Vica, o energúmeno

Sobre o Santa Cruz, sempre escrevo aquilo que me vem à cabeça e ao coração, em geral de um rompante, sem pensar muito, com o sangue fervendo, as lágrimas correndo ou a alegria transbordando. As exceções são uma ou outra fofoca que me contam, porque quem conta já espera vê-las publicadas no dia seguinte. E como não sou de frustrar fofoqueiros, mando ver no teclado.

Desta vez não. Desliguei o achômetro e, antes de escrever, escutei ou procurei a opinião de muitos e bons corais. Gerrá, coronel Peçonha, meu filho Pedro, meu sogro Aurílio, Guila Calheiros, Carlinhos, o porteiro Zé Carlos, Allan Robert, Claudemir Mameluco, um sujeito da academia de musculação que eu não sei o nome…

Entre todos, uma unanimidade: fomos eliminados porque Vica é covarde. Ou frouxo. Ou bundão, o que, no final das contas, dá na mesma.

Digo mais: além de medroso, é estúpido até dar uma dor.

É líquido e certo que torcedor que é torcedor sempre procura um culpado mais fácil para crucificá-lo e sangrá-lo em praça pública. Técnicos são sempre os culpados mais a mão. E quando o sujeito põe o time para jogar do jeito que ele pôs, ah, meu amigo, joguemos pedra na Geni porque ela é feita para apanhar.

Vica saiu do campo dizendo para os microfones “não estamos tendo saída de bola”. Iludidos, imaginamos que o time voltaria pronto par dar o bote ao menor erro adversário, afinal jogávamos por uma única e solitária bola, umazinha jogada que mataria o adversário como matou três vezes seguidas em três anos seguidos. E olhe que, desta vez, o adversário cometeu erros repetidamente, entregando bolas bobas na entrada da nossa área.

Então, eis que o treinador tenta uma mágica: recuou ainda mais o time para resolver a saída de bola. Algo como chegar a Porto Alegre pegando um ônibus para Manaus. Como isso seria possível? Sei lá, pergunte a ele.

A crônica do segundo tempo poderia ser resumida assim: Sport-no-ataque-erra-o-passe-defesa-do-Santa-dá-chutão-pra-frente-volta-a-bola-pro-Sport. Assim, 255 vezes. Teve uma hora que goleiro deles saiu do gol, foi até o alambrado pedir um cremosinho de leite condensado e voltou pro campo andando devagar, ainda puxou conversa com o gandula. Ninguém deu pela falta dele.

Imaginei que Vica estava arretado da vida com a postura superhiperultrarecuada do time. Nada disso, na entrevista depois do jogo, ele elogiou a postura defensiva, disse que estava tudo indo bem até os 40 minutos e blá-blá-blá. Ou seja, ele estava satisfeitíssimo, achando tudo normal, uma beleza. Juro que eu entenderia se valesse o saldo de gols. Como não era, só posso achar que esse sujeito tem uma inclinaçãozinha para suicida.

Teve uma hora, já de noite, que Catatau avisou: “professor tem banco de reservas, viu? A gente também pode trocar jogador, não é só eles que podem, não”. Santo Catatau. Não fosse isso, Sorriso teria morrido no gramado. Pelo menos seria trágico. E o treinador teria uma desculpa interessante.

Quando Everton entrou, soou como uma sugestão de Vica aos nossos adversários “podem atacar sem medo, não precisam se preocupar com contra-ataques, nem sei que porra é isso”.

Os defensores deles não tinham o que fazer, mesmo com o time todo arreganhado.

Quando entraram os velocistas, meia horas do timing correto, o resto do time já pedia pelamordedeus para o jogo acabar.

No final de tudo, a cereja sobre o bolo: Carlos Alberto para bater pênalti. Foi o repórter dizer o nome dele para o coronel Peçonha interromper os exercícios de guerra do seu batalhão e me ligar berrando “esse menino não gosta de fazer gol, ele não gosta de fazer gol”.

Na verdade, não sei se é uma questão de gosto ou de ignorância, mas o fato é que diante do gol aberto, o meia fica apavorado, assustado e não sabe o que fazer com a bola. Podem procurar no youtube os gols de cego já perdidos pelo dito cujo.

Portanto, a culpa é de Vica, o energúmeno. Se não sabem o que é isso, tome aqui a definição do Michaelis: e.ner.gú.me.no; sm (gr energoúmenos) 1 Possesso do demônio. 2 Indivíduo desnorteado. 3Pessoa que, dominada por uma paixão, pratica desatinos. 4 pop Imbecil.

Pra quem vai ou não vai pro jogo, a farra é no Poço

Desde 2011, a pisada é essa: decisão dia de domingo, o Santa Cruz jogando, a farra é no Poço da Panela.

Frevo, forró, cerveja, Pitú, mesa de frutas e uma suculenta feijoada. Certa vez, até churrasco de Capivara teve.

Domingo que vem, pra quem vai pro jogo, é só aparecer e engrossar a corrente de tricolores corais santacruzenses das bandas do Arruda.  A partir das 12h37, a turma bate o centro e começa a preliminar.

Aos que não forem para ilha da fantasia, o que não falta no Poço da Panela é televisão para assistir a peleja. Noventa e três por cento da população daquele lugar torce pelo nosso Santa Cruz Futebol Clube.

Dizem até que vão colocar um telão na sede.

Depois do jogo, é correr para o abraço e comemorar mais uma vitória.

Naná avisa que bebidas alcoólicas, bandeiras do Santa Cruz e petiscos são sempre benvindos. Sim, é obrigatório estar trajado com nossas cores.

É lógico!

Anotações sobre a Teoria da Relatividade Futebolística

Amigos corais, devo ser um dos torcedores mais bestas da multidão que é esta encantada torcida do Santa.
Em caso de derrota, enrolo minha bandeira, volto pra casa chutando as pedrinhas, tomo umas, converso com Joab, o porteiro aqui do prédio e vou dormir. No dia seguinte, não olho os jornais, não vejo TV e a vida segue.
Em caso de vitória, eu comemoro, vibro, fico exultante, vejo todos os programas de TV, leio todos os jornais, escuto resenhas, mas eu não tenho a menor paciência, vocação, energia, para ficar mandando email, mensagem, telefonando para o adversário derrotado. Talvez seja por isso que nunca se lembram de fazer o mesmo comigo. Como não tenho facebook nem uatizape, não me aporrinho com desconhecidos, também.
Mas, como se sabem, andamos comendo o pão que o diabo amassou com o time da Ilha do Retiro.
Ganharam a primeira de 3 x 0. Os torcedores do Sport só faltaram comprar uma taça. A taça “Eu estava engasgado com três vice-campeonatos, porra!”.
Antônio, lá do meu trabalho, visitou minha sala umas 40 vezes, no mesmo dia, para tirar onda.
“Ganhasse três pontos, não foi? Parabéns”, eu respondia.
Depois, ganharam de 2 x 0, na Ilha do Retiro, quando o mais justo seria a vitória pelo magro 1 x 0. Nosso Paredão, quem diria, falhou pela primeira vez.
Um amigo que mora no prédio, gente finíssima, passou por mim no dia seguinte aos berros. Não era um pacato cidadão, comprando seu pão matinal – era um homem aos berros dizendo “meu freguês me apanhou de novo!”.
“É, ganhasse mais uma, né?”, respondi, e fui compara um pedaço de queiro para o café. Fiquei até com dor de ouvido.
Depois veio aquele escândalo do senhor Meira Ricci e perdemos a vaga na final da Copa do Nordeste por 2 x 1, com direito a gol nosso com nove jogadores em campo.
“Esse teu time é uma bosta, visse. Vão me levar quatro lapadas seguidas”, retomou Antônio.
“Beleza. Mas já ganhasse o título?”, respondi.
Depois veio o 1 x 1 no Arruda, com um gol aos 36 do segundo tempo. Os torcedores do Sport comemoraram como se fosse um título. Faltou apenas botar a faixa. Esse Santa Cruz realmente é uma pedra na chuteira deles.
Como a classificação do Estadual nos colocou de novo frente a frente, meu amigo aqui do prédio avisou:
“Vão ser duas lapadas, visse? Tás preparado?”
“Tens já o placar dos dois jogos?”, perguntei.
“Vão me apanhar mais duas”, prometeu Antônio.
“E apois”, respondi.
Ontem, no final da manhã, desci para buscar o jornal. Meu amigo aqui do prédio vinha chegando com outro amigo rubronegro e duas crianças. Uma delas, pela fatalidade do destino, vestia a camisa rubronegra.
Os dois tiraram muita onda, riram da vitória. Davam gargalhadas. Tinham até pena de mim.
“Vamos dar nessa merda de novo!”, prometeu meu amigo do prédio.
Eles entraram no elevador, meu amigo queria tirar uma porra de um “selfie”, mas é muita cornura o sujeito tirar um “selfie” com dois rubronegros, logo de manhã. Acho que iriam botar na hora no uatisap.
“Tás fodido hoje, visse?” foi a coisa mais singela que escutei.
Eles tinham algo fabuloso para um clássico – a ausência completa de dúvida. Tinham certeza absoluta que o Sport iria dar uma cipoada no Santa. Mais que isso. Eles já comemoravam a classificação para as finais. Acho que seguem a cartilha do treinador, o Batista Júnior, que avisou outro dia que seria campeão da Copa do Nordeste e do Estadual. Avisou não, ele decretou. Depois que pegou mal, pediu desculpas. Disse que entenderam errado. Tá certo.
Ontem, o Santa meteu 3 x 0 jogando bonito. No segundo gol, a torcida do Sport foi embora. Isso me chateou muito, porque ainda tivemos que esperar meia hora para sair do Arruda. Além disso, eles não viram o golaço do Gamalho, que está jogando o fino da bola.
Fui caminhando para a casa do Inácio, comemorar o aniversário de Dona Rita, sogra dele.
Não vi um rubronegro ao longo da ruas e avenidas.
Hoje vai acontecer um fenômeno que deve ser estudado pela ciência. Após uma derrota para o Santa, a torcida do Sport toma um chá de transparência. Eles literalmente somem da paisagem. Perdem a voz também. E detestam falar de futebol.
Meu amigo aqui do prédio, o Felipe, é DJ. Claro que vai dormir o dia inteiro. Quando me encontrar, acho que vai falar sobre o colégio dos filhos, que subiu a mensalidade de novo. Ou vai dizer que o importante é a Copa do Nordeste, já que o Estadual só é fundamental mesmo quando eles ganham.
São as relatividades da vida.
Antônio, lá do trabalho, vai fazer o que sempre faz quando o time dele perde para o Santa. Vai esculhambra seu próprio time, antes que eu fale algo.
Eu só faço dar uma risadinha besta e digo “é a vida”.
Isso encabula muito os caras.

Concentração coral para domingo

Domingo, dia 6 de abril, é o momento de pegar ar e partir para cima do leão.
Naná, da Kombi Coral, acaba de ligar.
Já cheio das bicadas, informa que domingo vai ter a tradicional feijoada na “Sede”, defronte ao bar de Seu Vital. A orquestra “Venenosa”, que só é escalada em jogos decisivos, vai entrar rasgando. Ela está invicta.
Vai ter Pitú + feijoada.
Além disso, a “Minha Cobra” vai dar uma voltinha pelo Poço.

Inconsolável
Naná está inconsolável. Perdeu um leão de pelúcia, feio de doer, que sempre ficava dentro da boca da cobra. Ele não sabe se perdeu ou se levaram.
Quem puder levar um novo (ou usado mesmo, para que o sujeito vai comprar um leão novo?), vai ser um grande favor. A Cobra tem que abocanhar sempre o leão.
Hoje, por sinal, é o aniversário de Naná.
49 anos.
Perguntei o que ele queria de presente nesta data tão importante.
“Uma lapada na coisa”, respondeu, sem pensar duas vezes.
Vamos lá, tricolozada!

A gente também dá pitaco

Ontem foi nossa reunião de pauta. Desta vez, Samarone tomou vergonha. Comprou umas cervejas, abriu o apartamento e fizemos nosso encontro no seu escritório.

Depois de muito puxa-encolhe, resolvemos entrar na onda da torcida e sugerir ao treinador Vica nossas escalações.

Nessas horas de decisão toda ajuda é válida.

Inácio foi sorteado para começar a escalar nosso time.

— Vai que é tua, Inácio! – eu disse.

Samarone deu um risinho falso. Inácio tomou uma dose do seu Jim Bean e mandou ver. Parecia que estava com a escalação decorada.

— Eu entraria com Thiago Cardoso no gol. Everton Sena na lateral direita. Leandro Souza e Renan Fonseca. Zeca na esquerda. Memo, Sandro Manoel, Sorriso e Raul. Na frente é Leo Gamalho e Betinho.

Perguntei sobre Everton Sena na lateral.

— Tás doido, é França? – Samarone perguntou

O nobre escritor lembrou que na época de Marcelo Martelote, Everton Sena jogou muita bola naquela posição.

— Com Sena na lateral-direita a gente anula a ala esquerda deles. Zeca cuida do lado direito. E com Memo de primeiro volante e Sandro Manoel de segundo fechamos o meio. Sorriso faz o papel de Dedé, caindo mais pela direita. Só não arriscaria com Everton Sena de volante, o cara nunca jogou nessa posição.

E sobre tirar Caça-Rato, a justificativa é que nosso ídolo tem mais sorte quando entra no segundo tempo.

Continuamos a brincadeira. Estava um calor dos infernos. A sorte é que a cerveja era geladíssima e o pratinho de calabresa frita com azeitona e queijo coalho chegou na hora certa.

— Agora é tu, Gerrá! – Inácio falou.

— Eu não, é Samarone! – respondi.

— Por que sou eu, a vez é tua. – Samarone retrucou.

Ficamos nesse imbróglio. Então decidimos resolver no par ou ímpar. O cabeludo perdeu.

— O primeiro jogo é no Arruda e o segundo é na ilha, né?

— Agora fudeu… – disse Inácio.

— É! – eu falei.

Sama tomou um gole de cerveja. Fez cara de pensador e soltou sua escalação.

— A gente precisa garantir a rapadura já no Arruda. Eu botava o Paredão, Nininho, Everton Sena, Renan Fonseca e esse lateral que chegou. Sandro Manoel, Sorriso, Raul, Jeferson Maranhão, Renatinho, Caça-Rato e o nosso artilheiro Léo Gamalho.

Inácio bebeu seu uísque e mandou essa:

— Sim, e quem jogaria com a camisa 12?

— Como assim? – Samarone perguntou.

— Ô Pedro Bó, teu time tá com doze jogadores… – eu avisei.

— Ah tá. Então tira o Jeferson Maranhão.

Pronto. O esquadrão de Sama é: Thiago Cardoso, Nininho, Everton Sena, Renan Fonseca e Zeca; Sandro Manoel, Sorriso, Raul, Renatinho; Caça-Rato e Léo Gamalho.

Já era quase dez da noite. Rolou uma lapada de Ypióca. Inácio preferiu não misturar.

— Agora é tu Gerrá – Inácio avisou.

— Vai! – Sama falou.

— Rapaz, eu fosse Vica ía pra cima na pressão. E preparava uma surpresa. Era Thiago Cardoso, Oziel, Leandro Souza, Renan Fonseca e Zeca; Memo, Sandro Manoel e Raniel;  Pingo, Léo Gamalho e Betinho.

Deu-se um pequeno rebuliço na sala.

— Pingo?! – eles perguntaram assustados.

— E então! Vocês se esqueceram daquela jogada de mestre, quando entramos com  Branquinho e ele fez um gol por debaixo das pernas de Magrão?

Tomamos mais algumas. O tira gosto acabou. Fomos pra casa desviando dos bafômetros.

Ilusões Perdidas

De Colônia, Alemanha. Pois é, amigos. Depois de dez anos de angústias e retomadas, parece que voltamos à estaca zero. Estava nesta última sexta no aeroporto de Londres aguardando meu voo para Alemanha, numa manhã cinzenta e azeda. Sentei para tomar um café e comecei a pensar na vida. Voo atrasado, estresse insuportável no trabalho, sérios problemas pessoais e duas derrotas humilhantes pra coisa (vou ignorar o manual de redação do blog e dar o nome aos bois). Como dizia Shakespeare, quando os problemas vêm, eles não vem desacompanhados, mas em batalhões. O sujeito tenta peitar a vida de cabeça erguida e acaba achincalhado pelas mazelas do dia a dia. Nessas horas, vem à cabeça o aterrorizante problema filosófico de Camus, será que vale a pena viver?

Fomos humilhados e ofendidos, não só no gramado mas fora dele também. Tudo começou com uma notinha grotesca publicada no site oficial da coisa no dia 6 de março. Com um português macarrônico, pedante e ambíguo, típico da nossa elite de bacharéis, a coisa publica uma nota oficial em que acusa a Federação Pernambucana de Futebol de conspirar para atingir o “equilíbrio das forças locais”, um bendito de um eufemismo! Li aquilo indignado – logo a coisa, acusando a FPF de trambicagem! Justo eles, dos quais um conhecido ex-presidente já afirmou ter “empurrado” um jogador pra seleção. “Onde estão as provas? E ainda saíram ilesos?”, pensei comigo mesmo. Numa reviravolta mirabolante, os próprios donos do poder se passavam por vítimas inocentes. Perdoem-me o trocadilho, mas alguma coisa estava errada nesta história. Eu cresci ouvindo ano após ano os presidentes da coisa arrotarem uma superioridade inquestionável, uma espécie de privilégio que por vezes se confunde com um direito natural. Nunca vi um dirigente da coisa aceitar uma derrota sequer. Leiam os jornais ou ouçam as entrevistas dos três últimos anos e vocês verão que todas as vezes que ganhamos deles, nossa vitória foi atribuída a erros da arbitragem, no mínimo! Neste mesmo ano, num ato de soberba inigualável, a coisa cogitou retirar a estrela que remete a sua conquista da segunda divisão, pois não acha digno celebrar uma façanha tão irrisória.

Esse complexo de superioridade foi incrustado na cabeça do povo lentamente e, com o passar dos anos, parece que pegou. Penso nos meus amigos rubro-negros e alvirrubros, e mesmo nos meus professores no colégio, e lembro que o torcedor tricolor era visto como um pária, uma figura grotesca cuja existência escassa na zona sul do Recife se devia ao único fato de que ele estava ali para servir os outros. Era o famoso “servente” ou “serviçal”, a quem se reservara o infame “elevador de serviço”, onde, pasmem, também se carregam o lixo e os cachorros. “Tricolor é time de porteiro”, dizia um amigo meu que até hoje chamamos de cabeção. Na escola, eu engolia a seco o fato de ser tricolor. Na minha turma, éramos gatos pingados. Acho que éramos eu e o Paulo, que tinha um defeito no pé e andava arrastando a perna esquerda. Imagino que muitos se recusavam a se declarar tricolores por medo ou covardia. Viviam na clandestinidade ou fingiam torcer pros times do sul. Quando o Santinha perdia, eu e o Paulo desaparecíamos por três dias, fingíamos uma dor de barriga ou um resfriado inusitado. Nos corredores do Colégio Boa Viagem, celebrávamos nossas vitórias às furtivas, como dois maçons. Éramos humilhados até pelas meninas, que olhavam pra mim e diziam: “Ô, Pedro, tu não tem vergonha de ser tricolor, não é?”, como se eu estivesse andando nu pela sala. Pensava comigo mesmo que teria de mudar de time pra poder comer a Luíza, que eu amava loucamente lá do fundo. Ela nunca soubera! Ela nunca soubera!

Quantas vezes não vi os torcedores da barbie e da coisa assumirem uma agressividade proto-nazista? Lembro do triste dia em que eu e meu irmão Rodrigo ouvimos todo estádio dos Aflitos em uníssono imitar o guincho de um macaco a fim de humilhar o nosso goleiro Nilson. Lembro do meu irmão, com os olhos marejados, sair do estádio indignado para escrever um artigo sobre o ocorrido, acho que ele queria ir à polícia denunciar os alvirrubros. Mais humilhante foi descobrir que no dia seguinte, a imprensa pernambucana não daria um pio sequer e tudo passaria despercebido. Por ironia do destino, Nilson seria depois contratado pelo próprio time que esculachou sua dignidade humana. Lembro na época que me deu vontade de encontrá-lo e cuspir no seu rosto. Nilson me fez perder a fé no homem.

Logo após nossa primeira derrota pra coisa por três a zero, leio que o tal do Ewerton Páscoa afirmou estar “entalado” conosco, e que só mudará de pensamento caso nos elimine da competição, como se fôssemos um problema vital. Alguns dias antes, durante o intervalo do clássico, após um repórter questionar o Neto Baiano se ele teria assumido o papel de garçom no jogo, ele abre uma risada sarcástica e diz que ainda faltam 45 minutos, como se aquilo fosse uma brincadeira, uma pelada no Pina. Se eu fosse o Vica, teria dito ao Éverton Senna: “você só volta ao vestiário se houver sangue daquele sujeito na sua camisa”. No entanto, olho abismado o semblante de Vica durante o jogo, parecendo o Chamberlain, aquele maldito premier britânico que entregou a Europa de bandeja ao Hitler. Fechei meus olhos e pensei que novamente seríamos escorraçados como baratas, depois de três anos de conquistas e vitórias.

Caro leitor, devo confessar – eu odeio a barbie e a coisa. Não odeio alvirrubros e rubro-negros, pois o indivíduo, por um milagre divino, sempre escapa das amarras do cafajestismo quando o bom-senso bate às portas. Porém, odeio com todo o coração ambas as entidades e tudo o que representam. A barbie e a coisa se tornaram pra mim, nesse “bildungsroman” da vida, como dizem os alemães, o símbolo de toda imundície que impera no Brasil. Li aquela prepotente nota oficial rubro-negra com tanto asco que no átimo me recordei do principal motivo pelo qual abandonei o Brasil, já cansado desse império de iniquidade. Certa vez, lembro de ter entrado no prédio onde fica a famosa firma de advogados do presidente da coisa. Fui visitar meu irmão, que trabalha no mesmo edifício. De relance, vislumbrei o escritório deles e ouvi um dos advogados atrás de mim sussurrar para o amigo que eles ocupavam uma boa parte do prédio. Recordei o prefácio que Camus escreveu ao seu primeiro livro, afirmando que há certos níveis de riqueza que ele não conceberia possuir. Naquele momento, pensei a mesma coisa. Minha conclusão: o Brasil não é pra mim; fui-me embora. Já faz sete anos.

 *****

Apesar dessas notas melancólicas, posso dizer que a vida nos oferece tristezas e alegrias, e estas surgem nos momentos mais inusitados, quase inintencionais, como dizia Machado. Conheci esses dois sujeitos há um ano e meio, nos sentamos num café do Paço Alfândega e tramamos uma forma de cantar a música dos sujeitos que perambulam pelos elevadores de serviço, dos unsung heroes, os heróis desconhecidos, como dizem os ingleses. Por dez anos, esses dois tem escrito incessantemente sobre esses “fantasmas” do Recife sem pedir nada em troca. Como eu já afirmara anteriormente, existem certas nobrezas que são inalcançáveis. Há uma doce alegria quando eu volto ao Recife e reencontro o Lourenço, o porteiro do prédio onde moram meus pais. Lourenço me trata como um filho e abre um sorriso paterno que me restaura o amor pelas coisas simples e humildes. Samarone e Inácio, que juntamente com Gerrá, estão lançando neste domingo o último tijolo da nossa catedral tricolora, me fizeram ter um grande orgulho de ser tricolor e olhar para o Recife e ter saudade.

 

 

 

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Papéis trocados

Sou um homem crédulo na humanidade e no que as pessoas podem ter de melhor. Quase um ingênuo. Meio distraído diante das inúmeras televisões do restaurante onde estavam a cúpula do Blog do Santinha e alguns agregados, a primeira impressão é que os jogadores do Santa Cruz usavam camisas rubro-negras e os atletas do Sport vestiam a tradicionalíssima camisa branca com duas listas, no que talvez fosse uma bela experiência dos defensores da cultura de paz nos estádios para acabar com a violência e promover a fraternidade universal entre as torcidas.

Qual nada. O Santa Cruz era o Santa Cruz e o Sport era o Sport mesmo. Os papéis é que estavam trocados.

O Santa atacava inutilmente como o Sport de 2011. O Santa abusava das ligações diretas longas e imprecisas como os Sport em 2012. O Santa rodava a bola para lá e para cá, sem rumo e sem direção, como o Sport em 2013. E como os treinadores, os jogadores, a diretoria e a torcida do Sport nos últimos três anos, o nosso time acreditou na ideia que tem mais conjunto, um time superior e nesse blá-blá-blá todo que não adianta nada quando se enfrenta um time com vontade, com uma marcação sufocante e que sabe que o adversário não é essa tampa de crush toda e que, por isso mesmo, vai errar, ora se vai.

E foram muitos os erros. A derrota poderia ser até maior. Não podemos reclamar de nada, nem do juiz. Foi justo, justíssimo aliás. O problema é que os erros não foram apenas individuais ou dos jogadores, como Vica quis fazer crer na entrevista logo após a partida. Há um erro maior que antecede e provoca os outros miúdos, quase inevitáveis numa partida de futebol.

Nosso treinador é um bom caráter, é o que dizem. Homem de bem, esforçado, sem papas na língua, honesto e que conhece de futebol. Talvez não conheça tão bem assim a alma humana.Se conhecesse, teria percebido que nosso time tem alma de operário, espírito de gente que precisa brigar para ser ouvido e ser alguma coisa na vida. Reparem que eu disse “ser” e não “ter”. Quem arrota ter tudo – dinheiro, troféus, arenas – são os outros.

Não dá para, de um dia para o outro, esses time de guerrilheiros se comportar como se fossem marechais ou almirantes. Ou para retomar a metáfora mais marxista, para botar banca de novos ricos amostrados e perdulários.

Nosso treinador, contudo, passou a acreditar que ser campeão da série C é o mesmo que ganhar, digamos, a Liga dos Campeões. Agora, ele quer que o time jogue para cima, “imponha seu jogo” o tempo todo, com uma zaga exposta tal qual o nervo dolorido do meu terceiro pré-molar. Ele acreditou na lero-lero que éramos favoritos. Ele e boa parte da torcida, que andava presunçosa como se fosse bicolor.

Ontem, na Ilha, o time parecia querer devolver o placar da semana passada ou, ao menos, tirar a diferença, tentando jogar como jogou domingo. Não precisava. Era outro campeonato. Uma coisa não tinha nada a ver com a outra. E o amor-próprio do treinador, ferido por não conseguir comprovar sua tese do time ofensivo e campeão, não carecia ser sanado assim tão de repente, podia ser aos poucos, com um empatezinho ali, outro aqui.

Insisto: o título da terceira divisão mexeu com o ego do bom Vica. Ano passado, ele mudava o time a todo instante e dizia que precisava adaptar o time ao tipo de jogo que iria enfrentar. Ora ia com dois atacantes, ora com apenas um. Ora escalava três volantes, ora apenas dois. Então, porque diabos, ele insiste em manter um volante e meio, mnesmo sabendo que não temos um meio de campo criativo e exuberante? Porque enfrentar um time aguerrido como o Sport como se fosse contra o falecido Vovozinha? A resposta talvez esteja na primeira linha deste parágrafo. Talvez, não sei, é apenas um palpite.

Troféu nenhum deu jeito. O treinador adversário deve ter aprendido muita coisa com o pai, sim, mas certamente tomou lições de humildade com os times de Zé Teodoro e até com Marcelo Martelotte. Três derrotas seguidas em casa podem ensinar muita coisa. Espero que que não seja necessário tanto para Vica. Que duas lhe bastem para que o Santa volte a praticar o futebol guerrilheiro do tricampeonato.

Vem aí o volume III, o livro vermelho!

Tudo indicava que a quarta-feira de cinzas seria isso que o nome já diz: uma quarta-feira perdida, cinzenta, nem preta nem branca, nem alegre nem triste, morna e sem graça, com Gerrá de ressaca, eu me curando uma virose que me lascou bem no carnaval (sim, estava na Minha Cobra, mas sob efeito de um doping federal) e Samarone na estrada indo babar o sogro em Garanhuns. Eis que chega a notícia:

O volume III da Trilogia das Cores, vulgarmente chamado de Livro Vermelho, está pronto, tinindo, com cheiro de pão novo saindo do forno. Não sei se os caras da gráfica deram duro no carnaval ou ele ficou pronto a semana passada e só avisaram hoje. Acho que a segunda opção, mas isso não tem importância nenhuma e nem sei porque levantei essa dúvida besta. Prossegue o caminho na roça.

A Paixão é vermelha – este é o nome de batismo do terceiro volume da coletânea de crônicas do blog – será lançado no domingo 16 de março, a partir das 15h. A farra será, mais uma vez, no bar Mamulengo, na praça do Arsenal, quase na frente da famosa torre de Malakoff.

O livro vermelho tá cheio de novidades em relação aos anteriores. Pra começar, como organizamos a trilogia cronologicamente, esse volume inclui os textos publicados de 2011 a 2013. Deu pra entender ou carece de uma explicação mais detalhada? tricampeonato, duas subidas de série, só alegria.

Além de um pequeno ensaio fotográfico do senhor Fred Jordão, retratista tricolor respeitadíssimo no mundo das lentes, cliques e filtros de Pernambuco, o prefácio é um luxo só. Tal qual no volume II, quando Homero Fonseca abriu os trabalhos e acabou escrevendo o melhor texto do livro, desta vez fomos buscar reforços em São Paul0. O cineasta Ugo Giorgetti (aquele mesmo do artigo no Estadão após o jogo contra o Betim) foi quem fez o texto de abertura. É mole? Outro dia eu conto essa história aqui.

Quem quiser ainda terá a opção de comprar o livro com o CD da Minha Cobra encartado. Ah, os outros dois volumes estarão à venda também.

Para encerrar a conversa, quem levar o convite impresso, ganha 10% de desconto no preço de capa. Quem não receber o convite de papel, basta fazer o download e imprimir esse que publicamos aqui nesta postagem que dá na mesma.

Então, ficamos assim: Bar Mamulengo, 15h de domingo, 16 de março (o jogo do Santa será no sábado contra o Porto, ou seja, não vai atrapalhar nada). O preço do livro sem desconto é 50 contos.

 Adobe Photoshop PDF

 

Santa Cruz x Barbie. Chuta aí!

Queres ganhar o kit da Minha Cobra?

Chuta aí o placar do jogo de hoje contra a barbie!

Se você acertar o resultado do jogo, terá a chance de ganhar a camisa e o CD da Troça Carnavalesca Mista Ofídica Etílica Erótica Minha Cobra!

A brincadeira é simples: basta colocar nos comentários o placar do embate hoje à noite contra os alvirosas e de quem serão os gols do Santa Cruz.

Para ganhar o brinde, basta acertar o placar.

Porém, junto com o palpite é preciso colocar de quem vai ser os gols, pois caso haja mais de um acertador, aquele que acertar os artilheiros da partida ganha o prêmio. Se mais de uma pessoa adivinhar o placar e os goleadores, faremos um sorteio para definir o sortudo que receberá o kit da Troça Minha Cobra.

Sim, não custa lembrar, que só vale os palpites postados até o início do jogo que será às 20h30.

 

Destrocando as bolas

Amigos blogueiros, foliões, etc e tal. Tem gente confundindo as coisas e trocando as bolas quando falam da farra que faremos no próximo sábado, a partir do meio-dia, no Pátio de Santa Cruz.

O que vai acontecer no local onde nosso querido clube foi fundado é uma prévia carnavalesca da Troça Minha Cobra. Troça Carnavalesca Mista Ofídica Etílica Erótica Minha Cobra.

A festa(prévia) é uma ação extraoficial. Uma iniciativa nossa. Uma homenagem que estamos fazendo ao centenário do nosso clube, pois tradição da gente é apenas sair durante o carnaval de Olinda, na segunda-feira pela manhã.

Para quem estar chegando agora, desde o carnaval de 2006, de maneira independente, anárquica e inusitada, na base de vendas de camisas e alguns apoios/patrocínios, colocamos a Minha Cobra nas ladeiras do sítio histórico de Olinda, arrastando a multidão com muito frevo e colorindo a segunda-feira de carnaval com as cores preto-branco-encarnado.

Sim, e para não perder o embalo, quem quiser e puder nos ajudar, é comprar a camisa(R$ 30) e o CD da Minha Cobra(R$20). Para isto, podem entrar em contato com:

Robson Sena:  81-91338575 (robsonsena1@gmail.com)

Gerrá Lima: 81-9976.8985 (gerralima@gmail.com)

Esequias Pierre: 81-8755.4440 (esequiaspierre@hotmail.com)

Thiago Souza: 81-8560.4938 (thiagodosanjos@gmail.com)

Claudemir Pereira: 81-9454.2945 (claudemir_pe@hotmail.com)