TEXTO DE INÁCIO FRANÇA
*Este texto foi escrito por Inácio França
Alguém aí sabe dizer quem começou a cobrar transparência no Santa Cruz? Quem tem menos de 30 não vai saber, daí vou dar uma pista: o pai de Mendoncinha nem tinha sido presidente ainda.
É preciso voltar ao final dos anos 90. Essa palavra começou a ser usada em um histórico e esquecido encontro no auditório do Sindicato dos Jornalistas puxado por Fernando Veloso, o atual vice Tonico Araújo e um monte de gente, incluindo este que vos fala. Para nossa surpresa, o auditório lotou. Lotou mesmo, sem exagero, ficou gente do lado de fora.
Certamente, numa época pré-redes sociais, foi a primeira vez que um monte de gente se encontrou e se viu pela primeira vez tentando interferir na vida do clube. Acho que o presidente na época era Edelson Barbosa, largado à frente do clube como aquele menino do filme atravessando o oceano com um tigre no bote e uma tuia de tubarões querendo almoçar os dois.
Conheci um bocado de tricolor nessa noite, Gerrá inclusive.
Cadoca apareceu. Quiseram lançar ele pra presidente, mas o bicho correu na hora, tá correndo até hoje. Quem topou foi Jonas, o empresário-pastor (sei que hoje é mais comum pastor-empresário, mas na época ainda não era), nome lançado como desdobramento daquela mobilização confusa, sem direção, sem amarração.
O importante era não deixar que os tubarões subissem no bote. O menino Edelson deu um pulo assim que chegou na praia, mas Jonas entrou antes que o tigrão saísse, aí ficou com ele fuçando suas oiças no meio do mar.
Depois de Jonas, um grupo menor de oposição, com vários empresários convenceu Mendonção a ser presidente. O sujeito era brabo, pai de vice-governador, podia arrumar dinheiro, patrocinador forte, essas ilusões que renovam a esperança de tudo quanto é tricolor há gerações. O problema é que Mendonção era político, queria agradar gregos, troianos, romanos, celtas, vikings, persas, chineses, americanos e o escambau. Seu bote ficou cheio de tubarões.
E os tubarões, como todos sabem não gostam de água transparente. Preferem atacar quando as coisas estão turvas. Meio mundo de gente se jogou na água, Mendonção também.
Foi aí que o Blog do Santinha surgiu trompeteando transparência, democracia, que o clube era da torcida e não de alguns, denunciando que a diretoria de então se comportava como uma milícia armada. A gente falava e acontecia. A seção de comentários do blog foi, com certeza absoluta, a segunda comunidade de rede social de santa-cruzenses, quando isso nem existia. A primeira foi o Fórum da Coralnet.
O tempo passou, muita coisa mudou. Mas o Santa Cruz continua no fio da navalha: um milímetro pra um lado, é a glória; um pé pro outro lado, fracasso, dor e agonia.
Nos últimos três anos encarei o desafio de mergulhar numa gestão que prometia transparência. Juro que o possível foi feito. Ou ao menos tentou se fazer. Alguns gestos foram esboçados, mas havia muita vontade e poucos para realizá-la. Hoje, do lado de fora, sei que os acertos só acontecem depois que se tenta, experimenta e erra.
Por isso, no grupo em que participo com Gerrá, fui eu a perguntar: “Antes é preciso definir o que é transparência”. Eu mesmo não sei exatamente o que é isso. Ontem, fiquei sabendo que existem uns parâmetros internacionais que definem o que é transparência institucional. E não tem nada a ver com aquilo que a Comunicação do clube tentou fazer sob meu comando: publicar detalhes de renda, público a cada jogo. Isso é voluntarismo, boa vontade, amostramento ou dar satisfação. Antes de ser publicado, qualquer valor precisa passar pela contabilidade, ser conferido pela federação e passar por outros procedimentos da área financeira e contábil que eu nem sei o nome.
O cara chamado Fábio Araújo, tricolor da Controladoria Geral da União, tá botando ordem na casa e está aprontando um site exclusivo só pra isso.
A galera que tá cobrando transparência de Tininho está certa em cobrar, mas é bom pensar um pouco enquanto cobra.
Costumo dizer que, depois que os tubarões rasgaram a carne e comeram os ossos do Santa, todos os dirigentes que vieram depois – e ainda virão – carregam o estigma daqueles tempos. São tratados como ladrões por definição, sem margem para dúvidas. E como amadores por natureza.
Se é preciso cobrar, é fundamental separar as coisas, principalmente para que a cobrança não soe desmedida ou mero histerismo: não há como comparar o passado em que capangas batiam em sócios nas dependências do clube dos tempos atuais, em que gente que nunca tinha se arriscado a colaborar está dentro do Arruda. Tem um especialista em tecnologia de informação no departamento de Futebol, tem procurador da Fazenda Nacional arrecadando recursos com projetos de lei de incentivo, tem técnico do TCU sistematizando projetos e ideias. Gente que sequer conhecia o presidente.
Não, não são os mesmos de sempre. São pessoas como qualquer um de nós, parecidas com aqueles que estão cobrando, mas não perceberam que podem estar no clube em breve e correm o risco de serem cobrados além da justa medida.
Também é preciso saber o que fazer e saber o que cobrar. E, sejamos sinceros, só transparência não vai alavancar o Santa Cruz aos “píncaros da glória”. É preciso cobrar do clube todo.
O Conselho Deliberativo tem umas poltronas bonitas no auditório, mas nunca teve um reles regimento. Isso mesmo: 104 anos depois o Conselho não tem regras internas de funcionamento, não se sabe quantas vezes precisa se reunir, como precisa se dar o processo de definição de uma pauta etc. Isso sem falar no Estatuto, um documento maluco que separa o clube em três partes desiguais, cada qual pro seu lado, mas que torna obrigatórios sirene e fogos de artifício três vezes ao dia no 3 de fevereiro. Pense numa besteira.
É preciso cobrar o mínimo de democracia: que todas as categorias de sócio possam votar, que cada chapa tenha representação proporcional no Conselho. Isso seria dar um passo fantástico, mas também não resolverá os problemas do Santa Cruz.
Para isso, todo mundo que está exigindo transparência agora e vai exigir outras coisas depois, precisa se juntar a quem é cobrado para enterrar de uma vez por todas a escrotice das cotas de transmissão de TV. Ou para exigir que os putos das emissoras engulam esse horário das 22h que tanto afasta o torcedor do estádio. Ou acabar de uma vez com as federações e lutar por uma liga de clubes.
Sim, não é por falta de transparência que o torcedor sumiu. Se fosse assim, ninguém lotava estádios na Europa, terra onde o Barcelona já foi acusado de lavar dinheiro do narcotráfico. O que falta é dinheiro no bolso do povo, tranquilidade para a mulherada ir no banheiro dos estádios, ônibus para voltar para casa, bandeira e música na arquibancada, segurança para andar nas ruas do seu bairro à noite depois de descer do ônibus.