A menina entrou em casa ansiosa para assistir uma dessas séries feitas para alienar pré-adolescentes. O pai assistia ao jogo do Brasil.
— Aff, – ela reclamou – todas as televisões estão ligadas nesse jogo!
— Oxente, minha filha, você não gosta de futebol?
— Gosto de jogar futebol e de ver jogo do Santa Cruz.
— Vá lá pro quarto, então!
— Já fui. Mas mamãe tá lá, vendo esse jogo! – falou e fez cara de abusada.
Ficou ali, ao lado do pai. A cada jogada errada, a garota debochava. O pai adorava as cornetadas da menina. Lá pras tantas, Neymar erra um chute, chuta o chão e cai.
— Ah, que lindo! – ela rir sarcasticamente.
— Tu não gosta de Neymar? – ele pergunta.
— Eu não! Todo metido e não faz nada. Gosto não!
— Putz, como o tempo passa rápido. Era uma pirralha. Hoje tá aqui, vendo o jogo comigo, falando de futebol, reclamando, cornetando como deve ser todo torcedor. E eu, que não tive filho menino, achava que não iria ter esse prazer. Caralho, isso é lindo! – ele pensou.
Hoje, por um acaso, eles assistiram ao jogo nas cadeiras, juntinhos, sem a companhia de ninguém conhecido. A mãe e a outra irmã, ficaram um pouco afastadas, na fila da frente. Hoje não tinha outros amiguinho para encher o saco pedindo brebotes, nem ninguém para puxar conversa.
Eram só os dois.
Ela, concentrada no jogo. Não pediu nem pipoca.
Ele, na angustia para sair da zona.
— Papai, essa bola foi tiro de meta?
— Foi!
— Como assim? O goleiro bateu de fora da pequena área…
— É. Foi não. Foi impedimento!
O jogo segue. O Santa Cruz é pior do que o time dos Trapalhões. Jadson perdido em campo, faz lembrar Bolaños. João Paulo quase entrega a rapadura. O São Paulo toma conta da partida e a torcida mais apaixonada do Brasil começa a ficar impaciente.
Do lado deles, um rapaz xinga Jadson.
— Realmente papai, esse 7 não está jogando nada.
— É minha filha. E parece que só o burro do treinador não está vendo.
E eis que o 7 dá um passe errado, o adversário rouba a bola, o São Paulo vai lá e a gente leva um gol.
Naquele instante, todos quiseram matar Jadson. Outros também quiseram degolar o treinador. O pai ligou sua metralhadora.
— Treinador filho da puta. Vai tomar no teu cu. Burro. Cego. Filho da puta!
— Papai, não tou te entendendo. Quem errou foi esse 7. O bicho é muito ruim, viu!
— Filha, desde o começo que o 7 vem fazendo merda ali. O treinador já era para ter tirado ele daquela posição e mandado Danilo Pires para aquele setor. Bastava inverter um com o outro.
— Quem é Danilo Pires?
— É aquele de chuteira cor de laranja. Vermelha. Sei lá. Aquele com a camisa 8.
— Ah, tá!
Acaba o primeiro tempo. Ela pede água. O pai toma um gole e arrota. Ela acredita no empate. Diz que o time vai melhorar e que não gostou de Grafite.
Começa o segundo tempo. Artur entrou. O Santa Cruz pressiona. O gol tá maduro. Mas, num contra-ataque, o time paulista faz o segundo. Uma ducha fria para os tricolores corais santacruzenses das bandas do Arruda.
É quando Milton Mendes chama o eterno Renatinho.
— Caralho! Renatinho?! – ele diz.
— Bota Caça-Rato, Milton Doido! – ele grita.
— Renatinho? Minha nossa, eu nem lembrava mais que ele existia – a menina comenta.
— Papai, ele parece uma criança. Mas não é só pelo tamanho, mas pelo futebol ruim!
A peleja acaba. Grafite perdeu um penalti. Keno fez um belo gol. Encerramos o primeiro turno na zona.
Eles voltam para casa. São poucas palavras. Por uns minutos, o silêncio toma conta do carro. Chegam em casa.
— Filha, vai assistir ao jogo do Brasil?
— Eu?! – ela diz indignada.
— Vou nada. Vou é dormir. Se fosse o do Santa Cruz, até que eu assistia.
— Caralho! Isso é lindo! – ele pensou