Transparência, meus caros.

Meus amigos tricolores, transparência é um elemento essencial para qualquer governo, empresa ou instituição que se diga séria e competente. Trata-se de atitude administrativa voltada para objetivos específicos e claros, cientes de sua cultura e metas, bem como das dificuldades e possibilidades do mercado.
Tornou-se comum falar em portais da transparência. Estes expedientes digitais permitem que todos que estão envolvidos com a empresa, governo ou organização possam compreender o que está sendo feito em termos de gestão.
Gestão envolve um universo de coisas: finanças, economia, política, planejamento, marketing, etc. E com um time de futebol não é diferente. A grande diferença é que um clube, mesmo sendo uma empresa, é, antes de tudo, sua história e sua torcida. Trata-se de um elemento universal que se mostra no particular da História: a mudança do elenco, dos treinadores, da diretoria e da presidência. O universal é a alma do time.
Jorge Arranja leciona na mesma faculdade em que ensino. Vez ou outra batemos um papo rápido sobre o Santa Cruz.
“Jorge, perguntei, e essa ideia de vender o patrimônio do Santinha para resolver o passivo? É possível?”.
Na sua habitual calma, ele me respondeu:
“Há tantos impedimentos legais, um universo burocrático tão complexo que creio ser inviável. Além do mais, o terreno foi doação de caráter sócio-esportivo. Ou seja, a base do patrimônio possui destinação social”.
Conversando com Gerrá sobre os problemas do clube, ele sugeriu:
“Zeca, escreve sobre transparência. Muita gente está falando nisso. Ninguém sabe o que rola nos bastidores. É muito complicado”.
Um professor de educação física que trabalha, também, na mesma faculdade, me disse:
“E mesmo que fosse possível vender o Arruda, tu não achas que as traças de sempre apareceriam para lapidar esse ativo? Tu és louco?!”.
Hoje Tininho apareceu fazendo um mea culpa na imprensa. Falou o que já estamos cansados de saber: faltou planejamento, erro de contratações, situação financeira…
Um dos grandes problemas é essa falta crônica de transparência de nossos dirigentes aliada a uma total incapacidade de escutar sua torcida. E aqui gostaria de frisar; escutar os sócios. O nome já está dizendo: ei, eu sou teu sócio, me diz aí a verdade sobre o que estou pagando e, de lambuja, escuta aqui minhas sugestões sobre o que acho que deve ser feito para melhorar.
Defendo a mais ampla transparência dentro do Santa Cruz com a criação de dois portais: o primeiro que nos permita visualizar a nossa real situação e um segundo, mais democrático e simples,em que a Direção e a presidência possam ter acesso à opinião dos torcedores realmente preocupados com o clube. Loucura? Nada. São práticas adotadas por empresas japonesas. A Honda e a Toyota que o digam.

No caminho da concentração

Do local de treinamento até a concentração, um hotel de médio porte, a distância não é tanta. Mais ou menos, uns 15 quilômetros.

O trânsito é intenso. O ônibus segue lento e a viagem é meio enfadonha.

No banco de trás, com um fone de ouvido verde-escuro, o lateral-esquerdo ouve um rap e balança a cabeça. Na cadeira ao lado, o atacante curte umas postagens no facebook. E, um pouco a frente, o zagueiro tenta dar um cochilo.

O lateral direito olha a paisagem pela janela. Era uma galeguinha desfilando pela calçada. Ela vinha da academia. Ou ía. Vestia aquelas roupas coladinhas no corpo.

O lateral, depois de mais de um mês entregue ao DM, finalmente volta a concentrar.

— Será que tu vai pelo menos pro banco? – perguntou o atacante reseva.

— Sei lá! – respondeu o ala – quem deve saber é o professor Pardal!

Professor Pardal está no cantinho dele. O terceiro assento do lado direito. Do lado dele, o auxiliar técnico.

Ele tem um ritual. Sempre senta no mesmo lugar, sempre está com um livro na mão. Na maioria das vezes é de auto-ajuda ou algo referente ao futebol. Alguns atletas tiram sua onda e dizem que o professor finge que gosta de livro, mas o que ele aprecia mesmo é revista de pornografia. Revista de mulher nua.

— Punheteiro safado! – um deles diz.

Todos caem na gargalhada.

Pardal está sério. Parece estar bem compenetrado. Lê um livro de psicologia esportiva. “A construção do tipo “Jogador de Futebol” sob o olhar da psicologia social do esporte”.

O engarrafamento é de encher o saco. O segundo goleiro faz um batuque e tenta puxar um pagode. Ninguém acompanha.

Do nada, o professor se vira para seu auxiliar técnico e diz:

— Vou te fazer uma pergunta?

O auxiliar balança a cabeça feito uma lagartixa e espera a questão.

Pardal manda:

— Você seria capaz de amar uma mulher fora do seu casamento?

— Como assim? – indaga o auxiliar.

— Não entendeu? Tou perguntando se você seria capaz da amar uma mulher fora do seu casamento.

Uns segundos de silêncio e o auxiliar levanta diz:

— Mestre, ninguém é dono de ninguém. E essa coisa de amar é muito subjetiva. Objetivamente o que é amar? O que é amor? O que é paixão?

O treinador foi ficando com um semblante esquisito.

O auxiliar continuou:

— Sabe, eu até hoje não sei se gosto de mulher. O que tenho certeza é que gosto mesmo é de buceta, de peito, de beijo na boca. E tenho muito amor no meu sangue. Daí, vez por outra preciso fazer uma doação.

O auxiliar do técnico terminou sua explanação com uma gargalhada. Não percebeu que Pardal estava com o olhar fixo perdido pela janela. Professor Pardal começou a chorar.

— Mestre o que foi?

— Nada, nada – ele respondeu choromingando.

Alguns jogadores viram e a notícia logo se espalhou. A noite a greia entre os atletas foi grande.

O atacante perguntou pro zagueiro:

— Tu visse o professor chorando?

— Vi. O que terá sido?

— Sei lá. Aquilo é um doido.

O zagueiro arrematou:

— Só pode ser gaia…

Um Nostradamus, urgente!

Meus amigos tricolores, neste final de semana fui para um congresso de Filosofia e estava na casa de um grande amigo – Gustavo Pedrosa – na capital de São Paulo. Deu uma vontade danada de me mandar para Campinas, mas não dava. Pedrosa é o maior anfitrião do mundo. Cerveja importada, gastronomia de alto nível, um papo inteligente e divertido e um coração do tamanho do mundo.
Investidor por natureza, o único defeito deste grande amigo é ter nascido coisado. Pois é, ele torce pela Coisa. Estávamos em seu apartamento em Barra Funda e eu calculando os quilômetros para Campinas. Entre uma cerva e outra e meus cálculos, minha esposa sentencia:
“Você não vai de jeito nenhum”. Cara dominado da porra, eu pensei.
Estava difícil. Decidi ficar vendo os dois jogos ao mesmo tempo: o suplício do Santinha e a desgraça do Vitória que não marca um pênalti nem a pau. Pedrosa pontuava os resultados que iam despontando na 31ª rodada.
O cara compreende os meandros da vida administrativa e olha para o futebol com aquele olhar de expertise de quem entende tudo como um negócio. Olha para o futuro, calcula os erros do passado e aposta no talento e na criatividade no presente.
“Zeca, o teu Santinha deveria ter profissionalizado a Diretoria. Veja o exemplo da Chapecoense. Administração enxuta, visão de mercado, controle nos custos, contas equilibradas, salários em dia. Jogadores medianos… e seguem na Série A”.
Parecia comentador do SporTV. “E o que mais?”, perguntaria o outro comentador.
“O Flamengo está corrigindo administrativa e financeiramente os erros cometidos. Cortaram a folha de pagamento, visualizaram os gastos, trabalham com a prata da casa, investem na base. Lembra-se como estava um desastre o clube no inicio do Brasileirão? Remodelaram completamente a gestão. Estão apostando num projeto de dez, vinte anos”.
Era triste, mas era verdade. Já estou cansado de falar dos erros que cometemos neste segundo semestre de 2016. Não adianta mais chorar o leite derramado.
“A Ponte Preta, ele prosseguiu, fez um trabalho de estruturar o clube para alcançarem os 45 pontos e seguirem no próximo ano na elite. Tudo isso é fruto de visão de futuro”.
Quando Doriva jogou a toalha e reconheceu que a situação é irreversível, pensei nas análises de meu amigo e em tudo o que já foi exaustivamente discutido aqui neste venerável blog.
Precisamos de um Nostradamus urgente. Ou profissionalizamos o que tem que ser profissionalizado ou podemos amargar um futuro pior do que os tempos presentes.
Desci no Recife nesta segunda. A pior ressaca de todas: a falta de esperança.
Li os comentários dos leitores deste blog. Concordei com todos. E é verdade: deu uma vontade filha da puta de mandar tudo para a puta que pariu.
Mas meu coração é tricolor. Estarei lecionando quarta à noite, mas logo que sair da faculdade, ligo o rádio e continuo torcendo pelo Santinha. Ciente dos erros, da tragédia e de um futuro incerto.

O visionário que entende de futebol

A gente havia feito uma partida ridícula contra o América. O jogo foi na Casa dos Festejos e apenas empatamos. 0 a 0.

Dos mil e poucos torcedores que foram, uns voltaram para casa revoltados, outros descrentes. Todos, arretados da vida.

Cláudio, amigo meu que trabalha na Celpe, foi duro: vou te dizer uma coisa! Se for pra série A com esse time aí, a gente vai fazer vergonha!

Naquela ocasião, eu achei um tanto exagerado o comentário dele. Afinal, ainda era o mês de março. Faltava quase dois meses para, depois de 10 anos, a gente jogar de novo na primeira divisão do brasileiro.

Nesse intervalo, fomos campeões da Copa do Nordeste e Bi do Pernambucano. Festa do povão!

Cláudio foi para Campina Grande e viu de perto o Santa levantar a taça.

Uma semana depois, outra festa. Tomou todas comemorando o título do pernambucano.

Logo em seguida, mandou um zap para mim: “isso não é time para uma série A. E esse treinador tem prazo de validade”.

Não respondi. Apenas pensei: que bicho chato do caralho!

Estreamos no brasileiro. Às 11 horas da manhã, num Arruda pegando fogo, metemos 4 a 1 no Vitória.

Na sequencia, fomos jogar contra o Fluminense. Lá no Rio, arrancamos um empate de 2 a 2. Naquele jogo, nosso time acabou a partida com seis atacantes em campo. Na ilusão, um bocado de gente (inclusive eu), achou que definitivamente o Santa Cruz havia se tornado um time moderno. Exceto, Cláudio.

Voltamos para Recife. Santa Cruz x Cruzeiro. Quatro a um de novo. Grafite fez um golaço. O Tricolor do Arruda, o Clube Mais Querido, virou a sensação do campeonato, ao ponto de um comentarista da Sportv dizer que nosso time era o mais arrumado do Brasil. Fiz questão de enviar o link pra Cláudio.

Como se estivesse escrevendo um telegrama, ele respondeu: estamos bem. Ainda é cedo. Campeonato é longo. Reunião.

No sábado seguinte, encontro com ele. Marcamos pra tomar umas e ver o jogo contra a Chapecoense. Empate fora de casa. Se o campeonato acabasse ali, o Santa Cruz tava na libertadores.

Pedi uma rodada de chopp, mas o porra do Cláudio, mais frio do que um presunto no fundo do congelador, saiu com essa: “Gerrá, esse time tá enganando. O grupo é limitado. Se tirar os bons que estão no time titular, não tem quem entre. E esse treinador, além de doido, gosta de fazer ciência na equipe e expor jogador ao ridículo. Logo, logo, ele perde o grupo. Sei não….”.

“Meu irmão, tu parece aqueles caras que tá no meio de um churrasco e vem avisar que carne vermelha não faz bem pra saúde. Vai te fuder. Bora comemorar, porra!”, eu disse.

Gargalhamos e fizemos um brinde.

Naturalmente, me afastei da chatice dele. Evitei mensagens e não marquei mais para ver jogos.

Passaram-se rodadas, os outros times foram melhorando, o Santa Cruz começou a descer a ladeira em direção a seribê, trocamos de treinador, contratamos uns perronhas e a profecia de Cláudio foi se consumando.

No jogo contra o Palmeiras, encontrei com Cláudio. Antes que ele falasse qualquer coisa, eu me antecipei: “eu não sei se tu és um visionário ou se tu entende mesmo de futebol. Ou as duas coisas juntas. Puta-que-pariu, tu tava certo!”.

Ele começou a rir.

Assistimos ao jogo juntos. Bebendo Itaipava e conversando ameninades.

 

Só resta secar, professor!

Meus amigos tricolores, no meu prédio tem um porteiro que é um tricolor muito especial. Seu Luís já é um senhor de idade, mas é tão elétrico e alegre que posso dizer que seu espírito continua jovem. Sempre cumprimenta a todos com um largo sorriso. Fala de maneira espontânea, gesticula como um ator de teatro e sempre tem uma tirada sobre tudo.
“Professor, ele me disse depois do jogo contra o Palmeiras, o negócio tá feio pro Santinha”.
“Série B à vista, Seu Luís”, respondi.
“Pois é. Também, com salário atrasado e com tanto jogador ruim… só podia dar nisso”.
“O senhor tem toda razão. Esse time está de lascar mesmo”.
“Pois é, professor. Só resta secar a Coisa para que eles desçam com a gente. Alegria de pobre é assim mesmo”.
Ri do comentário de Seu Luís e fiquei matutando sobre essas possibilidades.
A Coisa tem 33 contra 31 da Figueirense e vai pegar hoje o São Paulo que está na briga direta por pontos. A Figueirense pega o Botafogo que está brigando entre os dez. O Inter pega o Coritiba que ainda respira com 36 pontos. O Cruzeiro pega a Ponte que está um pouco acima na tabela. Pois é, o negócio está embolado. Mas vale a pena seguir o conselho de Seu Luís.
Para complicar tudo, o Santinha pega o Flamengo que está mais virado do que menino em festa de aniversário. Porém, domingo irei me preparar para tomar umas cervas e ver meu time jogando. Futebol é uma paixão doida mesmo.
Gerrá, ao ouvir meu comentário sobre Seu Luís, tirou a maior onda:
“Torcer, então, para que o Flamengo seja hepta”.
Rir para não chorar.
“Professor, disse Seu Luís, vai cair tudinho. Não vai ficar um. E nem Givanildo vai salvar as barbies”.
A velha e boa rivalidade futebolística em seu mais puro estilo recifense.
Hoje, ao sair para dar aula, Seu Luís veio me recepcionar:
“Vai torcer para o São Paulo hoje?”.
“Mas é claro”, respondi.
“Tem que secar mesmo, professor. E futebol é assim mesmo: bola pra frente”.
Ele fez um gesto como se jogasse uma bola imaginária no ar e soltou o seu grande sorriso.