Menino pobre, criado nas vias marginais da cidade, nasceu com o dom de saber jogar bola e o destino quis que ele fosse treinar futebol.
Para nossa sorte, veio para o Santa Cruz.
Por um descuido, vítima da imaturidade e de todo um contexto social, o jovem atleta, empolgado por ter sido promovido para os profissionais, festejou e exagerou na dose. Era uma sexta-feira que antecedia a rodada do final de semana. Escalado pra jogar no domingo, foi pego no antidoping e a casa caiu para Raniel.
Sobre Raniel, transcrevo aqui, parte um comentário postado por Eduardo Ramos, no texto anterior.
Raniel não é um algoz. Raniel é vítima do meio onde vive, ou vivia, onde as drogas são vendidas e consumidas sem que haja ações efetivas e eficazes dos poderes públicos para coibir o tráfico e, por conseguinte, o consumo.
Daqui a pouco, lá no Rio de Janeiro, Raniel vai ser julgado de forma definitiva.
Pelo que vi, depois do que for decidido, não caberá mais nenhum tipo de recurso por parte do Santa Cruz.
Espero (e torço) que não punam o garoto com o afastamento dele dos gramados. Isto seria fechar todas as possibilidades de recuperação social. Seria mandá-lo de volta para o mundo da marginalidade.
Aguardemos que o STJD julgue o caso usando também o recurso da sensibilidade e responsabilidade social. Que aja sem hipocrisia e permitam que Raniel faça o que sabe e gosta: jogar bola.
Eu tinha uns seis anos, quando meu pai me levou pela primeira vez ao Arruda. Depois daquele dia, era um dos programas de lazer que mais fazíamos juntos. Normalmente, ficávamos nas sociais e, vez por outra, minha mãe nos acompanhava.
Hoje, o coroa prefere ouvir pelo rádio ou assistir pela televisão e eu continuo indo ao estádio.
Daquele tempo para cá, muita coisa ficou diferente. O Arruda aumentou de tamanho, acabaram com o torneio inicio, não vendem mais rolete de cana e a cerveja está proibida.
O que não mudou foi a polícia.
Certa vez, meu pai e os amigos dele resolveram ir para as cadeiras. Era jogo de grande público. Mais de 45.000 pagantes. Olhando da corcunda do meu velho, aquele mar de gente enchia meus olhos de beleza. Fomos para as cadeiras. Com o ingresso na mão, nos deparamos com um tumulto enorme na entrada. Não havia torcida organizada, mesmo assim a polícia meteu o cacete pra cima. Um amigo do meu pai resolveu questionar e levou uns gritos. Foi chamado de “Seu Merda” e outros adjetivos.
Teve outra ocasião, eu já adulto, em que fomos ver Santa Cruz x Ypiranga. Meus primos haviam telefonado avisando que estavam vindo da Capital da Sulanca, mas como o jogo era a noite, iriam direto pro Arruda. Fui com meu pai e ficamos na arquibancada. Era um jogo de pouca torcida, daqueles que você assiste sentado no cimento.
No intervalo, saímos caminhando tranquilamente pela arquibancada e fomos em direção ao local onde estava o grupo de torcedores do time de Santa Cruz do Capibaribe. Fomos impedidos pela polícia de atravessar para o outro lado. Tentei argumentar que apenas iria levar meu pai para cumprimentar alguns parentes. Meus primos e alguns conhecidos acenavam de lá. Não houve acordo. Meu pai perguntou a um dos fardados: “você acha mesmo que eu nessa idade vou brigar com alguém?”
“Fique calado. Eu já disse que não pode. Vai, sai daqui, sai!”, o policial retrucou e foi pegando no cassetete em tom de ameaça.
Já passei sufoco na ilha, nos aflitos e em Caruaru.
No Agreste, foi num jogo contra o Central. Alugamos uma Van e saímos daqui por volta das 18h. Tínhamos duas horas e meia para chegar lá, mas o senhor que foi dirigindo não passava de oitenta quilômetros nem a pau. Chegamos em cima da hora. Perguntamos a um policial qual era a entrada da torcida do Santa, ele educadamente apontou indicando o portão de acesso.
Corremos e entramos no Lacerdão.
Para nossa surpresa havíamos emburacado no meio da torcida adversária. Até aguardente jogaram na gente. Por pouco o pau não cantou. A polícia chegou no empurrando. Por mais que tentássemos explicar o ocorrido, era em vão. Ele pareciam que tinham sido treinados para não escutar. Depois de muita discussão, bate-boca e ameaça de prisão, nos levaram para o lado dos tricolores.
Na ilha e nos aflitos, por duas únicas vezes inventei de ir para as cadeiras e passei por situações complicadas.
No campo do Sport, na entrada das cadeiras, uma multidão tentava entrar. Já estava quase na hora do jogo começar, mas haviam fechado os portões.
Começou a confusão.
Todos mostravam seus ingressos, mas a polícia já chegou botando os cavalos por cima de todos. Vi um senhor levar uma queda e seu filho, um pirralho de uns dez anos, cair desesperadamente no choro. Depois de muito empurra-empurra, gente pisoteada, conseguimos entrar. Lá dentro estava explicado o tumulto. Haviam vendido mais ingressos do que deviam. Meu amigo, Alexandre, assistiu ao jogo sentado nos degraus.
Já nos aflitos, na primeira partida da decisão de 2002, fomos para as cadeiras e antes do término da partida, resolvemos ir embora. Chovia bastante naquele dia.
Era eu, minha esposa e Alexandre.
Sob o argumento de que quem devia sair primeiro era a torcida do Santa Cruz, a polícia nos impediu de deixar o estádio..
“Senhor, a gente torce pelo Santa Cruz”, eu disse e mostrei minha carteira de sócio. “Mas aqui é o local da torcida do Náutico”, ainda calmo, respondeu o policial.
“A gente tá vindo das cadeiras. Lá também é da torcida do Santa Cruz”, argumentou Alessandra. Ela ainda tentou contemporizar, mostrando que fazia parte do TJD.
“Não importa, senhora! Por aqui vocês só saem depois. É a ordem”, o policial respondeu e já foi botando o cassetete na altura dos nossos peitos. Éramos apensas três. Eles eram uns dez.
Nossa sorte foi um amigo jornalista que ia passando e nos levou junto com sua equipe de trabalho.
Eu poderia aqui traçar várias e várias linhas com situações parecidas como estas. Conheço infinitos casos de amigos que também já foram vítimas desse eterno despreparo da polícia.
Levante a mão, quem não já viveu esse tipo de experiência.
Nós que fazemos o Blog do Santinha, apoiamos na íntegra a nota oficial emitida pelo Santa Cruz.
O Santa Cruz Futebol Clube vem tornar público seu repúdio veemente à violência sofrida pela sua torcida no acesso ao Estádio da Ilha do Retiro, no clássico de domingo, 5 de abril de 2015. A violência que atingiu os torcedores do Santa Cruz não foi casual. É consequência da recorrente falta de estrutura oferecida pelo clube mandante para receber a torcida visitante. Na ocasião, foi disponibilizado apenas um portão com poucas catracas para o acesso de quase 6 mil torcedores, causando tumulto e retardando a entrada ao estádio, como vem se tornando praxe nos clássicos realizados entre os dois clubes na Ilha do Retiro. Esse descaso gerou uma aglomeração desnecessária diante do portão mencionado, onde homens, mulheres, jovens e crianças ficaram expostos a riscos como empurra-empurra e confrontos com grupos de torcedores rivais, conforme pode ser comprovado por uma série de fotos que circulam desde ontem nas redes sociais. A garantia do acesso tranquilo, ordeiro e seguro para a torcida visitante é um dever do clube mandante. A negligência – deliberada ou não – não pode ficar impune. O Santa Cruz Futebol Clube cobra da Federação Pernambucana de Futebol que os fatos sejam devidamente apurados e, confirmada a responsabilidade, que o clube mandante seja punido nos termos do Estatuto do Torcedor e do Regulamento do Campeonato Pernambucano. Também causaram perplexidade as imagens veiculadas pelas emissoras de TV e redes sociais da truculência de alguns policiais militares que deveriam garantir a segurança de homens, mulheres, jovens e crianças, mas, ao contrário, agrediram de forma covarde aqueles que eram as vítimas da incompetência e negligência alheias. Não foi a primeira vez que torcedores e imprensa relataram agressões gratuitas praticadas por alguns policiais militares completamente despreparados para lidar com os torcedores que frequentam os estádios pernambucanos. Não queremos acreditar que a violência praticada por alguns agentes do Estado esteja relacionada ao preconceito de setores da sociedade contra as camadas de mais baixa renda da população, exatamente o estrato social que caracteriza a torcida coral. Por isso, o Santa Cruz Futebol Clube espera que o Governo do Estado de Pernambuco identifique e puna exemplarmente os responsáveis. E que, de uma vez por todas, a postura da Polícia Militar passe a ser de respeito aos torcedores e suas famílias, independentemente das cores do seu time de coração.
Amigos corais, acabo de desligar o rádio sem sofrer um colapso cardíaco. Gol de empate no apagar das luzes e a massa coral fazendo festa na Ilha.
Saí à janela do meu apartamento e gritei:
“A cobra coral está chegando, porra!”
Depois, abri a primeira latinha do dia (é verdade, se eu beber durante transmissão pelo rádio, fico meio louco), vim escutar os jogadores do Santa, saindo de campo.
Peitos estufados. Discurso da raça. Que iriamos buscar a vitória até o fim o jogo. Que vamos fortes para a semifinal.
E o detalhe típico coral. O atleta João Paulo com a camisa sangrando, no lance do gol.
Sangue e suor.
Os críticos de plantão vão botar defeito nisso, naquilo, mas o importante é que o time saiu da Ilha com um empate que teve gosto de vitória. Jogamos grande parte do jogo com um jogador a menos.
Agora é contar os dias para o primeiro jogo. Arruda entupido de corais.
ps. Agora começou a choradeira do Náutico. Não tenho paciência.
Nada como uma Sexta Feira Santa para seguir minha breve (e inútil) série de textos sobre a imbecilidade que é proibir a venda de cerveja nos estádios, sob o argumento de que ela gera mais violência.
Os diversos comentaristas deste afamado Blog são rápidos nas críticas à situação financeira do clube, como se isso – a falta de dinheiro – não tivesse relação com a capacidade administrativa de gerar soluções, prever problemas, conseguir pagar atletas de maior qualidade. Nossos apaixonados corais esquecem que temos pouquíssimas (e fracas) fontes de renda. Ou será que o PSG é um dos melhores do mundo só por causa da eficiência administrativa?
Nossas fontes: o dinheiro dos sócios em dia (que não é lá essas coisas); o dos jogos no Arruda (que não estão sendo muitos), e o da cota da TV (que é uma merreca, se olharmos o tamanho do Santa).
O dinheiro da venda de cerveja, pelo clube, é uma fonte importantíssima de renda para o Santa, que tem uma torcida que costuma lotar seu estádio. Outro dia conversei com um especialista da área e ele me informou que o cálculo é simples – uma média de três latinhas por torcedor. Ou seja, um público de 15 mil pessoas = 45 mil latinhas. Faz falta não? Do ponto de vista estratégico, essa aprovação vai ter um impacto enorme nas finanças corais.
O Sport, nosso principal rival, recebe seu cheque de R$ 3 milhões por mês. Vai se preocupar com o trabalho de vender cerveja? O Santa, este ano, vai receber, salvo engano, R$ 300 mil (por mês) de direitos da TV pela Série B. Além disso, começamos o ano sem dois patrocinadores: Copa do Nordeste e Copa do Brasil. Só com o time em campo, entra dinheiro no Arruda.
Depois escreverei sobre outra aberração em nosso futebol, que é a tendência à “espanholização” do futebol brasileiro, com base no excelente estudo de Emanuel Ferreira Leite Júnior, intitulado “As cotas de televisão do Campeonato Brasileiro: O “apartheid futebolístico” e o risco de “espanholização”.
Mas voltemos ao tema.
Se Pernambuco seguir a tendência nacional, a aprovação da venda de cerveja nos estádios vai ser até natural. Vejamos alguns exemplos de liberação que não representaram incremento nenhum na violência nos estádios:
Bahia – Liberou. Felizes os baianos;
Rio Grande do Norte – Liberous. Viva os potiguares;
Goiás – Uma liminar na Justiça garante a venda da cerva gelada. Grandes goiano;
Rio Grande do sul – Em 26 de fevereiro, a Câmara de Vereadores de Porto Alegre aprovou a venda (faltava a sanção do prefeito). Cerveja com chimarrão;
Espírito Santo – Venda liberada após votação na Assembléia Legislativa, em dezembro de 2014 (dos 24 deputados, 20 votaram a favor). O governador, que tem nome de jogador, Casagrande, já sancionou o projeto. Viva o Espírito Santo;
Paraná – A caminho, graças à união dos três grandes (que deveria acontecer aqui).
Vejam que ótima iniciativa. No começo de março, Atlético Paranaense, Curitiba e Paraná se juntaram, contrataram um escritório de advocacia fuderoso e entraram na Justiça, para liberar a venda de cerveja nos estádios paranaenses, proibida desde aquela onda conservadora-proibitiva que assolou o país, entre 2009 e 2010);
Pernambuco – Em tramitação. A favor, somente Náutico e Santa. Federação Pernambucana e Governo do Estado apoiam na surdina, mas não se pronunciam.
O projeto está agora na Comissão de Saúde, esperando o voto da relatora Simone Santana, para ir a votação em plenário. Vale lembrar que a cervejaria Itaipava, que patrocina a Arena Pernambuco, tem um contrato anual de R$ 10 milhões, e já pensa em sair. Como o sujeito vai patrocinar a sua marca de cerveja se o seu produto é proibido?
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Nestas muitas pesquisas que fiz, li inúmeros artigos, consultei portais, mas no portal do Grêmio na ESPN, assinado por Fernanco Risch (www.espnfc.espn.uol.com.br/grêmio) que encontrei alguém que pensa parecido comigo. Como hoje é Sexta-Feira Santa, e ainda nem molhei o bico com vinho, não vou ficar gastando meu latim. Vejam o que diz o nobre gremista:
“Autor do projeto que criou o veto às bebidas alcoólicas nos estádios, o deputado estadual Miki Breier (PSB-RS) já refuta a decisão da Câmara, alegando que, com a liberação, haverá mais violência nos estádios. Além disso, o deputado, em sua conta no Twitter, afirmou: “Vereadores de Porto Alegre poderiam ajudar na busca de segurança, restringindo o consumo de álcool ao
redor dos estádios, não liberando”.
Segundo a lógica do conservador Breier, para diminuir a violência, há de se proibir o álcool, pois ele seria a força motriz que leva uma pessoa a dar um soco no rosto da outra. Concordo que o álcool desinibe o ser humano a ponto de coisas absurdas, mas não é assim que se resolve um problema”.
Ele cita um fenômeno que ocorre nos estádios que têm proibição, e que já vi várias vezes (onde eu viajo, vou a estádio);
“Mas, já que o assunto aqui é bebida alcoólica, algo que ainda não é proibido no Brasil ao ponto de algum Al Capone contrabandear uísque, há também o álcool nos estádios. Torcedores entram com luvas cirúrgicas, cheias de vodka ou uísque, escondidas nas cuecas. Não é algo que se detecte, por mais que se reviste bem. No estádio, compram um refrigerante e misturam a bebida. Ninguém
percebe”.
E prossegue:
“Na Arena, já vi um torcedor abrir uma garrafa de cachaça na minha frente. Uma garrafa nova de cachaça. Eu ouvi o rótulo se romper. Depois de servido em um copo de Coca Cola, fui oferecido com a bebida. Tomei um gole pra ter certeza. Posso dizer que uma cervejinha teria caído bem melhor”.
Ele cita o caso da Copa do Mundo, onde adversários, lado a lado, assistiam aos jogos sem confusão.
“Não é a cerveja que dá um soco, é um ser humano estúpido”.
“Argumentos como este do deputado Miki Breier, que para diminuir a violência basta proibir o álcool, é compatível em dizer que, para evitar que as mulheres sejam estupradas na rua, elas devam ser atadas no pátio de casa, para que não corram riscos transitando pela cidade; argumentos como este são os mesmos que pedem torcida única nos clássicos, para evitar que adversários se digladiem”.
Para encerrar meu texto de hoje, pesquei o comentário do meu conterrâneo, o cearense e blogueiro Gabriel Lobo, no texto de Risch.
Ele diz que o vice-líder do Governo, Evandro Leitão, deputado estadual e ex-presidente do Ceará, propôs uma votação sobre o tema na Assembléia Legislativa. Ele é a favor da venda de bebidas, alegando que seu uso não é a principal causa de violência nas praças esportivas.
“No entanto, nesta semana, um grande absurdo chegou a ser debatido por uma deputada completamente lunática, Silvana Oliveira, pedindo uma votação estúpida (ao meu ver). A deputada, além de ser contra a venda de bebidas, sugeriu que nos estádios de futebol do Ceará sejam colocados bafômetros nas entradas para impedir que o torcedor que ingeriu qualquer tipo de bebida possa adentrar para assistir ao jogo”, diz Lobo.
Amigos, vamos à luta. Se a idéia da deputada chegar à AL de Pernambuco, estamos é perdidos.
Já pensaram, chegar ao Arrudão e encontrar um Bafômetro, junto à entrada? Seria a glória do falso moralismo, que vai reinando país afora.
Eu não sei como seria nas sociais, mas as arquibancadas ficariam às moscas.
Amigos corais, na semana passada entrevistei o deputado estadual Antônio Moraes (PSDB). Não o conhecia pessoalmente. É um senhor de 61 anos, muito educado, gentil, conversa franca, me deixou boa impressão. Torce pelo Náutico e é uma voz quase solitária na Assembléia Legislativa, quando o assunto é o retorno da venda de bebidas nos estádios de futebol de Pernambuco.
Caso vocês não saibam (embora estejam sofrendo na goela), desde abril de 2009, foi proibida a venda de qualquer bebida alcoólica em nossos estádios. O projeto de lei 13.478 , apresentado pelo deputado Alberto Feitosa (PR) foi aprovado com tranquilidade (na verdade, quase por unanimidade). Estamos há seis anos vivendo com essa bobagem monumental.
Pois bem. Em 2013, Moraes resolveu ir à luta. Convocou uma audiência pública e levou para a Assembléia o Ministério Público, Federação Pernambucana de Futebol, Juizado do Torcedor (que se posicionou a favor, inclusive mostrando números favoráveis). Não havia nenhuma conexão real entre venda de cerveja x aumento da violência, porque neste período de abstinência, teve gente morta a tiros (defronte aos Aflitos) ou vítima de arremesso de uma privada (no Arruda).
O deputado descobriu que o projeto tinha grande chances de ser aprovado. Naquele momento, tinha apoio da Federação Pernambucana, dos clubes, do Governo do Estado (até porque a Arena construída em São Lourenço se chama “Arena Itaipava”). Começou a tramitar com o projeto, que já fora aprovado, inclusive, por três comissões da AL.
Com o passar do tempo, viu que “ninguém botava a cara nem se posicionava”. Ele defendia a volta da cerveja aos estádios, apresentava os argumentos, mas, na mídia, “era o único que mostrava a cara e levava chumbo”. Pela falta de apoio, decidiu tirar de tramitação. Se avançasse e fosse derrotado no plenário, era o fim do projeto (pois teria que começar da estaca zero, passar por três comissões novamente etc).
No dia 18 de novembro de 2014, sentiu que era o momento. O Brasil sediara uma Copa do Mundo que teve cerveja em todos os estádios. Pediu o “desarquivamento do Projeto de Lei 2153/2014”. Peguei uma cópia do documento. Há um parágrafo lindo:
“II – é autorizada a venda e consumo de bebidas alcoólicas em bares, lanchonetes e congêneres destinados aos torcedores, bem como nos camarotes e espaço VIP dos estádios e arenas, sendo que a venda deve iniciar 02 (duas) horas antes de começar a partida;”
Desta vez, uma novidade: o presidente do Sport se posicionava contra.
O projeto foi a votação. No plenário, estavam 25 deputados. Para ser aprovado e já valer, precisava de maioria simples – 13 votos.
“A gente tinha 18 votos certos”, lembra Moraes.
Mas há, na Assembléia, a “Bancada Evangélica”, com 10 deputados. O discurso deles é que vai aumentar a violência, que é um retrocesso etc. “Eles acabam influenciando outros deputados que nunca foram a um estádio”, diz Moraes, que é torcedor do Náutico e gosta de ir a campo.
Na hora da votação, o deputado Clodoaldo Magalhães decidiu “pedir vistas” para estudar mais o projeto e dar seu voto. Como estava encerrando a legislatura, o projeto foi arquivado.
Bem, para a conversa não alongar muito, o projeto já foi aprovado em duas comissões, está na Comissão de Saúde, e caminha para uma nova votação. Há uma possibilidade real de aprovação, mesmo com a posição contrária do Sport e o “em-cima-do-murismo”, do Governo do Estado (que não mostra a cara, mas se for aprovado, vai gostar muito).
Além disso, Alberto Feitosa, considerado “um calo” na tramitação do projeto, se afastou da Asembléia. Em fevereiro, assumiu a Secretaria de Saneamento da Prefeitura do Recife. Que faça uma grande obra de saneamento na nossa cidade e nos deixe, nós torcedores, em paz com nossa cerva gelada os 90 minutos.
Para Moraes, não faz o menor sentido continuar tendo esta proibição de vender bebida nos estádios de Pernambuco, quando estados como Ceará, Rio Grande do Norte, Santa Catarina, Bahia, já liberaram. “Há estados que nunca proibiram, como Goiás”, diz.
“O que está acontecendo é que o entorno dos estádios se tornou um imenso bar a céu aberto. As pessoas enfiam o pé na jaca antes de entrar. Não está ajudando nada, o torcedor esta, isso sim, é bebendo muito mais, chegando em cima da hora. Além disso, os clubes estão tendo uma perda financeira enorme. O próprio Estado, que tem uma Arena batizada de “Itaipava” poderia ser beneficiado, já que a Arena está dando prejuízos”.
Para a aprovação (sem data certa para ser votada), Moraes conta com um único aliado de verdade – o torcedor, que vai a campo, acompanhar seu time.
“As redes sociais têm grande força”, diz.
Em outras palavras, a bola agora está com a gente. Vamos mexer?
Aquela jogada ainda não saiu da minha cabeça. Vez por outra, ela bate na porta da minha cachola e aí, eu fico me lembrando daquela pintura lance.
Ele acabara de entrar no jogo. Já estamos no segundo tempo. A partida está empatada e a torcida impaciente.
O garoto pega a bola na lateral do nosso meio-campo. Ginga o corpo franzino pra lá, faz que vai driblar, engana os marcadores, surpreende a todos os presentes e toca para o companheiro que parte pela direita e puxa o contra ataque.
Pelo meio, o menino abusado deu o passe e partiu na carreira. Preto, de pernas finas, com passos firmes, ele conhece como ninguém cada folha daquela grama. O rapaz voa pelo gramado e acompanha a jogada.
Dono de uma personalidade de quem já nasceu craque, ele não tem medo e pede a bola.
“Eu, eu, eu”. “Toca, toca, toca”.
Recebe o passe e, com a coragem de quem tem intimidade com a pelota, numa fração de segundos, ele olha a barra, vê onde o arqueiro está colocado, mira e bate de primeira.
O goleiro nem se mexeu. Ficou estático. Parado. Apenas girou a cabeça e assistiu à bola entrar caprichosamente no fundo da rede.
De onde eu estava, lá longe, no alto, do outro lado e em posição diagonal, não consegui acompanhar a trajetória da bola. Até achei que tinha sido um chutezinho qualquer. Uma cafofa. Só me dei conta do fato real, quando vi o barbante sendo estufado e o grito de gol ecoando pelo nosso estádio.
Golaço. Gol do caralho. É gol, porra!
Pulei da cadeira. De punhos fechados e coração batendo forte, vibrei com há tempo eu não fazia. Fiquei em êxtase.
Ao meu lado, uma moça se abraçou com um amigo. Um pirralho, na faixa de uns treze pra catorze anos, quase leva uma queda nas escadas.
A vibração da torcida foi algo diferente. Foi um ato coletivo de carinho. Não apenas pelo gol, nem somente pela grande jogada, mas pelo ator principal.
“Tinha que ser dele. Tinha que ser dele”, gritava um senhor.
Sim! Claro! Concordei plenamente.
Aquele gol era para ser dele. Não podia ser de mais ninguém.
“Esse menino não merece chibata e castigo. Ele merece é jogar, jogar e jogar”, eu falei.
Ontem, antes de dormir, eu revi o lance.
Cada vez que vejo, parece que o gol fica mais bonito.
Hoje pela manhã, um colega chegou e perguntou se eu havia visto o gol que um tal de Soares fez no jogo Barcelona e Real Madrid. Descreveu toda a jogada e ao final falou que foi um golaço.
“Vi não. Nem assisti ao jogo. Duvido que tenha sido mais bonito do que o gol que Raniel fez sábado”, eu disse.
Amigos corais, costumo levar o radinho para o estádio, mas no jogo de ontem, fiquei surpreso. Ante de começar o jogo, o repórter entrou ao vivo, para entrevistar o presidente Alírio Moraes, que recebia nas tribunas do Arruda Jane Andrade dos Santos, coordenadora e parte da equipe técnica do escritório do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) para os estados de Alagoas, Paraíba e Pernambuco.
Unicef? Santa Cruz?
Eu não tinha bebido nada. Pensei estar delirando, já que acusam o presidente coral de ser um “Delírio”.
Não estava. Era uma ação estratégica de comunicação e marketing do clube, sob a batuta de Jorge Arranja, Inácio França e Laércio Portela.
“O convite foi feito em razão do novo momento pelo qual passa o clube”, explicou-me o senhor Inácio França, em entrevista exclusiva hoje de manhã, após a XII Corrida das Pontes.
A lógica é simples, mas nem todo mundo consegue associar simplicidade com a marca de um clube centenário como o nosso.
“Com a política de zerar o déficit do clube, o Santa Cruz está saindo da “clandestinidade” administrativa e fiscal. Por isso, precisa estar aberto para a sociedade, assumindo as responsabilidades de um clube de futebol na formação dos valores de todas as crianças e adolescentes, não apenas da sua torcida”, continuou Inácio, enquanto mastigava uma singela barrinha de cereais e lembrava do aniversário do filho Bruno.
Após pegar a medalha por ter completado bem a prova (não me disse o tempo), França seguiu detalhando a iniciativa, e o que ela pode representar.
“Uma das responsabilidade de todos os clubes de futebol, não apenas o Santa Cruz, é o de reconhecer que tem um papel de formação moral e social das crianças, adolescentes e jovens. Por isso, o santa se coloca à disposição do Unicef para eventuais campanhas e projetos que envolvam o esporte educacional. Afinal, um clube de futebol pode alcançar corações e mentes de uma forma que nenhuma outra instituição consegue”.
Creio que só amanhã, com as matérias dos jornais e TVs, teremos uma ideia de como isso repercutiu na mídia.
A vitória dentro de campo e a classificação nos deixaram aliviados nesta caminhada de 2015. Demos um enorme passo para fortalecer o grupo de atletas, o treinador e todo um trabalho, que está apenas começando.
Fora de campo, o Santa Cruz começa a pensar em outros caminhos, novos rumos, horizontes.
Ou seja, nada nos impede de sermos um grande clube dentro e fora de campo.
Ps. Já tive oportunidade de trabalhar como consultor do Unicef, o suficiente para dizer que Jane Santos é uma grande mulher, amiga e torcedora apaixonada da Cobra Coral, filha de outro grande torcedor. Imagino a emoção que viveu, ao ser convidada pelo presidente para se associar ao programa “Sou Santa Cruz de Corpo e Alma”. Vou pedir que escreva sobre esta experiência.
Amigos corais, estou contando nos dedos os pontos para a classificação. Depois, começa outro campeonato.
Este ano, temos algo no horizonte esportivo, dentro e fora das quatro linhas. Vejo, sinto e percebo, na torcida rubro-negra, uma preocupação que beira ao pânico.
“A cobra coral não está morta!. Eles podem passar para o quadrangular final!”
Pior: O Santa cruz pode chegar à final do Estadual de 2015.
Sim, estou botando o carro em cima dos bois, mas quem deve ser razoável e racional é um economista, advogado, engenheiro, médico. Cronista coral não pode ter nada disso em seu cérebro. Deve ser totalmente irracional. Deve prever sempre o melhor, o imponderável, o impossível.
Os comentaristas de plantão vão dizer que temos problemas em várias posições do time, que o treinador é isso, que falta aquilo, há uma seleção de resmungões profissionais aqui no Blog do Santinha, mas o fato é que o Santa Cruz mudou, nos últimos anos, o equilíbrio emocional com o rival preto e vermelho.
Foram três lapadas seguidas, que deixou o time leonino na lona. Só perdemos aquela semifinal do ano passado porque aquele triste do Vica resolveu se acovardar. Nem gosto de lembrar daquele jogo fatídico, que nos levaria à beira do tetra.
Cada vez que encontro um rubro-negro e começamos a conversar sobre os muitos problemas nacionais, sinto no ar aquela nuvem escura em cima deles. É aquele incômodo existencial:
“Será que essa praga do Santa Cruz vai para a final com a gente, de novo?’, é o que sinto o rubro-negro pensando.
E uma suor frio de tensão vai escorrendo pela testa.
Então, camaradas, vamos logo comprar os ingressos para sábado. É jogar bem, ganhar e avançar na classificação e pensar nas finais.
Eu nunca imaginei que um dia, alguém iria telefonar para mim, me convidando para um aniversário de cem anos.
Meu celular toca.
“Oi Gerrá. Sou Catarina, tudo bom? Você não me conhece. Peguei teu número com fulano de tal (desculpem mas não prestei atenção ao nome de quem deu meu número a Catarina). Sabe o que é? É que meu avô vai completar 100 anos. E vamos fazer uma festa para ele, lá em Bezerros. Ele é torcedor do Santa Cruz. Será que vocês poderiam levar a Minha Cobra para festa do meu avô?”
Daí pra frente foram trocas de e-mails, telefonemas, mensagens, etc. Aos poucos a história foi se organizando. A turma de Catarina mandou buscar a Minha Cobra e fez questão de contratar a orquestra oficial da Troça.
Domingo passado, fomos participar dos cem anos de Seu José de Félix.
Uma festa linda. Daquelas que contagia o mais morgado dos seres humanos. Festa que fica registrada no caderno da memória.
A princípio, tentamos organizar uma VAN para nos levar. Samarone foi o primeiro a botar o nome na lista. Inácio se animou, mas logo deu pra trás. Boy, Ninha e Naná confirmaram presença. Na lista já tinha dez nomes. Mas faltando uns três dias para o evento, o povo foi farrapando. Dos dez que deram o nome, oito já haviam desistido. Pra não correr risco, resolvi ir de carro. Chamei um conhecido que não bebe, para dirigir e nos mandamos para Bezerros. Eu, Alessandra, Esequias e Maria.
Chegamos antes da missa que foi celebrada em ação de graças. A capela da casa de recepção tava lotada e ficamos embaixo de um toldo colocado ao lado da capela. Nossa curiosidade era ver o aniversariante de perto, afinal de contas não é nada comum se encontrar por aí, alguém com um século de vida.
Seu Zé de Félix chegou. Esbanjando alegria e com um sorriso no rosto, foi recepcionado pela banda marcial Cônego Alexandre.
Um senhor que estava ao meu lado disse baixinho, “ele foi trombonista dessa banda”.
Ao meu lado, Esequias comentou, “Gerrá, o véi tá inteiro todo”.
“Meu irmão, tem nego que não chega nem nos oitenta nessa forma aí”, eu disse.
A paixão e o amor pelo Santa Cruz forma herdados do pai. Seu Félix, pai de Seu José, chegou a jogar no Santa Cruz. Era do tipo que torcia pelo Santa até assistindo videotaipe de jogo. “Mesmo sabendo que o Santa tinha perdido, meu bisavô assistia os videotaipes e ficava torcendo para o Santa Cruz empatar”, me disse Catarina.
Seu Zé de Félix mora em Vitória de Santo Antão. Escuta tudo que é resenha e é frequentador assíduo do Arruda. Sócio em dia, este ano ele foi até para os amistosos. Seu clã é formado por nove filhos, 20 netos e 10 bisnetos.
Certa vez, há uns três anos atrás, ou seja, aos noventa e sete anos de idade, Seu Zé de Félix saiu de Vitória com uns amigos para um jogo do Arruda. Chegaram em cima da hora, no corre-corre, compraram ingressos do Todos com a nota, se mandaram para o anel superior e deram de cara com a Inferno. A torcida foi ao delírio, “uh, terror! O vovô é tricolor!” e Seu Zé fez a festa da galera. Assistiu à partida e ao final foi escoltado por alguns integrantes da organizada até onde o carro estava estacionado.
Ontem, perguntei a Catarina: “E aí, vocês vão domingo?”
“É claro. Vovô, papai, meus primos, todo mundo!”
Não sei se ela me incluiu nesse todo mundo, mas domingo eu também vou.