Quando desci para comprar o pão, na quarta-feira, o jornal “AquiPE” tinha uma foto de Grafite na capa e o título:
“O artilheiro está de volta”.
Caso raríssimo: o jornal foi mais importante que o pão.
Depois do meio-dia, já fui me concentrando para a cerimônia da chegada do craque: 15h30, no Arrudão.
Às 14h, liguei para Esequias.
“Já estou a caminho do Arruda”, disse. O bicho é apressado mesmo.
Na sede, uma efervescência. Fui à sala para atualizar minha situação de sócio, mas não cabia nem a sombra de ninguém.
No bar de Abílio, aquela agitação.
Após dar uma boa golada, Esequias solta uma frase sonora e musical:
“O Santa Cruz se reencontra com o Santa Cruz”.
Começa a falar sobre a história do Santa, sua origem negra, humilde, batalhadora, e arrematou.
“Esse negro Grafite é a cara do Santa”.
Foi uma sorte imensa ter conversado com Esequias. Minutos depois, uma amiga de uma TV me pegou para uma entrevista. Usei os mesmos argumentos do meu amigo e devem ter me achado inteligente pacas. Valeu Esequias!
Depois de circular por tudo que era canto, chegamos às sociais, lotadas. Os vendedores gritavam a plenos pulmões:
“CERVEJA, Coca e água!”
Eles exageravam na palavra “CERVEJA” porque sabiam que aquele momento era único, sem proibição. A massa coral se esbaldou nas Itaipava geladíssimas.
Foi uma linda e tanto, divisora de águas. O clube realmente está se modificando. Marketing, comunicação e futebol funcionaram numa rara e perfeita harmonia.
“CERVEJA, Coca e água!”, insistiam os vendedores.
Até a TV Globo, que adora uma exclusividade, exibiu, no Globo Esporte, a entrevista que Grafite deu à TV Coral. Golaço!
Na volta, dei uma espiada na entrevista coletiva. O Negão fala bem que só.
Dei um abraço no eterno Rodolfo Aguiar, que soltou o arremate:
“Hoje o Santa Cruz tomou uma transfusão de sangue!”
Nada como uma Sexta Feira Santa para seguir minha breve (e inútil) série de textos sobre a imbecilidade que é proibir a venda de cerveja nos estádios, sob o argumento de que ela gera mais violência.
Os diversos comentaristas deste afamado Blog são rápidos nas críticas à situação financeira do clube, como se isso – a falta de dinheiro – não tivesse relação com a capacidade administrativa de gerar soluções, prever problemas, conseguir pagar atletas de maior qualidade. Nossos apaixonados corais esquecem que temos pouquíssimas (e fracas) fontes de renda. Ou será que o PSG é um dos melhores do mundo só por causa da eficiência administrativa?
Nossas fontes: o dinheiro dos sócios em dia (que não é lá essas coisas); o dos jogos no Arruda (que não estão sendo muitos), e o da cota da TV (que é uma merreca, se olharmos o tamanho do Santa).
O dinheiro da venda de cerveja, pelo clube, é uma fonte importantíssima de renda para o Santa, que tem uma torcida que costuma lotar seu estádio. Outro dia conversei com um especialista da área e ele me informou que o cálculo é simples – uma média de três latinhas por torcedor. Ou seja, um público de 15 mil pessoas = 45 mil latinhas. Faz falta não? Do ponto de vista estratégico, essa aprovação vai ter um impacto enorme nas finanças corais.
O Sport, nosso principal rival, recebe seu cheque de R$ 3 milhões por mês. Vai se preocupar com o trabalho de vender cerveja? O Santa, este ano, vai receber, salvo engano, R$ 300 mil (por mês) de direitos da TV pela Série B. Além disso, começamos o ano sem dois patrocinadores: Copa do Nordeste e Copa do Brasil. Só com o time em campo, entra dinheiro no Arruda.
Depois escreverei sobre outra aberração em nosso futebol, que é a tendência à “espanholização” do futebol brasileiro, com base no excelente estudo de Emanuel Ferreira Leite Júnior, intitulado “As cotas de televisão do Campeonato Brasileiro: O “apartheid futebolístico” e o risco de “espanholização”.
Mas voltemos ao tema.
Se Pernambuco seguir a tendência nacional, a aprovação da venda de cerveja nos estádios vai ser até natural. Vejamos alguns exemplos de liberação que não representaram incremento nenhum na violência nos estádios:
Bahia – Liberou. Felizes os baianos;
Rio Grande do Norte – Liberous. Viva os potiguares;
Goiás – Uma liminar na Justiça garante a venda da cerva gelada. Grandes goiano;
Rio Grande do sul – Em 26 de fevereiro, a Câmara de Vereadores de Porto Alegre aprovou a venda (faltava a sanção do prefeito). Cerveja com chimarrão;
Espírito Santo – Venda liberada após votação na Assembléia Legislativa, em dezembro de 2014 (dos 24 deputados, 20 votaram a favor). O governador, que tem nome de jogador, Casagrande, já sancionou o projeto. Viva o Espírito Santo;
Paraná – A caminho, graças à união dos três grandes (que deveria acontecer aqui).
Vejam que ótima iniciativa. No começo de março, Atlético Paranaense, Curitiba e Paraná se juntaram, contrataram um escritório de advocacia fuderoso e entraram na Justiça, para liberar a venda de cerveja nos estádios paranaenses, proibida desde aquela onda conservadora-proibitiva que assolou o país, entre 2009 e 2010);
Pernambuco – Em tramitação. A favor, somente Náutico e Santa. Federação Pernambucana e Governo do Estado apoiam na surdina, mas não se pronunciam.
O projeto está agora na Comissão de Saúde, esperando o voto da relatora Simone Santana, para ir a votação em plenário. Vale lembrar que a cervejaria Itaipava, que patrocina a Arena Pernambuco, tem um contrato anual de R$ 10 milhões, e já pensa em sair. Como o sujeito vai patrocinar a sua marca de cerveja se o seu produto é proibido?
**
Nestas muitas pesquisas que fiz, li inúmeros artigos, consultei portais, mas no portal do Grêmio na ESPN, assinado por Fernanco Risch (www.espnfc.espn.uol.com.br/grêmio) que encontrei alguém que pensa parecido comigo. Como hoje é Sexta-Feira Santa, e ainda nem molhei o bico com vinho, não vou ficar gastando meu latim. Vejam o que diz o nobre gremista:
“Autor do projeto que criou o veto às bebidas alcoólicas nos estádios, o deputado estadual Miki Breier (PSB-RS) já refuta a decisão da Câmara, alegando que, com a liberação, haverá mais violência nos estádios. Além disso, o deputado, em sua conta no Twitter, afirmou: “Vereadores de Porto Alegre poderiam ajudar na busca de segurança, restringindo o consumo de álcool ao
redor dos estádios, não liberando”.
Segundo a lógica do conservador Breier, para diminuir a violência, há de se proibir o álcool, pois ele seria a força motriz que leva uma pessoa a dar um soco no rosto da outra. Concordo que o álcool desinibe o ser humano a ponto de coisas absurdas, mas não é assim que se resolve um problema”.
Ele cita um fenômeno que ocorre nos estádios que têm proibição, e que já vi várias vezes (onde eu viajo, vou a estádio);
“Mas, já que o assunto aqui é bebida alcoólica, algo que ainda não é proibido no Brasil ao ponto de algum Al Capone contrabandear uísque, há também o álcool nos estádios. Torcedores entram com luvas cirúrgicas, cheias de vodka ou uísque, escondidas nas cuecas. Não é algo que se detecte, por mais que se reviste bem. No estádio, compram um refrigerante e misturam a bebida. Ninguém
percebe”.
E prossegue:
“Na Arena, já vi um torcedor abrir uma garrafa de cachaça na minha frente. Uma garrafa nova de cachaça. Eu ouvi o rótulo se romper. Depois de servido em um copo de Coca Cola, fui oferecido com a bebida. Tomei um gole pra ter certeza. Posso dizer que uma cervejinha teria caído bem melhor”.
Ele cita o caso da Copa do Mundo, onde adversários, lado a lado, assistiam aos jogos sem confusão.
“Não é a cerveja que dá um soco, é um ser humano estúpido”.
“Argumentos como este do deputado Miki Breier, que para diminuir a violência basta proibir o álcool, é compatível em dizer que, para evitar que as mulheres sejam estupradas na rua, elas devam ser atadas no pátio de casa, para que não corram riscos transitando pela cidade; argumentos como este são os mesmos que pedem torcida única nos clássicos, para evitar que adversários se digladiem”.
Para encerrar meu texto de hoje, pesquei o comentário do meu conterrâneo, o cearense e blogueiro Gabriel Lobo, no texto de Risch.
Ele diz que o vice-líder do Governo, Evandro Leitão, deputado estadual e ex-presidente do Ceará, propôs uma votação sobre o tema na Assembléia Legislativa. Ele é a favor da venda de bebidas, alegando que seu uso não é a principal causa de violência nas praças esportivas.
“No entanto, nesta semana, um grande absurdo chegou a ser debatido por uma deputada completamente lunática, Silvana Oliveira, pedindo uma votação estúpida (ao meu ver). A deputada, além de ser contra a venda de bebidas, sugeriu que nos estádios de futebol do Ceará sejam colocados bafômetros nas entradas para impedir que o torcedor que ingeriu qualquer tipo de bebida possa adentrar para assistir ao jogo”, diz Lobo.
Amigos, vamos à luta. Se a idéia da deputada chegar à AL de Pernambuco, estamos é perdidos.
Já pensaram, chegar ao Arrudão e encontrar um Bafômetro, junto à entrada? Seria a glória do falso moralismo, que vai reinando país afora.
Eu não sei como seria nas sociais, mas as arquibancadas ficariam às moscas.
Amigos corais, na semana passada entrevistei o deputado estadual Antônio Moraes (PSDB). Não o conhecia pessoalmente. É um senhor de 61 anos, muito educado, gentil, conversa franca, me deixou boa impressão. Torce pelo Náutico e é uma voz quase solitária na Assembléia Legislativa, quando o assunto é o retorno da venda de bebidas nos estádios de futebol de Pernambuco.
Caso vocês não saibam (embora estejam sofrendo na goela), desde abril de 2009, foi proibida a venda de qualquer bebida alcoólica em nossos estádios. O projeto de lei 13.478 , apresentado pelo deputado Alberto Feitosa (PR) foi aprovado com tranquilidade (na verdade, quase por unanimidade). Estamos há seis anos vivendo com essa bobagem monumental.
Pois bem. Em 2013, Moraes resolveu ir à luta. Convocou uma audiência pública e levou para a Assembléia o Ministério Público, Federação Pernambucana de Futebol, Juizado do Torcedor (que se posicionou a favor, inclusive mostrando números favoráveis). Não havia nenhuma conexão real entre venda de cerveja x aumento da violência, porque neste período de abstinência, teve gente morta a tiros (defronte aos Aflitos) ou vítima de arremesso de uma privada (no Arruda).
O deputado descobriu que o projeto tinha grande chances de ser aprovado. Naquele momento, tinha apoio da Federação Pernambucana, dos clubes, do Governo do Estado (até porque a Arena construída em São Lourenço se chama “Arena Itaipava”). Começou a tramitar com o projeto, que já fora aprovado, inclusive, por três comissões da AL.
Com o passar do tempo, viu que “ninguém botava a cara nem se posicionava”. Ele defendia a volta da cerveja aos estádios, apresentava os argumentos, mas, na mídia, “era o único que mostrava a cara e levava chumbo”. Pela falta de apoio, decidiu tirar de tramitação. Se avançasse e fosse derrotado no plenário, era o fim do projeto (pois teria que começar da estaca zero, passar por três comissões novamente etc).
No dia 18 de novembro de 2014, sentiu que era o momento. O Brasil sediara uma Copa do Mundo que teve cerveja em todos os estádios. Pediu o “desarquivamento do Projeto de Lei 2153/2014”. Peguei uma cópia do documento. Há um parágrafo lindo:
“II – é autorizada a venda e consumo de bebidas alcoólicas em bares, lanchonetes e congêneres destinados aos torcedores, bem como nos camarotes e espaço VIP dos estádios e arenas, sendo que a venda deve iniciar 02 (duas) horas antes de começar a partida;”
Desta vez, uma novidade: o presidente do Sport se posicionava contra.
O projeto foi a votação. No plenário, estavam 25 deputados. Para ser aprovado e já valer, precisava de maioria simples – 13 votos.
“A gente tinha 18 votos certos”, lembra Moraes.
Mas há, na Assembléia, a “Bancada Evangélica”, com 10 deputados. O discurso deles é que vai aumentar a violência, que é um retrocesso etc. “Eles acabam influenciando outros deputados que nunca foram a um estádio”, diz Moraes, que é torcedor do Náutico e gosta de ir a campo.
Na hora da votação, o deputado Clodoaldo Magalhães decidiu “pedir vistas” para estudar mais o projeto e dar seu voto. Como estava encerrando a legislatura, o projeto foi arquivado.
Bem, para a conversa não alongar muito, o projeto já foi aprovado em duas comissões, está na Comissão de Saúde, e caminha para uma nova votação. Há uma possibilidade real de aprovação, mesmo com a posição contrária do Sport e o “em-cima-do-murismo”, do Governo do Estado (que não mostra a cara, mas se for aprovado, vai gostar muito).
Além disso, Alberto Feitosa, considerado “um calo” na tramitação do projeto, se afastou da Asembléia. Em fevereiro, assumiu a Secretaria de Saneamento da Prefeitura do Recife. Que faça uma grande obra de saneamento na nossa cidade e nos deixe, nós torcedores, em paz com nossa cerva gelada os 90 minutos.
Para Moraes, não faz o menor sentido continuar tendo esta proibição de vender bebida nos estádios de Pernambuco, quando estados como Ceará, Rio Grande do Norte, Santa Catarina, Bahia, já liberaram. “Há estados que nunca proibiram, como Goiás”, diz.
“O que está acontecendo é que o entorno dos estádios se tornou um imenso bar a céu aberto. As pessoas enfiam o pé na jaca antes de entrar. Não está ajudando nada, o torcedor esta, isso sim, é bebendo muito mais, chegando em cima da hora. Além disso, os clubes estão tendo uma perda financeira enorme. O próprio Estado, que tem uma Arena batizada de “Itaipava” poderia ser beneficiado, já que a Arena está dando prejuízos”.
Para a aprovação (sem data certa para ser votada), Moraes conta com um único aliado de verdade – o torcedor, que vai a campo, acompanhar seu time.
“As redes sociais têm grande força”, diz.
Em outras palavras, a bola agora está com a gente. Vamos mexer?