Precisamos de um nome pra chamar

Quando saímos do calvário e subimos para série B, aquela partida inesquecível contra o Betim, quem nos salvou de um infarto foi o grito “Ah! É Caça-Rato”. Meu coração batia a mil por hora, minhas mãos suavam frio. Num último suspiro de esperança, a torcida se transformou numa única voz e pediu o Caça. E Caça-Rato nos deu uma das maiores alegrias de todos os tempos.

Quantas e quantas vezes, na hora do pega-pra-capar, quando a gente tava levando aquele sufoco, a turma gritava “Ah! É Renatinho”. Renatinho, o nosso pirralha,  vinha correndo e a torcida transpirava a última gota de otimismo. As arquibancadas se animavam e empurrava o time.

Tinha também o General. O jogo tava ali para terminar, a torcida quase tendo um ataque de nervos. De repente o treinador lembrava de Bruno Moraes. Quando Catatau corria e tocava no General, a massa soltava o grito: Acabô o caô! O General chegô! O General chegô! Bruno Moraes entrava pilhado e por várias vezes nos salvou de voltar para casa de mal humor.

Todo time que ser preza, tem que ter um ídolo no banco de reservas. Aquele cara que a torcida acredita que dá sorte. Que vai entrar e vai mudar a partida. Uma espécie de talismã. Aquele atleta que o torcedor no auge da raiva, da angustia e do pessimismo, inconscientemente recorre ao nome dele.

Quem não já ouviu do amigo que está ao lado: tá na hora de botar fulano. Ou então: tem que botar beltrano, isso é jogo pra ele.

Até em time de pelada, é assim. Na minha época de adolescente, Pé de Bomba era o reserva de ouro do time do bairro em que eu morava. Forte e entroncado, era dono de um futebol medíocre e de pouca inteligência. Mas Pé tinha uma qualidade: seu chute era fortíssimo. Além disso, não levava desaforo pra casa. Nos torneios, quando a derrota estava na nossa porta, a gente começava a pedir a entrada de Pé de Bomba. Em ritmo de funk, a rapaziada cantava: “É-é-é-é-é! É Pé de Bomba”.

Até no time de futebol de mesa, todo mundo tem o botão da sorte. Que fica guardado e só entra quando precisa decidir o jogo.

Eu tinha Azulão. De acrílico, Azulão era um exímio batedor de falta. Diziam que ele batia falta melhor do que Zico. Eu sempre deixava Azula guardado dentro da flanela, para colocá-lo na ocasião certa. Por várias vezes, Azulão entrou e, fazendo gol ou não, me deu sorte e garantiu minha vitória.

Nesse time atual do Santa Cruz, quando estamos levando sufoco, a gente olha pro banco e não vê ninguém que amenize nosso sofrimento. Mas não tem nenhum nome que a torcida possa chamar. Muito pelo contrário, tem uns que só aumentam a nossa angustia e nossa irritação.

O jogo de amanhã me trouxe uma lembrança

Vou levar falta, amanhã. Vi todas as possibilidades, mas não poderei ir. Muito menos assistir em alguma televisão.

É lasca. Logo contra o Guarany de Campinas.  Carlos Alberto Silva, Gomes, Almeida. Aquele nosso time de 1983. Eu era um pirralho. A gente ia para o jogo tudo misturado. Preto, branco encarnado. Branco e encarnado. Preto e encarnado. Eu sempre de kichute, meião do Santa, calção preto e minha camisa com listras verticais. Rolete de cana e amendoim. A Santamante, a Santanás, a Força Jovem e outras organizadas.

Naquele ano, fomos pro terceiro turno do campeonato como azarões. E aí, a história que nos acompanha desde o berço. Não deixe a cobra crescer, que a bicha bota pra fuder. No peito e na raça vencemos o terceiro turno e provocamos um super-campeonato.

O jogo final daquele campeonato, o de 1983, eu tenho todo na memória. Desde a nossa saída de casa.

Fomos num Opala. Era de um senhor, vizinho nosso. Sem GPS, sem celular, sem cinto de segurança, sem extintor, o cara era um tipo Uber dos anos 80. Ele acertava de nos levar pro jogo. Combinava um preço e nos levava.Quase sempre, o Opala ia com lotação acima do permitido. A gente entrava no estádio e o coroa ficava nos esperando, bebendo cerveja e escutando pelo rádio. Até hoje não sei porque ele não entrava. Eu perguntava a meu pai, porque o Coroa não via o jogo. Meu pai respondia: “sei lá. Ele é meio doido”.

Enfim, essas doidices que cada um tem e ninguém sabe o motivo.

Ficamos na arquibancada. Eu, meu pai e um amigo dele. Um dos maiores públicos que  já vi no Arruda. Quase 80 mil pessoas. Falam até que tinha mais gente.

A turma do Capibaribe dava como certo a conquista. Falavam que já tinham encomendado as faixas de campeão. Mas já naquele época, eles nadavam e morriam na praia. Está no sangue do Capibaribe.

Eu quase não consegui se mexer, mas não soltava minha bandeira. Metemos um a zero. Na hora do gol, fui levantado feito um troféu. Um senhor começou a passar mal perto da gente.

A partida caminhava para o final, até ali éramos campeões. Pertinho do fim da peleja, eles empataram. Na base da raça, seguramos a prorrogação e fomos para os penaltis. Nosso time estava com um jogador a menos.

Vencemos nas penalidades. Depois de 5 a 5, Luis Neto defendeu uma bola que ficou em cima da linha. Foi uma confusão. Depois de muito rolo, Gomes sacramentou nossa vitória.

Que jogo. Eu, menino, gritava: “enfia a faixa no cu, seus porras!” Meu pai ria a vontade. O amigo dele me abraçava. A cidade estava em festa. Tudo era felicidade. O Santa Cruz era tri-super campeão!

É hora de pegar na vassoura

Acordei com os gritos estridentes daquela moça que estava na fileira atrás da gente ecoando na minha caixola. “Vai Thiago Costa, vai, vai..”. “Thomás, gostoso!”. Quando o jogador deles pediu substituição, ela não titubeou,  “pau no cu desse pipoqueiro”. No momento da confusão, ela gritou: “expulsa esse filho da puta. Expulsa”. Educadamente eu lhe disse: “se ele der vermelho, vai ser para os dois”. Ela se calou por alguns minutos.

Tomei meu banho, escovei os dentes e aos poucos aquela voz gasguita foi sufocada pelas lembranças da partida.

Passei o dia fazendo reflexões. Troquei ideias com os amigos, li comentários, revi os lances do jogo. Tomei uma lapada de Bucanos. Resolvi colocar a zambumba de lado e peguei o meu trombone de vara.

Nobres, é difícil escolher nesse time quem deveria ir logo pra puta-que-pariu. Uns acham que seria o treinador. Outros defendem que deve ser Wellington César. Na minha lista tem uns oito.

Pereira é um deles. A preguiça, a falta de alma, o descompromisso, fazem esse cara jogar em câmara lenta. Se ele chega naquela bola com convicção, com raça, teria feito o gol. Que jogador lerdo do caralho.

Barbio é outro. Alguém pode me informar onde foi que esse rapaz já jogou bola? Quando esse cabra foi contratado, alguém me falou que ele viria para fazer a função que Keno fazia. Queria que ele jogasse somente a metade do que Keno jogava.

Wellington César. Esse seria banco na pelada da Portão 10. É impressionante a ruindade desse rapaz. Dos que vieram da base, é um dos piores jogadores que já vi jogar no Santa Cruz. Não faço ideia de quanto é o salário dele, mas se eu fosse a diretoria, fazia umas rifas, um bingo, um financiamento coletivo, etc, para arrecadar uma grana que desse para pagar a sua rescisão contratual.

Sim, não posso esquecer de Julio César. Pense num pé frio. Foi esse goleiro chegar e já fomos eliminados de duas competições. A diretoria precisa mandar fazer um trabalho de descarrego nele. E tem que ser antes de sábado, para não botar em risco a vaga da Copa do Nordeste 2018.

E Eutrópio? Otropo, Otrope, Psicotrópico, sei lá!

Já anotei o nome dele na minha listinha dos piores que passaram por aqui. Bagé, Ferdinando Teixeira, Ricardinho, Sérgio Guedes, Doriva, Márcio Bitencourt, entre outros. Um bando de homem travestidos de treinador de futebol.

Com um discurso idiota de que perdemos para um time que tem mais dinheiro do que a gente, ele tenta justificar a burrice e a cegueira crônica que tem.

Certo, Seu Otrópico, e aquela vergonha contra o Salgueiro foi o que?

Se o problema for diferença de orçamento e de folha de pagamento, já sei que na Copa do Brasil, perderemos para o Atlético Paranaense.

Quando Otrope chegou, um amigo me disse que ele era muito bom em montar elenco. Citou a Ponte Preta e a Chapecoense como exemplos. Ele pode até ser competente nesse quesito. Mas saber escalar, substituir e ler o jogo, isso ele precisa aprender muito ainda.

Bom, eu espero que nossos cartolas já tenham comprado a vassoura, o sabão, o desinfetante e o rodo. É hora de ver o que presta e o que não serve, e começar a faxina.

TRIIIIIIII!

De corpo ou de alma, todos ao Arruda

Não tenho a menor dúvida em afirmar: decisão aqui em Pernambuco, só presta quando o Santa vai jogar.

É incrível como a cidade muda o astral quando estamos numa decisão.

Pelos quatro cantos do mundo, quem é do Santa Cruz não pensa em outra coisa. O jogo desta quarta-feira está presente em tudo que vem a nossa mente.

Em São Paulo, o Empanadas vai ser o nosso reduto. É para lá que Raul, Danilo, Gil e outros tricolores corais santacruzenses das bandas do Arruda vão se juntar para ver o jogo.

Em Brasília, o nosso local é o de sempre. Bar Raízes, do amigo Pablo Feitoza. Já vi jogo no Raízes. É simplesmente fantástico. Dia de jogo do Santa Cruz, lá no Raízes, até a bandeira da Jamaica muda de cor.

Lá em Vitória da Conquista, Alexandre (o papa-defunto), é quem organiza a história. Na função de Consul Coral, ele abre os portões da sua casa, reúne os amigos e transforma a moradia numa espécie de Arrudinha.

Por aqui, o Orquestrão já está com mais de 60 músicos inscritos para ir ao jogo. É frevo, meu velho! Quero ver algum time, de forma espontânea, conseguir juntar um naipe de músicos desse tamanho. Duvido!

A Portão 10 vai estar fazendo a sua tradicional recepção ao Expresso Coral. Todos estão convocados para, às 19:14, se concentrar na Rua das Moças e receber nosso esquadrão. Levem bandeiras, balões, papel picado, sinalizadores, cornetas, apitos e o que mais quiser.

Zeca vai aplicar prova. 20h30 ele recolhe tudo e se manda para a arquibancada do Arruda. Ivonaldo, o cara da xerox, me disse que também vai direto pro jogo.

Eu já comprei meus ingressos.

E Samarone, acabou de me confirmar. Vai comemorar o aniversário dele no Arruda.

Para torcida do Santa é como se o feriadão se esticasse até o apito final da partida que vai definir o outro finalista do Nordestão. Ninguém consegue fazer mais nada, a não ser pensar nesse jogo.

Nesta quarta, pode chover canivete, de corpo ou de alma, estaremos todos no Arruda. Afinal, o Santa Cruz é dono absoluto da nossa paixão.

A festa é nossa

Esse negócio de zap é uma invenção fantástica. A gente não precisa mais marcar reunião, nem encontros, pra discutir as coisas. Pra falar da vida dos outros, é só ir lá whatsapp escrever ou mandar um aúdio gravado.

Estou eu aqui, fazendo umas coisas banais e eis que um amigo me manda um áudio. Abaixo dele uma mãozinha apontando pra cima e uma mensagem: “escuta aí. Tu vai gostar.”

Esse colega meu tem crédito. Não é daqueles que vive mandando leseira e piada sem graça.

Pois bem, abri o áudio. Era um cabra todo nervoso, que acha Samarone feio. O cara fala umas coisas,  me chama de Guerrá,  diz que conviveu comigo, num sei o que, num sei que lá, que é tudo socialista e gosta de tomar uisque, que Samarone é roqueiro, e por aí vai.

Em seguida, recebo outro zap. Outro áudio. Nesse, o sujeito além de nervoso, tava brabo. Detonou esse calejado Blog, esculhambou o coitado do Anízio,  não poupou o velho Sama e de novo, chamou tudo de socialista que gosta de uísque.

Minha gente, o que uma derrota não faz. Se ao final do jogo contra o Salgueiro, aquela falta de Anderson Sales fosse gol e nós ganhássemos nos penaltis, as pessoas estariam mais calmas e a loucura estaria controlada. Mas é como diz o velho ditado, “pau na cabeça, endoida”! E deixa o cidadão vendo miragens.

Vejam só. Eu da minha parte, gosto de tomar cerveja. Samarone é outro que adora cerveja, vez por outra ele toma um vinho. Anízio, esse nem preciso dizer. Basta olhar para o bucho dele que até o mais maluco da tamarineira vai saber que a onda de Anízio é cerveja. Então amigos, parem de nos acusar que adoramos uisque. Em um dos áudios, o cara falou até em um uisque chamado Bucanos. Nunca ouvi falar nessa marca.

Outra coisa, a gente gosta de assistir aos jogos lá na arquibancada. Camarote é coisa de coxinha. Mas, somos todos de carne e osso e, claro, não deixamos de fazer uma farrinha com o presidente.

Nossos encontros festivos são sempre regados a uma boa música, cervejas puro malte e bons petiscos. Vilanova, por exemplo, quase sempre leva seu cavaquinho e toca uns sambas. A cerveja é doação do nosso querido cervejeiro Odilon, dono do Empório Colombo. Tem de vários sabores. Os tira-gosto são obras de Inácio. Pra quem não sabe o bicho se garante na culinária. Ele faz uma picanha na cerveja da famíla “lambic”, estilo kriec, que é um negócio fantástico. Não sei porque Inácio ainda perde tempo com o Santa Cruz e querendo ser escritor. Devia mesmo era se chef de cozinha. Outro que é bom na cozinha é Zeca. Mas a especialidade dele são os pratos regionais. O cara faz uma dobradinha boa danada.  A parte estrutural, som, gelo, etc, Robson Sena é o cara. Samarone, aquele cabeludo feioso, só faz beber, comer e repetir histórias.

Então, cidadãos tricolores corais santacruzenses das bandas do Arruda, parem de ficar fofocando sem saber das coisas. Não gostamos de uisque, nem de ir pra camarote. No nosso grupo tem gente que joga na esquerda, na zaga e no ataque. Na nossa turma, ninguém tá preocupado com samba, rock, piolho, pulmão, cu e rola de ninguém. A gente gosta mesmo é do Santa Cruz e de se divertir.

Mas vejam, nossas farras, não são no camarote da presidência, muito menos no Arruda, porque a gente não é besta. E na nossa festa, tabacudo não entra!

Que nossos sonhos se realizem

Quando eu soube que nosso presidente iria para coletiva, mudei a estação do rádio. Sintonizei na resenha e fiquei esperando a fala de Alírio. Fazia tempo que ele não aparecia. Mas os caras do rádio ficaram falando um monte de besteira sobre assuntos banais e o tempo ficou curto. Só deu para Alírio dizer que até o dia 30, nós teremos uma grata surpresa. “Será a realização de um antigo sonho da torcida”, ele disse mais ou menos assim.

Aproveitei o engarrafamento da Avenida Norte e fiquei matutando sobre isso! Qual surpresa será essa? Qual o sonho da torcida vai ser realizado?

A primeira coisa que me veio à cabeça foi o placar eletrônico. Um sonho antigo de muitos que conheço. Nem lembro a última vez que  vi um placar eletrônico no Arruda. Fiquei pensando nisto. Nesta história da realização do um sonho antigo nosso. E aí, perguntei a uns amigos e conhecidos. Choveram sonhos e devaneios.

Conversei com Ivonaldo, o cara da xerox. O sonho de Ivonaldo é ver Dênis Marques voltando a vestir da camisa do Santa.. “Na verdade Dotô, eu queria mesmo era ver Marcelo Ramos, mas tenho pra mim que ele parou de jogar.Queria DM9 no nosso ataque”, ele disse.

Já Danilo, me disse pelo zap que sonhava ainda com Rivaldo jogando pelo Santa Cruz. Nem que fosse apenas para encerrar da carreira.

Não perguntei a Zeca. Mas pelo que a gente conversa o maior desejo do filósofo coral é transparência nas contas do nosso clube. Se por acaso a novidade do dia 30 for um portal de transparência no site oficial do Santa, tenho certeza que Zeca vai tomar uma para comemorar.

Já Diego disse que com certeza é a nova marca de camisas. Que o clube agora vai ter marca própria. Como Diego é lá de Santa Cruz do Capibaribe, acho que o sonho dele é que as camisas sejam confeccionadas na capital da sulanca. A família dele ter vários fabricos espalhados por aquela cidade.

Eu, o Coronel Peçonha e outros que conheço, sonhamos em ver Caça-Rato de volta. Em forma física, o Caça é melhor do que vários que estão aí. Confesso que se no dia 30, o presidente Alírio anunciasse a volta de Caça-Rato, eu iria para o aeroporto.

Tem outro amigo meu, que não quis ter o nome divulgado, que sonha em ver o Santa Cruz vendido a um sheik árabe.

Perguntei a Seu Agenor. O velho me disse que outro dia havia sonhado com as tricoletes. Aí é demais, né Seu Agenor?

Bom, não sei o sonho de vocês. Mas espero que no dia 30, um sonho da gente seja realizado.

Temos que ir aonde o povo está!

Quando meu pai chegou ao Recife, foi morar numa pensão na Rua do Imperador. Com 16 anos de idade, ele veio direto de um sítio em Brejo da Madre de Deus para a capital pernambucana.

Tudo foi novidade. O mar de Boa Viagem, o movimento da cidade, as festas, a bebida, as putas, o futebol!

Certa vez perguntei ao meu pai, como foi que o Santa Cruz foi injetado no sangue e na alma dele.

Na pensão da Rua do Imperador, tinha gente que torcia pelo América, pelo Sport e pelo Santa Cruz. Meu velho se identificou com as cores, com o nome e, principalmente, com a torcida. Sempre que conversamos sobre esse assunto, Seu Geraldo na titubeia: “O Santa sempre foi o time do povão. Eu pobre, matuto, só podia ser do Santa Cruz!”

Hoje, quando me deparei com várias mensagens divulgando a ação das vendas de ingressos na periferia, a primeira coisa que lembrei foi do meu pai e de como me tornei tricolor coral santacruzense das bandas do Arruda. Foi ouvindo jogo pelo radinho de pilha. Foi vendo a greia e as discussões no balcão da venda do meu velho. Foi sentindo o calor do cimento e o gosto do rolete de cana da arquibancada.

Foi morando na periferia do Recife que me fiz torcedor do Santa.

Assim foi meu sogro em Afogados. Assim foi meu amigo Jerônimo que nasceu e se criou em Peixinhos. Ailton no Alto José do Pinho. Ivonaldo da Xerox em Rio Doce. Assim foram tantos outros por aí afora!

Não se trata de orgulho exacerbado em ser torcedor do clube do povão. Existem ricos e abastados na torcida do Santa Cruz? Claro que existe. Todos somos Santa Cruz. Independente de classe social, preferência sexual, cor e altura, temos a mesma paixão. Mas nunca deixamos ou deixaremos de ser o time da massa.

O povão continua sendo Santa Cruz e o Santa Cruz continua sendo o clube do povo. É a massa coral que enche becos, ruas e avenidas.

Como bem já disseram por aí, nós não somos um clube de futebol, somos um movimento popular.

Quem quiser que tenha vergonha de negar suas raízes populares e seus primos pobres. Nós, os tricolores corais santacruzenses das bandas do Arruda, nunca tivemos e nunca teremos.

A todos que pergunto e com quem compartilho a novidade das vendas dos ingressos, vibram como se fosse um gol de Anderson Sales no ângulo. Dona Sueli, tia de Felipe Gomes, mora em Peixinhos. Quando soube da ideia das vendas do ingresso em um carro, foi categórica: “que ideia de gênio. A periferia tá gostando”.

Essa ação de vendas,  o carro de som circulando por aí vendendo ingressos, é algo espetacular. É como dizia aquela canção: todo artista tem de ir aonde o povo está.

 

Salvem nosso Estadual

Domingo, 09 de abril. Céu azul. O sol ilumina o Recife e toda região metropolitana. Por aí afora, o futebol é o principal assunto do dia. Por aqui, um campeonato estadual que não empolga. Rodadas duplas bizarras. Clássico adiado para uma segunda-feira à noite. Campos interditados. Uma bagunça.

Hoje, neste nove de abril, em outras épocas, estaríamos todos na pilha para ir ao jogo. Os bares ficariam ornamentados com as cores dos nossos times. Na praia, a cerveja seria acompanhada de resenhas, comentários e as mais diversas opiniões. Nos mercados estaríamos discutindo sobre a escalação do time e a burrice do treinador. No almoço da família, a criançada já estaria vestida com a roupa do time preferido.

Mas neste domingo de abril, aqui em Pernambuco, a não ser para lamentarmos o que fizeram com o futebol daqui, pouco falaremos sobre futebol.

Hoje, apenas o Arruda será aberto para receber um jogo que não pode ser realizado em Caruaru. O pobre Central terá que vir mais uma vez ao Recife, pois seu campo não tem condições de jogo. Na última quarta-feira, o time de Caruaru precisou vir para São Lourenço Mata jogar contra o Capibaribe. Os atletas não jantaram e jogaram com fome. Não tinham nem água para beber. Espero que hoje tenham pelo menos um PF pra dar aos atletas da patativa.

Nesta semana que passou, vimos a maior bagunça já feita no futebol pernambucano. Uma verdadeira esculhambação. Um mesmo time jogou no domingo e na segunda-feira. Na quarta, promoveram uma rodada dupla em São Lourenço da Mata, na desgraçada Arena Pernambuco. Pouco mais de 1.000 torcedores tiveram coragem de ir aos dois jogos lá na Arena.

Enfim, a impressão que fica é que há algo intencional por parte Federação para enfraquecer cada vez mais o nosso estadual. É difícil acreditar que se trata apenas de incompetência.

Por outro lado, fica a indagação de porque os clubes e a imprensa não tomam uma posição mais dura em relação a este descaso.

É necessário aos que fazem o futebol daqui, terem a sensatez de já começarem a trocar ideias sobre  o próximo campeonato. Assim que acabar o deste ano, é preciso começar a discutir o estadual de 2018. A Federação precisa salvar o futebol local. É obrigação convocar todos, os Clubes, a imprensa  e  incluir a torcida nessa empreitada.

Para quem gosta de futebol, para quem foi criado se alimentando da rivalidade local, é triste ver o que fizeram com nosso Campeonato Pernambucano.

É na raça e no grito

De um tempo pra cá, uns amigos meus se goumertizaram. Cerveja só se for importada ou artesanal. Cachaça boa é a mineira. Comidinha de food-truck. Essas coisas…

Lasca é que os caras, a maioria torcedor coral santacruzense das bandas do Arruda, se tornaram gourmet até no futebol. Preferem ficar em casa, coçando a cabeça do cachorro, sentados no sófá e vendo futebol na TV ao invés de irem para o estádio.

— Fulano, tu vai hoje?

— Gerrá, acho que não. Vai passar na TV, né?

— Sei não. Virasse goumert, foi? Lugar de tricolor é no Arruda.

Nessas horas a vontade que dá é dizer um bocado de desaforo, pra ver se o individuo acorda!

Não passa pela minha cabeça, trocar a  grandeza do Arruda pelo conforto do sofá.

Foi sentindo o cheiro da grama, o calor da massa coral e o aconchego daquele lugar que me tornei Santa Cruz.

Na minha família, na família da minha mulher, na dos nossos irmãos e em várias que conheço, desde cedo, a gente mostra aos nossos filhos e filhas os caminhos que nos levam ao nosso estádio. De quebra, ainda levamos os amiguinhos que têm pais gourmet. Levamos até os filhos dos torcedores adversários, pois se derem bobeira, a gente trás os pirralhos pro nosso lado.

Ali, o Arrudão, é o nosso reduto. O nosso templo sagrado. A casa desse movimento popular chamado Santa Cruz Futebol Clube.

Nossas cores estão espalhadas por todos os rincões de Pernambuco e pelos quatros cantos do mundo.

Neste sábado, pensaremos somente na vitória, daremos somente o apoio, mostraremos nossa força.

Pretas, brancos, vermelhos. Altos, baixas e magras. Gordos, velhas e moços. Seremos um só movidos pela paixão e o amor ao Clube Querido da Multidão.

Neste sábado, somos todos nós contra eles. Apoiaremos, jogaremos, empurraremos nosso esquadrão.

Neste sábado, meus nobres, ninguém vai nos calar. Afinal, desde 1914, faça chuva, faça sol, em todos os momentos, nosso grito e nossa força permanecem vivos. E permanecerão eternamente.

 

 

Eles se borram de medo da gente

O título do último texto foi: “O clássico dos reservas”. Num dos parágrafos, Zeca escreveu, assim:  O Santinha vai enfrentar o Do Recife nesse domingo na Ilha da Fantasia e dos Festejos. Eutrópio já disse que vai entrar com o time reserva. Até Jacsson vai entrar no lugar de nosso paredão, Júlio César. Do Recife também virá com um time reserva ou misto.

Mas a turma da Abdias sacaneou com o filósofo. Deram uma de morto e entraram com o time titular.

Enquanto uns se alopraram em dizer que íamos levar uma goleada, que isso e que aquilo, confesso que pensei diferente e achei bom o Do Recife jogar com o time principal. Assinaram e reconheceram firma que se borram de medo de nos enfrentar.

Pra minha alegria, algumas boas estreias. Pra minha surpresa, nosso banco não é a desgraça que muitos afirmavam.

Só sei que o dia de hoje foi de tiração de onda. Acordei, revi o golaço de Pereira, comi uma besteira, vesti meu manto sagrado e fui para academia. Mal cheguei e o manobrista foi logo dizendo:

— Tá alegre, né mestre? Conseguiu empatar…

— Pois é…, no próximo jogo a gente vai entrar com o Sub-20 e com dois jogadores a menos pra ver se vocês conseguem ganhar.

Ele ficou amoado.

Entrei e comecei a fazer minha física. Ao lado da bicicleta ergométrica dois sujeitos conversavam.  Um era de cabelo já grisalho, meio buchudo e com o rosto avermelhado. O outro era alto, magro e com um jeitão de metrossexual. Tenho pra mim que me viram vestido com a camisa do Santa Cruz e já foram inventando desculpas.

— Rapaz, vou te dizer. Eles tiveram  muita sorte. Foi muito gol perdido. Se a gente fizesse a metade, tinha goleado! – falou o buchudo.

— Se a gente tivesse mais um pouquinho de sorte, tinha vencido. – completou o metrossexual.

“Se a mãe de vocês tivesse uma carreira de peito, uma era uma porca e a outra era uma cachorra”, eu pensei.

No trabalho, encontro Ivonaldo, o cara da xerox. Tá gozando com a cara de um rapaz da limpeza.

— Ei, tu soubesse? O Campinense pediu emprestado o juvenil do Santa Cruz pro jogo de quinta-feira.

A turma caiu na gargalhada.

Aí, Ivonaldo me pegou pra conversar. Fazia tempo que eu não via ele tão animado.

— Dotô, vou lhe dizer! Eu achava que só tinha perronha no banco da gente. Tá, o lateral direito joga, viu!

E assim foi passando o dia. A cada segundo uma piada, um meme, uma greia.

Mas quarta-feira já tem decisão. É o jogo da ida contra o Itabaiana de Sergipe. Hoje a tarde me mandaram um zap informando sobre uma Van que estará saindo aqui de Recife na quarta de manhã. Estou atrás de um atestado médico pra ver se consigo ir.