Amigos corais, não sei como foi o dia seguinte ao título da Série C.
Eu acordei, respirei fundo e senti um profundo alívio, uma sensação arrebatadora de descanso, de missão cumprida. Me veio algo como “o sono dos justos”, mas com um fundo existencial atravessando por fora – senti mesmo que iniciava o descanso dos justos.
De 2006, quando caímos a primeira vez, até o dia 1 de dezembro de 2013, foram sete anos. Eu sou ruim em matemática, mas pelas minhas contas, foram sete anos, a duração de uma infância.
Eu tinha 37 anos, estou com 44. Morava no Poço da Panela e dividia minha vida dando aulas de literatura numa escola no Bairro do Recife, farras monumentais em Seu Vital, no Poço da Panela, e viagens cada vez mais complicadas, para o Cabo, onde vivia minha tia-avó, com vários problemas de saúde.
Depois me mudei para o Cabo, porque a situação dela piorou. Minha tia morreu. Depois casei. Depois me mudei para a rua da Aurora. Depois recebi um convite inacreditável, para trabalhar como assessor de imprensa de um secretário de governo chamado Ariano Suassuna. Um rubronegro capaz de fazer uma aula-espetáculo para homenagear seu grande amigo, Capiba, tricolor fanático. Capaz de pedir um cenário com as cores do Santa, para homenagear seu amigo. Uma lição para esses imbecis que matam os outros por causa de uma paixão diferente.
Neste período, vivemos derrotas, fracassos, quedas. Choro e ranger de dente. Mas com o Santa eu não choro. Eu não consigo. Quando perde, quando fracassa, eu tenho raiva de quem não honrou o manto sagrado. Eu trinco os dentes, mas não choro. Minha vocação é chorar com a alegria.
Neste período, junto com Inácio, seguramos uma peteca dos diabos. Como escrever crônicas, em meio ao inferno? Várias pessoas colaboraram, depois chegou Gerrá, que vestiu a camisa e disse – “se é pra falar do povão, o negócio é comigo”.
Viagens loucas, invasões de estados vizinhos. Lembro que teve um jogo em Campina Grande que faltou tudo nos bares, restaurantes, lanchonetes.
Série A, B, C e D.
O Santa na Série D!
Não, nunca. Isso nunca deveria ter acontecido. Mas aconteceu.
O futebol nacional só existia de duas formas. A série A ou o “Inferno” da série B. Lembro de matérias com torcedores que beiravam ao suicídio, quando seu clube caía para a série B.
Inauguramos o pós-inferno. A Série C. Foi pouco. Botamos a cruz nas costas e fomos inaugurar a inexistente D.
Inauguramos também a liderança de audiência da TV Brasil, transmitindo a Serie C. Inventamos um ídolo, Caça-Rato, que acreditou em nosso pantim e fez gols decisivos. O Brasil assistiu, impressionado, um estádio abarrotado a cada jogo. A torcida coral transformou a tragédia em um episódio épico.
Neste período, um presente dos deuses – o tricampeonato em cima do principal rival.
O refrão criado por Nivaldo Breyner – “A torcida mais apaixonada do Brasil” invadiu corações e se espalhou por todo o país.
Não há um jornalista amigo meu, em qualquer estado da federação, que não me saia sempre com esta pergunta:
“E o Santinha?”
Acordei no dia 2 de dezembro pensando nisso tudo. Passou um filme em minha cabeça. Minha tia morreu sem ver nossa volta por cima. Ela adorava usar um anelzinho com o escudo do Santa.
Nós, que vivemos esta verdadeira viagem ao subsolo do futebol brasileiro, estamos marcados para sempre. Poucas torcidas no mundo seriam capazes de fazer o que fizemos.
Sinto que agora vivo o descanso dos justos. Tirei um peso das costas.
Um dia eu morrerei, mas o Santa Cruz ficará. Esta minha certeza ultrapassa o futebol.
* Este texto dedico a Nelson Mandela, que morreu ontem, dia 5 de dezembro de 2013. Um símbolo de resistência e amor.
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Faltam 7 dias para o lançamento do 2º volume da Trilogia das Cores (A emoção é branca), no bar Mamulengo da praça do Arsenal, às 18h30min do dia 12 de dezembro (na outra quinta-feira). Enquanto a tricolozada enche a lata, Gerrá, Inácio e Samarone vão entortar a munheca de tanto dar autógrafos.
Na mesma ocasião será apresentada a camisa da Troça Carnavalesca Mística Ofídica Etílica e Escrota Minha Cobra para o tríduo momesco de 2014. Se a malharia correr, já vai ter para vender.