: “Congelada, a imagem do velho videoteipe fica distorcida. Parece que o negro de camisa amarela e o branco todo de preto vão colidir, quem sabe se fundir, feixes luminosos tentando esquecer que um dia foram carne”.

A pegada segue firme ao longo de todo romance. Tabelando com Didi, Garrincha ou Vavá, Sérgio Rodrigues conta as idas e vindas de Neto para curar inúmeras feridas e aproximar-se do pai, um outrora famoso cronista esportivo amigo que fez fama e fortuna durante a ditadura militar.

Ao longo do romance, figuras reais como Nélson Rodrigues, seu irmão Mário Filho e Millôr Fernandes reencarnam para interagir com o protagonista Murilo Filho. As aparições dos monstros sagrados da crônica e do jornalismo ocorrem em flashes, coisa rápida o bastante para garantir verossimilhança e encantamento, sem risco que algum deles tome conta do livro. Fez bem o autor. Com gente desse porte, não se brinca.

Se o pai do protagonista bate-bola com Nélson Rodrigues, o personagem do livro de memórias cujos rascunhos ele entrega para o filho Neto revisar, um jogador quase sobrenatural chamado Peralvo, bate-bola com sua-majestade-o-rei-do-futebol.

O_DRIBLEA prosa leve de Rodrigues, que já foi capaz de garantir uma narrativa instigante em Elza, a garota, desta vez soma-se a um maior domínio técnico – bendita seja a experiência. Em nenhum momento, o leitor desgruda-se da trama.

Nada é precipitado, a cortina vai se abrindo aos poucos, num ritmo sedutor, de um jeito tal que dá gosto ter O drible na bolsa para, de vez em quando, abri-lo, ler quatro ou cinco páginas e, em seguida, guardá-lo com calma esperando o silêncio, o sossego e o momento para retomar a leitura.

A história dos desencontros dos Murilos, Filho e Neto, é narrada por uma terceira pessoa tão discreta, discretíssima aliás, que suavemente se revela tão falsa quanto a intenção de Pelé ao correr para receber a bola de Tostão diante da grande área uruguaia. Uma finta de corpo que deixa o leitor sem pernas, embasbacado, porém satisfeito de chegar ao final de um livro que marca com honra um gol de letra ao unir futebol e literatura, duas pontas da vida que andavam soltas.

O drible traz para a ficção a importância que o futebol tem para o Brasil contemporâneo. E, contraditoriamente, também carrega sua desimportância e pequenez diante da dor de menino que o adulto deveras sente.

Festa no morro? Ainda não.

Reinaldo da Galeria convidou Robson Sena. Robson convidou Gerrá, que me convidou. Então convidei Samarone, que farrapou.

Foi só o jogo acabar e lá fomos nós para o galpão da Galeria do Ritmo, a escola de samba de um dos melhores lugares do Recife, o Morro da Conceição, pau-a-pau com a Bomba do Hemetério, Poço da Panela e Brasília Teimosa.

Tricolor não precisa de motivos para subir o Morro, mas nós tínhamos um. E bem forte: acompanhar a escolha do samba-enredo da escola que, no próximo carnaval, vai homenagear o centenário coral. Programa melhor não há para uma noite logo após uma vitória importante.

Foi só descer do ônibus e pescar o diálogo entre dois tricolores devidamente caracterizados e um sujeito todo sorridente, metido a piadista:

– Tão alegrezinhos hoje porque ganharam uma, mas tomem cuidado, viu, sábado que vem é dia de Finados.

– O jogo vai ser domingo, otário.

Bonito pra tua cara. Deu vontade de dizer, mas fiquei na minha e fui passando. Não sou do morro, tava ali emprestado.

Flagra de Robson julgando
Flagra de Robson julgando

Na frente da Galeria, Robson era o amostramento em pessoa na iminência de representar a Minha Cobra no corpo de jurados. Logo ele, que entende tanto de carnaval, mas tão pouco de samba.

Por mim, fiquei mais interessado em ser escalado para ser jurado do evento do sábado que vem, a noite da Mini-Saia. A dona da menor mini-saia vai levar 150 contos para casa. Aceitaria o convite para fazer um julgamento técnico e isento. Gerrá também topou, demonstrando disponibilidade para as causas populares e um desprendimento ímpar. É bem verdade que as nossas respectivas senhoras chiaram um pouco e partiram para ameaças, as mais vulgares possíveis, aliás.

Mesmo assim, continuamos a espera do convite. Ainda dá para reorganizar a agenda para sábado.

O galpão é quente todo. Cobertura de zinco triplicando as consequências do efeito estufa e do, calor humano.

O pisante de um bamba
O pisante de um bamba

Desde que botamos o pé na escola sabíamos que estávamos entre iguais: um sujeito à paisana bateu com a mão espalmada no escudo do meu uniforme cobra coral, distribuindo sementes de poesia: “Não estou assim, mas eu sou assim”. Depois foi até Gerrá e repetiu o que havia me dito.

A galeria é lugar de gente como este tricolor afetuoso que nos fez sentir em casa. E de gente como Naná Santana, mestre de bateria aposentado e que agora sobrevive dando oficinas de percussão para crianças. Com seu pisante de pele de cobra e o passo macio de quem entende do riscado, o sujeito é um bamba.

Também estava lá seu Nininho do Pandeiro, compositor do samba vencedor que diz “Eterno supercampeão guerreiro / sinônimo de devoção / o escudo da sua bandeira / desperta no povo uma louca paixão”.

Ao escutar um elogio à letra do segundo samba a se apresentar, ele se doeu e alfinetou:

– Quero ver é a evolução…

Realmente, o samba rival mais involuía que evoluía, apesar da letra mais ajeitada e da torcida fervorosa que, uma hora depois, se arretaria com o anúncio do resultado a favor da turma de seu Nininho, que, registre-se, também é um senhor passista.

A competição se deu em níveis de civilidade elevados, ao contrário do que acontece nas escolas mais afamadas do Rio de Janeiro, onde o cacete come e o dinheiro corre antes, durante e depois.

Nininho
Nininho do Pandeiro e senhora

Apesar da vitória nos confins de Minas Gerais , o clima não era de euforia. Ou estava todo mundo muito concentrado no samba-enredo ou ninguém tem coragem de cantar vitória antes do tempo. Ou as duas alternativas estão corretas.

Curiosamente, até mesmo os compositores e arranjadores do samba vencedor tiveram de comemorar com o freio de mão puxado. Vão ter de sentar com a comissão de carnaval para “fazer ajustes” na letra. Do lado de fora, gente da diretoria já dizia que o melhor mesmo seria juntar todo mundo e misturar a evolução do samba de Nininho + a poesia do segundo colocado + o refrão arrebatador do terceiro samba.

Se o Morro da Conceição ainda não está comemorando, o melhor que todos os tricolores devem fazer é cruzar os dedos, roer as unhas, fingir que não ganhamos nem o primeiro jogo e imaginar o que virá pela frente.

 

 

 

A torcida ficou enfezada
A torcida ficou enfezada

 

Pense numa quadra de escola bem decorada
Pense numa quadra de escola bem decorada

 

Entre na justiça você também

Virou zona. Virou não, sempre foi. Pelo menos agora não cabe mais a hipocrisia nem a pose dos cartolas.

Era balela aquele lenga-lenga que clube de futebol não pode nunca jamais entrar na justiça comum e, se entrar, a confederação do País é suspensa pela FIFA e bye bye. Antes, eram grupos de torcedores que entravam com as ações. Acabaram os disfarces.

Já que um juiz de Campina Grande pode determinar quais times podem ou não podem participar de um campeonato e outro de Betim, já no fim de expediente e prestes a ir para casa bota um papel em cima das coxas e assina uma decisão ignorando as regras de quem organiza o campeonato, tá valendo tudo.

Por isso, o departamento jurídico do Blog do Santinha resolveu, para colaborar com os clubes bicolores de Pernambuco e outros times de outras terras, sugerir algumas petições judiciais que poderão ser feitas em qualquer comarca deste Brasil varonil.

Sugestão jurídica para a coisa: com base na lei 9.605/98, os advogados da praça da Bandeira podem tentar anular as três lapadas que levaram do Santa Cruz na Ilha do Retiro em 2011, 2012 e 2013. Basta alegar que o Santinha desrespeitou o artigo 32 dessa lei que protege os animais. O artigo diz que é crime “praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos”. Animal exótico, o leão. Domesticado, o boi.

É botar na Justiça e no outro dia a polícia vai no Arruda tomar as taças. Se o advogado rubro-negro solicitar é capaz do meritíssimo obrigar Tiago Cardozo a jogar com uma venda nos olhos e de costas para o campo.

Sugestão jurídica para a coisa-rosa, ex-barbie: Como os torcedores alvirrubros vivem tentando ser amigos dos tricolores e são sempre repelidos com piadinhas e gozações as mais variadas, os causídicos alvirrubros podem alegar que a torcida do Santa Cruz está infringindo a lei 4.837 de maio de 2012, a lei do bullying.

Afinal, não é de hoje que a tricolozada pratica intencionalmente e de maneira continuada, de índole cruel e de cunho intimidador e vexatório, todo tipo de sacanagem contra o time de São Lourenço da Mata.

Na Paraíba não vai faltar juiz para bater o martelo e determinar que o Santa Cruz vá jogar o campeonato sergipano.