Era inicio do campeonato brasileiro. Naquele jogo, resolvi ir para as sociais. Mal bateram o centro, a turma já estava reclamando. Ao meu lado, Gilvandro se invocava. Não com o time, mas com chatice da turma das sociais. “Deixem o time jogar, bando de filho da puta”, ele resmungou.
Lá na frente, o ataque perde um gol feito e a chiadeira é geral. “Vai ser grosso assim, na casa da rapariga da tua mãe”. “Bicho ruim do caralho”.
Foi quando Gilvandro olhou pra mim, ajeitou os óculos e disse: “esse negão não é de todo ruim não. Esse cara tem potencial. A merda é que a torcida não tem paciência, nenhuma”.
Gilvandro falava como se fosse o mestre Telê Santana.
Foi quando meteram uma bola pro negão, ele botou a pelota na frente, deixou uns três marcadores para trás, entrou na área e chutou por fora. O azedume das sociais atingiu seu limite máximo. Um cara ao meu lado ameaçou entrar em campo pra tomar satisfação com o nosso centroavante. Um senhor se esgoelava e cuspia tudo que era de xingamentos em direção ao camisa nove.
Gilvandro respirou fundo, controlou os nervos e preferiu se retirar daquele lugar. Movido pela mesma causa, acompanhei meu amigo.
Assistimos o resto da partida, perto do portão de saída das sociais.
Dali pra frente, nosso papo foi sobre Grafite. Não exatamente sobre os tantos gols que ele perdeu naquela partida, mas sobre seu traquejo, sua disposição em campo e, principalmente, sobre sua história.
Pedimos uma cerveja.
“Meu camarada, ele começou a jogar profissionalmente aos 20 anos. Esse rapaz só precisa aprender alguns fundamentos. Tem tudo pra ser um grande atacante”.
Gilvandro foi certeiro. Grafite deslanchou.
Menino pobre, preto, nem pensava ser jogador profissional. Chegou por aqui em 2001, enfrentou a pressão da massa coral, não amarelou e se mandou por esse mundo afora, levando o Recife e o Santa Cruz no coração.
Por onde passou, conquistou títulos, fez gols, foi artilheiro, se tornou ídolo.
Seguindo pela contramão da atual lógica do futebol, depois de quase quinze anos, Grafite chega de novo ao Arruda.
O carinho, o amor e a paixão o trouxeram de volta para vestir nosso manto sagrado.
Seja bem-vindo meu nobre!
Saiba que o povão está em festa e com orgulho de ser Santa Cruz.
Uma geração de tricolores corais santacruzenses das bandas do Arruda que nunca te viram jogar, já te tem como ídolo.
Cá pra nós, Grafite, tu és a cara da nossa torcida!