Conversa de feira

Fui ontem ao Arruda. Consegui chegar antes das 18h, a tempo de tomar uma cerveja, bater um papo e encontrar alguns amigos.

Pra variar, Samarone perdeu o jogo. Ele achava que a partida seria às 19h30, começou a beber por volta das 16h e quando pensou em sair, já estava com a cuca cheia de cachaça e faltava somente quinze minutos para bater o centro.

O jogo não foi lá essas coisas. A chuva e o vento tomaram conta da apresentação. Mas, como diria o filósofo, “o que vale é os três pontos”.

Bom mesmo foi ver a animação hoje na feira.

Sou daqueles que gosta do movimento e da conversa no meio da feira. Prefiro a companhia dos feirantes, à solidão de um supermercado.

Além disso, o preço dos produtos é bem mais barato.

Na minha agenda, o começo da manhã das quartas é destinado a fazer feira. Acordo, visto o manto sagrado, levo as meninas ao colégio e me mando pra Casa Amarela.

Queijo coalho eu compro no mercado. A turma do box em que faço a compra, é quase toda do Santa Cruz. O sorriso dos caras estava de um canto a outro da boca.

— É Grafite, meu véi! O negão né brochador, não!

Gritou o moreno de bigode que sempre me despacha, pra um magro vestido com uma camisa amarela. Me entregou um pedaço de queijo e perguntou:

— E aí, dotô, o que tá achando?

— Tá meio salgado.

— Não, o Santa?

— Ah…., tá chegando. Grafite fora de forma tá fazendo um gol por partida, imagine quando o bicho tiver no ponto.

Bigode sorriu.

No outro lado, um gordinho fez uns passinhos e cantou:

— acabou o caô / o Grafite chegou / o Grafite chegou.

A gargalhada foi geral.

Provei umas castanhas e fui para o pátio da feira.

Ali a resenha é grande. Apesar do desprezo do poder público, o pessoal é sempre bem animado. Uns mais, outros menos. Mas no geral, a piada, a tiração de onda e alegria dominam o espaço.

Passo no freguês da acerola. A plaquinha de papelão avisa: 1 é R$ 3,00.

Uma moça faz a pechincha: 2 por 5?

— É leve. Dá pra fazer! Mas num se acostume não, senão eu quebro!

Um altão com voz aguda está aos berros:

— Baixou. Baixou. Quem vai querer a banana!

O outro grita:

— Te lasca!

Chego à barraca da freguesa das verduras. A alface tá bonita, danada! E o precinho do tomate está na medida, dois reais. Em se tratando de futebol, a dona é torcedora do time da Abdias e o marido é tricolor coral santacruzense das bandas do Arruda.

— Que cara é essa, tá triste? Cadê o maridão? – eu pergunto.

— Desde sábado que aquele miserável bebe! Quando a porra do time dele ganha, eu já sei que vai dar problema. Eu queria que aquela porra se acabasse.

— Que é isso, freguesa?! Faça isso não! Desejando que meu time se acabe… – eu disse.

— Não. Seu time, não. Eu queria é que aquela desgraça se acabasse na cachaça.

Lembrei de Samarone.

Peguei minhas verduras e sai assobiando, “acabô o caô, o Grafite chegou, o Grafite chegou”.

Diário de um delírio

Amigos corais, abri os olhos hoje de manhã e pensei em pedir minha mulher para me beliscar. Terei sonhado muito? Foi delírio de minha parte?

Pois bem, vamos ao diário de um dia inesquecível, para mim e para a massa coral.

Primeiro o “esquente” no Sukito, boteco modesto cá no centro, defronte ao Parque 13 de maio. Uma cerva, uma dose de “serotonina”, como diz o amigo e filósofo Zeca (uma lapadinha de Pitucilina com limão) e um rango.

Às 14h em ponto, ônibus para o Arruda, já coalhado de torcedores. O portão 9 como estará hoje, meu Deus. Meu sofrimento é o portão 9, por onde entram os arquibancadinos.

Primeiro bom sinal – a avenida Beberibe estava bloqueada bem antes do Arruda, facilitando o fluxo da multidão. Dou alguns passos, e passa o Ônibus Coral. A torcida entrou em festa. Acenei com minha bandeira. Meu sonho é chegar a algum jogo dentro dele, vendo a massa acenar. Nessa hora, o jogador mais frio se sente um herói, se enche de brios. Após passar por uma multidão apaixonada, não precisava nem de preleção. Eu, se fosse o treinador, ficaria apontando os torcedores de todas as classes sociais e diria:

“Joguem por eles”.

Tentei ir ao bar de Abílio, onde estariam vários amigo, mas estava impraticável. Fiquei do lado de fora, tomando umas nas barracas de isopor.

O portão 9, eu só pensava no portão 9, aquela fila esculhambada pra cacete. Encontrei Júlio Vilanova, que outro dia chegou de viagem da China. Passou três semanas entre Xangai e outras cidades menores. Cidade menor na China é aquela que tem vinte milhões de habitantes. Ele chega com uma cadernetinha com a imagem de Mao Tsé-Tung.

Só mesmo um torcedor do Santa mesmo, ser capaz de comprar um caderno na China e levar para um amigo que gosta de tomar notas de tudo. E ainda ter a esperança de encontrá-lo, no meio de milhares de pessoas.

Guardei o caderno, tomamos umas e depois peguei o beco, rumo ao Portão 9. Eram 15h e calculei chegar ao ferrinho, junto ao escudo, lá pelas 17h.

Eis o choque existencial e psicológico. Barreiras policiais logo no início da rua. Nem me revistaram, o que achei uma covardia. Poderia ter levado uma ampolazinha de Teachers.

A fila andava rápido. Mais adiante, aquelas grades de ferro, que impedem o empurra-empurra.

Não entendi nada. Em dez minutos, creio, estava dentro do estádio. Meu lugar no ferrinho só cabia mesmo a mão. Botei ela e, aos poucos, fui me esgueirando.

A massa coral em festa. Dia lindo. Dia de Grafite. Dia de arrancarmos rumo à ponta da tabela, de pegar ar e se impor na competição como um grande clube que somos.

O jogo… Ora bolas, o jogo é o óbvio. Se eu for pago pelo Blog do Santinha para escrever sobre o jogo, serei demitido.

Um sujeito ao meu lado reclamava com Grafite.

“Está fora de forma”.

“Não é o mesmo”.

E eu já amolando minha língua para dar um troco.

O sujeito esperava que Grafite entrasse, saísse driblando todo mundo e fizesse quatro gols em dez minutos.

“Eu botava Luisinho”, dizia.

E eu esperando.

Lá pelas tantas, cruzamento na área e gol de quem?

“Graaaaffiiiiiiiiiiiiiiiteeeeeeeeeeeeeeeeee!”

O sujeito se vira e me abraça, às lágrimas. Um abraço de quem chegou de um exílio no Uruguai, de vinte anos.

“Eu sabia! Esse Grafite é um predestinado”, disse ele.

“Joga demais! Tem estrela!”

Essa memória do torcedor é algo que impressiona.

A vitória foi a coroação de um trabalho enorme de um monte de gente competente. Presidência+marketing+comunicação+torcida chegando junto.

Foi uma vitória dentro e fora das quatro linhas, coroada com o gol do nosso craque.

À saída, uma nova surpresa. TODOS os portões das arquibancadas estavam abertos. Não havia aquela centena de vendedores de cerveja logo de cara, facilitando o fluxo.

Como ninguém é de ferro, a PM insiste em deixar seus ônibus da Tropa de Choque estacionados justo ali, na rua, atrapalhando a multidão.

Mas registro uma vitória: não vi um cavalo, a tarde inteira. Nem spray de pimenta na cara da gente.

Passei em Abílio, vi os amigos, alguns assinaram seus nomes na minha bandeira, que , ao final do ano, vai para a coleção de Esequias Pierre.

Passei na sala de Imprensa, para ver se Inácio estava lá. Nada. Mas vi uma entrevista de Tininho, dizendo que até o bicho do jogo já tinha sido pago.

Só deu tempo de comprar mais uma cerva, pegar um ônibus e voltar para casa, com um sorriso na alma.

O Santa está passando por uma mudança que ainda não percebemos direito – é de mentalidade.

Os jornalistas, logo que o presidente Alírio Morais assumiu a presidência do Santa, começaram a apelidá-lo de “Delírio”, por causa de suas idéias pouco convencionais.

Recorro ao “Aurélio”:

“Delírio”: “1. Distúrbio mental caracterizado por idéias que contradizem a evidência e são inacessíveis a crítica; 2. Exaltação do espírito; desvairamento”.

Deixem que ele delire à vontade – e leve consigo uma equipe profissional azeitada e competente e toda uma nação apaixonada.

Não existe nada mais parecido com o Santa Cruz do que a exaltação do espírito, ao desvairamento.

Lembro agora de Chico Buarque, o poeta, que se refere a “estar doente de uma folia”.

É isso o que sinto.

Enlouquecemos. E sábado está longe. E viva as tricoletes!

 

tricoletes_04

Amigos corais, a cidade está louca.

A torcida do Santa tem este poder mágico, metafórico, de perturbar o juízo de uma das maiores capitais do Brasil.

Caminha-se duas esquinas, e o verdureiro comenta:

“Grafite tá chegando, visse?’

Joga-se no bicho:

“Vai dar cobra”.

Vou, bucolicamente, tirar xerox para minhas aulas de literatura da quinta-feira, passo em frente ao Kaldácio.

“E aí, poeta, já comprasse o ingresso?’, me pergunta o dono da venda.

Mostro o ingresso na carteira.

Sem pedir, ele já me bota um Ele/Ela.

Eu, por questão moral, bebo. Deixo as xerox para amanhã.

Carlinhos Monteverde beberica algo. Se aproxima, liga o celular.

“Já escutasse?’

É uma música para Grafite, que ele fez no dia da chegada do negão: A volta.

Escuto, maravilhado.

“Está bombando na Internet, no meu Facebook”.

Ele me dá uma cópia e diz:

“Mandei fazer dez mil, para vender sábado, a R$ 5,00. De cada disco, R$ 1,00 vai para o Santa”.

Volto e vejo se o sapato que deixei para consertar está pronto.

“A cobra está invocada”, me diz o Rufião Melancólico da rua da Saudade.

Dou uma parada para jogar no bicho.

“Se der cobra, a banca vai quebrar”, diz a mulher que passa o jogo.

Dou uma parada no Princesa Isabel, para saber das novidades. Alguém tem notícias do Sport, Náutico?

“Eu só quero chegar perto do G-4 faltando dez rodadas. Deixa a coisa e a barbie na ilusão. Só quero na reta final”, me diz o vendedor de amendoim.

“Faltando dez rodadas, ninguém segura o Santinha”.

Já perto de casa, encontro Júnior Black.

“Sábado não vou beber. Meu pai quer ir ao Arruda”.

Nunca ouvi isso na minha vida. Júnior Black sóbrio no Arruda, levando o pai.

A custo, chego em casa.

Acho que, por ser escritor sobre o Santa, a população coral se acha no direito de desabafar comigo suas dores e esperanças.

Na portaria, está Joab, o rei do Morro da Conceição.

Ele acende um cigarro metafísico e me diz, com um sorriso:

“A massa coral endoidou de novo, Samarone”.

Eu sei. E como ninguém aguenta mais ver a foto de Grafite, botei a imagem das tricoletes dos anos 1980.

Faz parte da loucura.

Separa as chuteiras, Grafite!

Ainda bem que não assisti a derrota do Oeste sozinho, no bar Sukito, aqui defronte ao Parque 13 de Maio. Meu amigo Zeca chegou uns vinte minutos antes e começamos a luta.

Começo do jogo. Bola na cabeça de João Paulo. Ele sobe sozinho, olha para o canto esquerdo do goleiro, acerta em cheio, o goleiro fica só olhando a pelota, que vai exatamente… na trave!

Temos este problema bem democrático. De cada dez chances, fazemos uma.

“Hora de tomar uma serotonina”, disse Zeca, após ver a bola na trave.

Serotonina = Uma dose de Pitú + limão + caldinho de feijão.

Durante os 90 minutos, aproveitamos para conversar sobre temas os mais variados. Como ele é filósofo e especialista na obra do alemão Heidegger (parece que leu tudo no original, em alemão), tivemos futebol meia boca, filosofia, literatura etc.

Já estávamos caminhando para puxar a fatura, quando o sujeito fez um gol do Oeste, lá na gaveta. Zeca ficou meio invocado, achando que o Paredão catou borboleta. O sujeito da frente, um coral solitário, se virou para defender nosso Thiago Cardoso, mas o fato é que vacilamos.

Do alto da minha prosopopéia, só faço contar os minuotos para chegarmos ao dia 8 de agosto, às 16h30, no Arruda.

Tenho uma intuição muito apurada e ela me diz que Grafite vai resolver nosso problema existencial com o gol,  nesta Série B.

Amanhã mesmo vou comprar meu ingresso. Fui para um evento do Unicef, no auditório do clube, atualizei minha ficha de sócio, mas vacilei e não comprei o ingresso.

Parece que já perdi a promoção.

Não tem problema. Vou pagar mais caro com todo o gosto.

Grafite, meu querido, separe as chuteiras e, ao pisar no gramado do Arruda, nos encha de alegria com seus belos gols.

Exilado por um instante

Por aqui, pra quem não é acostumado, o que é perto sempre é um pouco longe. Corri o que pude, mas só consegui chegar a tempo de ver os melhores momentos da primeira etapa e os quarenta e cinco minutos finais.

Tenho pra mim que estar longe de um jogo como o da última terça-feira, deixa o sujeito mal-humorado, nervoso e chato. Eu, por exemplo, já sentei no sofá reclamando do empate. “Como é que o time faz um gol e dois minutos depois leva outro?!”. “De novo. Cruzou na área, essa defesa leva gol”.

Até fazermos dois a um, fui só reclamação. Lembro que momentos antes, chamei Luizinho de “doente”, Lelê de “idiota” e Anderson Aquino de “burro”. A primeira dama até ironizou: “no jogo contra o Botafogo, tu devia ir assistir nas sociais”.

Mas bastou Luizinho estufar a rede adversário, que o peso e o azedume foram embora. Corri pra janela e gritei pra toda Vila Mariana ouvir: é Santa Cruz, porra!

Ao final, quando fechamos o caixão do Bahia, gritamos e pulamos feitos malucos. Até o cachorro do vizinho comemorou.

Passada a euforia, uma mistura de alívio e saudade chegou de com força. Os amigos no Bar de Abílio, a Avenida Beberibe, a cerveja na beira do canal, o Tepan, a turma do Poço da Panela, a massa coral em festa.

Ah, como eu queria estar ali pra abraçar o povão.

Nessas horas, dá pra sentir um pouquinho o que sentem os infinitos exilados tricolores corais santacruzenses das bandas do Arruda por esse mundo a fora. A saudade não é do Recife, a saudade é do Santa Cruz.

No próximo sábado ainda vou estar por aqui. Melhor ainda, é que o jogo contra o Oeste não vai ser mais em Itápolis. Vai ser em Osasco.

E nossa sorte é que os limites do Arruda ultrapassam todas as fronteiras. Já tem uns exilados aqui em São Paulo se organizando para ir ver o Santa Cruz e eu vou no meio. Raul Cavalcanti, Danilo Souza e João Victor  confirmaram presença. Pra engrossar o cordão, meus amigos Paulo e Isabel, também irão.

Só me falta aparecer um sanfoneiro, uma zabumba e um triangulo pra animar a festa. Mas aí é querer emoção passando da conta.

Por onde vou, o Santa Cruz está!

Tirei férias. Juntei a família e me mandei para São Paulo.

Por aqui, pra quem está acostumado com nosso belo calor, o frio é daqueles que faz o sujeito ajudar a economizar água do chuveiro. Por aqui, o povo continua andando avexado no meio da rua. “Papai, todo mundo anda correndo aqui, né?”, falou uma das pequenas.

Quando entro no gozo das férias, sou daqueles que procuro me desligar de tudo. Faço questão de não atender ligações telefônicas. Evito as tais redes sociais. Pelo visto, vamos chegar num tempo em que o sujeito viajará e na volta não terá nenhuma novidade para contar. Muito menos fotos para mostrar. A turma sai de férias e se dana a mandar fotos por zap-zap, postar o que está fazendo no facebook.

O que não consigo mesmo, é me desligar do Santa Cruz. Nem ele de mim. Ontem, levei as pirralhas para conhecer o Butantã. Por sinal, um passeio pra lá de agradável. E aí, num dos museus, encontro o nosso Santa em várias cobras corais. Mais pra frente, umas das programações do Instituto é deixar o público manusear algumas cobras. Avisaram que seria um jibóia e uma cobra do milho. Andamos, visitamos outro museu, paramos para fazer um lanche e no horário marcado fomos para o serpentário onde seria feita a atividade. A jibóia estava lá, mas a cobra do milho faltou. No lugar dela, a cobra coral.

Hoje perambulamos pelo centro. Nas imediações da 25 de março, o movimento é grande. De camelô a cartomante, tem de tudo. Já no Mercado Municipal a turma não alivia no preço. Tirando o sanduba de mortadela, o sujeito paga caro e come pouco.

Final da tarde, fui conhecer uns amigos novos. É que quando resolvi viajar para terra da garoa, comentei com Esequias. De pronto, ele me botou em contato com um casal paulista, Isabel e Paulo. “Gerrá, eles são gente fina. Ela é bem simpática. Ele, Paulo, é um Samarone da vida. São torcedores da Portuguesa”.

Nos encontramos na saída do metrô da Sé. Em poucos minutos, estávamos sintonizados como se nossa amizade fosse bem antiga. Uma conversa boa danada na escadaria da Catedral que terminou logicamente num bar e o futebol foi o assunto principal. Perguntei a Paulo se eles estavam naquele jogo de 2005, na seribê, contra a Portuguesa. Falei que a gente tinha ido com a Sanfona Coral. “Não sei se você lembra, mas na torcida do Santa tinha uma turma tocando forró”, eu disse. “Claro que sim. Foi ali que vi que a torcida de vocês é fantástica. Tenho a maior admiração pelo Santa”.

Paulo e Isabel tem os três volumes da trilogia do Blog. Tem camisa do Santa Cruz,  canecas, cobrinhas e até o álbum de figurinhas.

Não tem jeito, meus amigos. Quem é Santa Cruz não desgruda dele. Que seja assim. Neste sábado, vou estar ligado no jogo contra o Criciúma. Terça é o Bahia. E no outro sábado, dia 01, espero que a turma do marketing invente uma promoção do tipo “Turista Coral em Sampa” ou que eu arrume por aqui, uma turma boa de exilados Tricolores Corais Santacruzenses das bandas do Arruda que queira ir pro jogo contra o Oeste.

Dor x Esperança

O texto abaixo foi publicado no www.santacruzpe.com.br, o site oficial do nosso clube. Que por sinal, tá bem bacana e com notícias atualizadas. Fizemos questão de republicar, porque pra nós, Raniel é obra-prima que deve ser preservada.

Não é só por Grafite que a torcida do Santa Cruz espera. Raniel, um dos mais habilidosos jogadores revelados pelas divisões de base do clube nos últimos anos, está treinando com o resto do elenco para só voltar a campo no mês de setembro, quando termina a punição imposta pelo STJD.

Da suspensão e da cocaína encontrada em sua corrente sanguínea, qualquer um que acompanha minimamente o noticiário esportivo já está cansado de saber. O que poucos torcedores sabem é que, com ele dentro de campo ou proibido de jogar, o clássico Dor x Esperança é jogado todos os dias no coração de Raniel.

Desde pequeno, Raniel conhece o sofrimento de perto. Ainda criança, quando tinha apenas seis anos, seu pai morreu. Como e do quê,  não sabe. Nunca lhe contaram. “Só sei do rosto dele porque já vi umas fotos, mas não tenho lembrança nenhuma”. Atenção e carinho da mãe era uma coisa tão rara que uma ex-patroa dela, dona Dione, não aguentou ver o menino largado em casa, sem banho, sem roupas, sem cuidados e se ofereceu para criá-lo.

Dos oito aos 16 anos, Raniel viveu na casa dessa mulher, uma senhora cujos filhos já eram adultos. Ela pagou escola particular para o menino que, até hoje, só se refere a ela como “minha mãe”. Graças a Dione, ele pôde estudar até o oitavo ano do Ensino Fundamental e treinar na escolinha do Santa Cruz. Nessa época a Esperança virou o jogo e ganhava de goleada. O contato com a mãe biológica era mínimo e isso não era coincidência.

Uma tarde, quando voltava do treino de Futsal na quadra do clube, ele estranhou a movimentação em frente à casa onde vivia, perto do clube Madeira do Rosarinho. ‘Mãe’ Dione havia sofrido um ataque cardíaco e morreu no hospital. “Chorei sem parar, foi o dia mais triste da minha vida”. Naquele instante, a vida de Raniel havia mudado completamente.

Não havia outro jeito: ele teve de voltar para a casa da mãe, que a essa altura morava numa favela em Chão de Estrelas. Crack, cocaína e maconha passaram a fazer parte da rotina de todos ao seu redor. Era a Dor tomando as rédeas da sua vida novamente. “Todo mundo que eu conheço lá, cheira e fuma, mas eu sempre me mantive longe porque só tinha uma coisa na cabeça: ser jogador de futebol”.

Nesse período, as únicas refeições saudáveis que fazia eram aquelas servidas na concentração da base.
Então, numa festa da comunidade, madrugada de sexta para sábado de 2014, lhe ofereceram uma carreira de cocaína. Era a enésima oferta daquelas que lhe faziam. E a primeira que ele aceitou.

“Nem lembro do que senti. Sabia que ia ter um jogo do Pernambucano na quarta-feira, mas não imaginei que daria problema”. Deu. Nem jogar ele jogou, ficou no banco, mas foi sorteado para o antidoping. O resto da história é conhecida. Parecia que a Dor venceria o jogo da sua vida.

“Sinceramente, acho que o flagra no antidoping foi obra de Deus. Sem isso, talvez eu tivesse continuado a me drogar e jogaria tudo fora. O flagra e a ameaça de punição me deram medo, me fizeram parar para pensar no que eu quero mesmo da vida. Quero ser jogador de futebol, quero sair do Santa Cruz para o Real Madrid. Tenho bola para isso, confio no meu futebol”.

Hoje, Raniel vive num apartamento alugado pelo clube junto com a avó Marinalva e a irmã de 15 anos. Todos os meses, se submete a exames de sangue pagos pelo Santa Cruz para comprovar que está livre da cocaína. Todos os exames deram negativos.

Do mesmo jeito que Raniel, a Esperança é implacável nos contra-ataques.

O dia seguinte…

Amigos corais, estou começando a me preocupar com os momentos antes dos jogos do Santa.

Explico.

Como não podemos mais beber durante o jogo, estou mandando ver antes. E com cano de ferro.

Vou resumir para facilitar.

Domingo, lá pelas nove horas, acordei. Lembremos que o jogo foi no sábado, 16h30.

Olhei o cenário. Eu estava no colchão da sala, ainda com a camisa do Mais Querido, ainda com a camisa que vou para todos os jogos.

O placar?

Não lembrava.

Quem encontei antes do jogo e como cheguei em casa?

Nada.

Minha mulher acordou e perguntou:

“E ai, Barba, como foi o Santinha ontem?’

Glub.

“Ahm, foi legal, mais uma vitória”.

Ela foi tomar banho e liguei o rádio. Porra, será que ganhamos mesmo?

Notícias do rádio: Lava-jato, o aloprado do Eduardo Cunha, crise, crise, crise, o Brasil só pronuncia esta palavra.

“Vamos agora à resenha esportiva…”

Opa, é agora.

Fiquei torcendo por uma vitória.

“A cobra fez bonito: três a zero no Atlético”.

Ufa…

Detalhes dos gols. Eu só lembrava de alguma alegria, mas tudo era uma grande amnésia.

Silvinha saiu do banheiro.

“Quanto foi mesmo o jogo?’

“Três a zero”, respondi com uma rara certeza, já estufando o peito.

Depois fui ao Poço da Panela.

Naná disse que me viu antes do jogo, me deu dois ingressos que tinha sobrando, que conversei com ele etc.

Alguém por aí tem os telefones do pessoal do AA, aqui na região da Boa Vista ou Santo Amaro?

O foda é a morgada…

Amigos corais, o sujeito ser cronista semanal do Santa Cruz Futebol Clube é quase viver com transtorno tripolar.

Vejam a última crônica do senhor Gerrá Lima. Uma ode à vitória contra o CRB. Ele narra o segundo tempo. O Santa com com um homem a menos (após virar o primeiro tempo perdendo de 1 x 0), o campo molhado, chuva que só a gota, dez mil abnegados torcendo, e  o que faz o Mais Querido?

Joga 45 minutos de encher os olhos, vira o jogo e arranca os três pontos.

Então vem o jogo contra os alvirrubros, no sábado, naquela desgraça da Arena.

Segundo tempo com um jogador a mais (após um primeiro tempo meia boca total), o que faz o Santinha?

Não joga nada, leva o segundo gol e perde o jogo.

Terminou o jogo, fiquei com aquele sentimento de morgação na boca. Uma semana inteira com os duas-cores rindo à toa, cantando loas.

Hoje, não vou ver TV, nem escutar rádio, nem espiar jornais.

É a famosa Morgada, com M maiúsculo.

Só fui para aquela desgraça da Arena num jogo contra a Luverdense, para nunca mais.

Sei que a diretoria anterior negociou cinco jogos com a Arena, para esta Série B. Parece, inclusive, que é a própria Arena quem escolhe os jogos. Ou seja – fica só com o filé. Já imaginaram Grafite fazendo a estreia na Arena, e não no Arruda?

Escutem o que eu digo – se a gente for mesmo disputar 15 pontos naquele lugar sem alma, sem história, sem memória, sem a força da massa coral, estamos numa fria.

Por hoje é só.

Na bola e na raça

Meu caro Sama, tu não sabe o que perdesse! Com um a menos desde o final do primeiro tempo, perdendo de um a zero, viramos o jogo e vencemos por 2 a 1. Foi lindo! Um privilégio para os 10.000 tricolores corais santacruzenses das bandas do Arruda que puderam ir. Fazia tempo que eu não via um time jogar com tanta raça.

Rapaz, tu acredita que assim que entrei no estádio, levamos um gol? O cara cruzou alto da direita e nossa defesa, pra variar, dormiu no ponto.

Fiquei invocado. Perder em casa para um time treinado por Mazola Jr e que tem Pingo no ataque, seria o fim da picada.

Mas não demorou muito e tomamos as rédeas do jogo. Dominamos e sufocamos ele. Só faltava alguém pra botar a bola para dentro. Pena que Grafife ainda não está podendo jogar. O tal do Natan é de fazer dó. É a mais nova piada. Quando ele pegava na bola, um sujeito que estava perto gritava: tu né cachorrão não, tu é a molesta dos cachorrro. Murrinha!

O gol de empate estava bem maduro. Só que no finzinho do primeiro tempo, Sacoman, que já estava com amarelo, foi imprudente e deu um carrinho. Danado é que a jogada era uma saída de bola do nosso adversário. Pixotou geral, o tal do Sacoman. Aqui pra nós, esse rapaz parecia até que jogava bola, mas o bicho é fraco. Tem uma cara de menino criado com vó. Tu sabe que eu sou arretado com zagueiro que tem cara de menino buchudo.

Nessa hora da expulsão, um cidadão que estava um pouco atrás, gritou: “pqp, o cara sair de casa uma hora dessas pra ver uma merda dessa. Era melhor eu ter ficado assistindo faroeste na televisão”.

Bom, nossa sorte é que o primeiro tempo acabou.

Ao meu lado, um senhor gente boa sentenciou: “a gente vira esse jogo, você vai ver”.  Bicho, o treinador fez umas mexidas e acertou em cheio na arrumação do time. Tirou o Cachorro da Molesta e botou Nininho. Puxou Bruninho pro meio, deslocou Marlon pra zaga e Renatinho caiu mais pra lateral-esquerda. Pense numa ciência que deu certo! Mesmo com um jogador a menos, continuamos donos da situação. E aí, João Paulo, como nos velhos tempos do estadual, destruiu. Fez um golaço. Saiu driblando e, de fora da área, bateu no canto do goleiro.

Fomos ao delírio. Rapaz, eu vi a hora o senhor gente boa, o que disse que iríamos virar, ter um troço. Ficou pálido e massageando o coração. Em pensamento eu pedi a ele: “homi, num morra agora não. Imagina, se ele tivesse um troço”.

O time continuou pra cima. Dominando. Jogando bem e a torcida jogando junto. Imagine que até Nininho estava bem em campo. O segundo gol era somente questão de tempo, só que o cansaço e o desgaste foi batendo e teve nego que não aguentou. Quando Marcelotti quis dar um gás no ataque e chamou Luizinho, Marlon pediu penico. Entrou Néris. O bicho segurou a onda. Não comprometeu. Jogou bem. Um pouco depois, nosso técnico chamou Luizinho. Renatinho tava morto e saiu. E não é que viramos! E foi Luizinho quem partiu pra cima e cruzou rasteiro pra nosso artilheiro Anderson Aquino decretar a vitória.

Camarada, daí pra frente nem lembrei da minha sinusite e dor na garganta, quando o time deles pegava na bola, me esgoelava gritando e vaiando.

O senhor do meu lado estava ao ponto de enfartar. Tenho pra mim que de lá ele foi direto pro Unicordis.

Ao apito final, a alegria tomou conta. Nada melhor do que ganhar na bola e com raça. Quando isto acontece, a massa coral se acha verdadeiramente representada em campo.

Ganhamos, poeta. Ganhamos. O time é outro.

O povão está em festa!