Sou um homem crédulo na humanidade e no que as pessoas podem ter de melhor. Quase um ingênuo. Meio distraído diante das inúmeras televisões do restaurante onde estavam a cúpula do Blog do Santinha e alguns agregados, a primeira impressão é que os jogadores do Santa Cruz usavam camisas rubro-negras e os atletas do Sport vestiam a tradicionalíssima camisa branca com duas listas, no que talvez fosse uma bela experiência dos defensores da cultura de paz nos estádios para acabar com a violência e promover a fraternidade universal entre as torcidas.
Qual nada. O Santa Cruz era o Santa Cruz e o Sport era o Sport mesmo. Os papéis é que estavam trocados.
O Santa atacava inutilmente como o Sport de 2011. O Santa abusava das ligações diretas longas e imprecisas como os Sport em 2012. O Santa rodava a bola para lá e para cá, sem rumo e sem direção, como o Sport em 2013. E como os treinadores, os jogadores, a diretoria e a torcida do Sport nos últimos três anos, o nosso time acreditou na ideia que tem mais conjunto, um time superior e nesse blá-blá-blá todo que não adianta nada quando se enfrenta um time com vontade, com uma marcação sufocante e que sabe que o adversário não é essa tampa de crush toda e que, por isso mesmo, vai errar, ora se vai.
E foram muitos os erros. A derrota poderia ser até maior. Não podemos reclamar de nada, nem do juiz. Foi justo, justíssimo aliás. O problema é que os erros não foram apenas individuais ou dos jogadores, como Vica quis fazer crer na entrevista logo após a partida. Há um erro maior que antecede e provoca os outros miúdos, quase inevitáveis numa partida de futebol.
Nosso treinador é um bom caráter, é o que dizem. Homem de bem, esforçado, sem papas na língua, honesto e que conhece de futebol. Talvez não conheça tão bem assim a alma humana.Se conhecesse, teria percebido que nosso time tem alma de operário, espírito de gente que precisa brigar para ser ouvido e ser alguma coisa na vida. Reparem que eu disse “ser” e não “ter”. Quem arrota ter tudo – dinheiro, troféus, arenas – são os outros.
Não dá para, de um dia para o outro, esses time de guerrilheiros se comportar como se fossem marechais ou almirantes. Ou para retomar a metáfora mais marxista, para botar banca de novos ricos amostrados e perdulários.
Nosso treinador, contudo, passou a acreditar que ser campeão da série C é o mesmo que ganhar, digamos, a Liga dos Campeões. Agora, ele quer que o time jogue para cima, “imponha seu jogo” o tempo todo, com uma zaga exposta tal qual o nervo dolorido do meu terceiro pré-molar. Ele acreditou na lero-lero que éramos favoritos. Ele e boa parte da torcida, que andava presunçosa como se fosse bicolor.
Ontem, na Ilha, o time parecia querer devolver o placar da semana passada ou, ao menos, tirar a diferença, tentando jogar como jogou domingo. Não precisava. Era outro campeonato. Uma coisa não tinha nada a ver com a outra. E o amor-próprio do treinador, ferido por não conseguir comprovar sua tese do time ofensivo e campeão, não carecia ser sanado assim tão de repente, podia ser aos poucos, com um empatezinho ali, outro aqui.
Insisto: o título da terceira divisão mexeu com o ego do bom Vica. Ano passado, ele mudava o time a todo instante e dizia que precisava adaptar o time ao tipo de jogo que iria enfrentar. Ora ia com dois atacantes, ora com apenas um. Ora escalava três volantes, ora apenas dois. Então, porque diabos, ele insiste em manter um volante e meio, mnesmo sabendo que não temos um meio de campo criativo e exuberante? Porque enfrentar um time aguerrido como o Sport como se fosse contra o falecido Vovozinha? A resposta talvez esteja na primeira linha deste parágrafo. Talvez, não sei, é apenas um palpite.
Troféu nenhum deu jeito. O treinador adversário deve ter aprendido muita coisa com o pai, sim, mas certamente tomou lições de humildade com os times de Zé Teodoro e até com Marcelo Martelotte. Três derrotas seguidas em casa podem ensinar muita coisa. Espero que que não seja necessário tanto para Vica. Que duas lhe bastem para que o Santa volte a praticar o futebol guerrilheiro do tricampeonato.