Amigos corais, a valorosa equipe do Blog do Santinha está espalhada pelo mundo.
Inácio França na terceira ou quarta lua de mel com sua amada Geórgia, em Buenos Aires, depois Montevidéu. Dizem que ele agendou a viagem após consultar as tabelas dos campeonatos nacionais. Vai assistir 12 jogos em 17 dias.
Gerrá está cheio de trabalho e justamente hoje, sua amada mãe faz aniversário. Toda a família vai se reunir no afamado bairro do Ipsep, para os festejos, que devem terminar somente domingo. Este que vos fala não foi, novamente, convidado.
Só restou este velho cronista coral, que vai representando o Blog do Santinha, no setor das arquibancadas.
O miserável do jogo é às 19h30, mas não tem jeito. Só nos resta dar um jeito de sair de casa já com o kit-jogo: camisa coral, bermuda e o velho tênis.
O time melhorou muito com o novo treindor, o Oliveira de Canindé.
É hora de nós, torcedores, sairmos dessa morgação e botarmo moral no Arruda.
Como diz Gerrá: “Bora!”
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Nota de pesar
Só um lunático mesmo é capaz de colocar a arquibancada inferior a R$ 60,00 (a superior é R$ 20,00). O que custava botar tudo a R$ 20,00 e lotar o anel inferior?
Na sexta-feira passada, minhas obrigações clubísticas diziam que eu deveria estar na Arena, para ver Santa x Boa Esporte, às 19h40.
Mas no meio do caminho tinha: engarrafamento, horário de pico, a Abdias de Carvalho e outros milhares de carros. Como não tenho carro, não queria levar minha impaciência aos limites. Resolvi assistir na Bodega do Abel, aconchegante reduto coral, na rua das Creoulas, defronte àquela farmácia da rua das Pernambucanas.
Desde a primeira vez que entrei lá, meio ao acaso, me tornei assíduo. Até paguei um “Clube do Whisky” para meu cunhado coral, o senhor Pedoca, que mora ao lado, mas ele anda mal do juízo: Não foi bebericar seu presente.
O resultado foi que, a cada visita, eu beliscava umas doses. Na sexta, eu avisei que iria acabar o presente. Ele ficou preocupado.
Marquei com Gerrá e Inácio, mas, como sempre, a fuleiragem foi grande. Gerrá enrolou tanto que perdeu o primeiro tempo em casa.
O Abel, dono da bodega, é um português invocado, Santa Cruz desde que os portugueses cá chegaram e decretaram:
“Pois, pois, esta é a Terra do Santa Cruz”.
O Caminha errou e digitou “Terra de Santa Cruz”. Mudaram para “Brasil” por pirraça.
A clientela é majoritariamente coral. Até perguntaram pelos livros da “Trilogia das Cores”. Breve, abriremos uma filial do Blog do Santinha lá, para vender os livros.
Bem, mas o fato é que bastou o jogo começar, o uísque a deslizar manso, que o Santa desarnou e começou a jogar outro futebol.
Alguns rubronegros secavam ardorosamente, mas Abel deu logo seu recado-esporro:
“Eu adoro quando esses rubronegros fiquem secando, porque essa energia passa para os jogadores, e ele jogam é mais bola”.
Pedoca chegou quando eu bebia a última dose. Quase chora. O jeito foi dar outro presente, desta vez um “Cavalo Branco”. Esse Santa Cruz me deixa um cara bem mais legal, todo mundo diz isso, até minha mulher.
Ao lado, vários corais com os olhos brilhando. Três a zero no primeiro tempo, com o time totalmente mudado, mordendo a bola, marcando, tocando, fazendo a festa da massa.
O lirismo logo começou a se espalhar.
“Ah, o Santa Cruz, quando ganha e joga bem, deixa a humanidade feliz. A humanidade inteira fica muito mais feliz quando o Santa ganha”, repetia um senhor, na mesa ao lado. Todos concordavam.
Pedimos espetinho de picanha, com cebola e vinagrete. Na medida. Outra dose. Hummm… Que falta de saudade eu sentia da Arena…
O segundo tempo foi só para manter o resultado, não forçar a barra. Eu e Pedoca botamos todos os papos em dia, bebemos nossas doses, rimos, confirmamos que é um ótimo lugar para ver jogos do Mais Querido.
Vou pedir ao Abel para reservar a mesa sete só para a galera do Blog. Em dia de jogo a gente leva uns livros da trilogia e vende com algum desconto.
O bom é que se eu empurrar o pé na jaca, meu cunhado mora a 200 metros. Dá para me levar no lombo.
O primeiro e último selfie que fiz na vida, com o comprovante do pagamento do Timemania…
Amigos corais, os editores do Blog do Santinha se revezam no mau-humor. Tem horas que é Inácio, tem horas que é Gerrá, tem horas que sou eu. Sempre temos o mau-humorado da vez. Me aguentem por hoje.
Ontem fiz das tripas coração para chegar ao Arruda, saindo de um compromisso em Boa Viagem. Ônibus, táxi, cansaço, o cacete, para empurrar meu time e ver o novo treinador, que já caiu nas minhas graças por revelar que seu grande sonho profissional era treinar o Santa.
Chego à bilheteria do Arruda faltando cinco minutos para o início do jogo e pergunto quanto é o ingresso da arquibancada.
“Cinquenta reais”.
Praguejei até a última geração da diretoria. Insultei com todos os meus recursos linguísticos do presidente ao diretor de futebol, passando pelo jurídico, coordenador de portaria, chefe da segurança, enfim.
Porra, caralho, um jogo na terça-feira, às 21h40, contra o escrete do Oeste, o ingresso a R$ 50 reais! Alguém da diretoria sabe o que é uma feira, o que o cara faz com 50 reais?
Será que não confundiram? Não seria um clássico contra o São Paulo, o Cruzeiro, que estão jogando fino? E nas acomodações de luxo da arquibancada, com direito a banheiro limpo e local para comer algo decente?
Puto da vida, fiz concorrência com os cambistas. Abri concorrência pública. Cinco minutos pelo menor preço De R$ 40,00 baixaram para R$ 30,00 e finalmente comprei o ingresso a 25,00.
Alô diretoria, são vocês que me obrigam a comprar ingresso numa porra de um cambista por metade do preço! Isso vai para a contabilidade do clube?
Entrei no Arruda às 21h50. Tinha 16 caras no controle das catracas, fora uma quantidade de policiais que daria para vigiar metade do Recife. Isso é que se chama de “estratégia de acomodação do torcedor coral”. Para mim, é burrice.
As arquibancadas eram um vazio dos pés a cabeça. A gente escutava até sussurro de namoro. Teve um sujeito que falou ao celular “estou fazendo o supermercado aqui no Bompreço, junto do Arruda”, e a mulher acreditou.
No anel superior, uma galera espalhada, que poderia estar no anel inferior, engrossando o caldo e fazendo o Arruda ferver. Do outro lado, as sociais. O Arruda, ontem, era um silêncio de igreja, só despertado por algum lance muito ruim ou gol.
Hoje de manhã, Inácio me ligou e reclamei, puto da vida.
“Rapaz, isso é estratégia da diretoria para que os torcedores virem sócios”, explicou Inácio.
Se é estratégia, é uma estratégia burra, porque eu mesmo, que sou jornalista e louco pelo Santa, não sabia disso. Além disso, eu discordo dessa estratégia. Tem clube que já está desistindo dessa invenção. Eu mesmo, se for sócio em troca de ingresso, vou ficar sempre no meu estilo – sócio da arquibancada.
Depois, encontrei com Robson Senna, aqui na rua da Aurora. Esculhambei de novo a diretoria.
“Porra, 5o reais num jogo dia de terça feira, quase 10 horas da noite?”
“Rapaz, isso é estratégia da diretoria para fazer com que os torcedores virem sócios. Com 30 reais, ele tem ingressos para todos os jogos”, explicou Robson.
Se é estratégia, é uma estratégia burra, porque eu mesmo, que sou jornalista e louco pelo Santa, não sabia disso. Além disso, acho de uma burrice monumental,.
Acho uma estupidez, tentar seduzir um consumidor aumentando o preço de um serviço. Sim, porque o que temos no Arruda é um serviço, ora mal feito, ora horrível, ora satisfatório.
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Então sou o anti-sócio e dou um baita lucro ao Santa. Todo jogo vou para as arquibancadas, pago em dinheiro, só compro meu ingresso e não gasto nada da infraestrutura do clube.
Para não dizer que só faço reclamar, me propus a um desafio. Vou contribuir, mensalmente, com os mesmos R$ 30,00 que é o valor do sócio, jogando na Timemania.
No concurso 0625, do dia 11 de setembro de 2014, fiz 15 apostas a R$ 2,00. Deu R$ 30,oo. Quanto mais o time tem apostas, mais recebe do Governo Federal.
O troço é simples. Basta marcar o time de coração (Santa Cruz) que o sistema escolhe aleatoriamente 10 números.
As apostas são dias de terça, quinta e sábado.
A diretoria podia melhorar a comunicação com os torcedores (pelo menos com jornalistas torcedores) e fazer um ranking de quem mais apostou, para ganhar prêmios. A gente botaria o ranking toda semana, aqui no blog. Camisa, livro, entrada em campo com os jogadores, passar um jogo sendo gandula, correr ao lado de Catatau, na hora da substituição, passar uma tarde com Inácio no apartamento dele, vendo os melhores gols do Santa, tomar umas com Gerrá em Seu Vital, no Poço da Panela, enfim. O vencedor escolhe o prêmio.
Mas ingresso na arquibancada a R$ 50,00 é uma estupidez, caralho!
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Quanto ao jogo, só tenho a dizer que o Santa já é outro time. O treinador é um desses doidos inteligentes que precisamos.
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Consegui postar duas fotos, que eu mesmo fiz. É aquela cornura de selfie. Só o Santa mesmo, para me fazer tirar uma porra de um selfie…
Recebi uma mensagem curta e grossa do meu amigo cronista Gerrá Lima:
“Sérgio Guedes pegou o beco”.
Eu estava tomando um cafezinho, quase pedi uma Brahma gelada.
Fazia meia hora que eu tinha lido um depoimento do presidente do clube, Antônio Luiz Neto, no Jornal do Commercio, onde ele era taxativo:
“O Santa Cruz, nos últimos três anos e dez meses, se caracterizou pela estabilidade para atingir os seus objetivos. Sérgio é um treinador de capacidade e não tenho nenhuma razão para desacreditar do seu comando. Temos ainda muito chão pela frente e tenho certeza em uma reação”.
A suposta “estabilidade” nos custou o tetra e uma vaga na Copa do Nordeste. E o tal “muito chão pela frente” é muito mais curto do que se imagina. Já estamos a dez pontos do quarto colocado na ponta da tabela, e a dez da zona de rebaixamento.
Minha preocupação é apenas uma – quem vai assumir o comando técnico do time coral.
Eu não devia ter ligado a TV. Devia ter ficado lendo, escrevendo minhas coisas, vendo um filme, bebendo com os amigos.
Era para termos ganho o jogo, era para estarmos, salvo engano, na nona posição, com um jogo a menos, era para a massa coral ter passado o fim de semana rindo da vida.
Mas cheguei a uma conclusão trágica. Nosso time, na atual temporada, vive uma crise de abstinência das mais graves: Temos um bando de jogadores correndo, um treinador que fica o jogo inteiro dando pulinhos ao lado do gramado, e que depois nos brinda com entrevistas malucas, mas falta, dentro das quatro linhas, um negócio chamado homem. E uma dose de loucura, para nos tirar dessa mediocridade perene.
Não sei se todos viram os gols do Paraná. Num deles, o sujeito passa no meio de dois zagueiros, ninguém tem coragem de dar um pontapé, de empurrar, de fazer uma falta. Gol do Paraná. Niguém briga. Ninguém grita puto da vida com o erro do outro. É hora de bater o reles centro.
No outro, o sujeito olha, calcula a distância, cruza, o zagueiro coral sobe como uma borboleta, perde o tempo da bola, o atleta do Paraná cabeceia com os pés no chão e vai comemorar.
No terceiro, abrem uma larga avenida, uma Agamenom Magalhães, no miolo da defensiva coral. O sujeito vai com a bola, segue com ela, todos os atletas do Santa estão rezando, acendendo velas, fazendo pedidos por um bom resultado, o coordenador técnico Sandro está dando alguma entrevista na rádio falanto que o Santa não tem dinheiro para contratar, ele só sabe dizer isso, é seu mantra perpétuo, e só nós, os reles e obcecados torcedores estamos vendo aquilo.
Eu fico gritando com a TV:
“Chega alguém! Encosta um marcador, porra!”.
Nada. O atleta do Paraná escolhe o canto, chuta sem se preocupar, a bola vai na gaveta e ele vai comemorar a virada.
Falta-nos comando dentro e fora de campo. Dentro, falta-nos um reles jogador meia-boca que seja meio malugo, que seja o símbolo do Santa, que resgate a mística coral, que é a raça, mais raça e cobertura de raça. Que dê carrinhos, que grite, que peite os times adversários. Que seja expulso porque evitou um gol. Cito só um exemplo. Quem não lembra de “Gabriel Doido?”
O apelido, por sinal, é já uma biografia. A palavra “Doido”, junto do nome, já diz o que o sujeito fazia dentro de campo – loucuras pelo Santa.
Alguém esqueceu nosso zagueiro Valença, marcando o argentino Tévez com a cabeça rachada? Tinha bola perdida para Valença? Se acabeça dele não estava rachada naquele jogo, rachei agora. Sou um cronista também com minha dose de loucura pelo Santa.
Nossa alma coral não suporta mediocridades.
Às vezes, um atleta grosso, mas homem, meio sem juízo, bota moral nesse time que é uma mistura de falta de alma, preguiça, desleixo e desrespeito com o manto coral. Tenho curiosidade em saber o que eles conversam, antes e depois do jogo. Na pelada que eu jogo, na quarta, o sujeito perde um jogo e sai chutando as cadeiras, dizendo 433 palavrões com o cara que falhou no final.
Fora de campo, falta alguém que dê um norte para este amontoado de jogadores que ficam batendo cabeça.
Reinventando o título do livro do rubronegro Raimundo Carrero, “O futebol não tem bons sentimentos” (no original, é “o amor”).
Quando fazemos um gol eu já nem comemoro. É como se fosse a senha para todos os atletas ficarem entediados com a partida, esperando com paciência pelo gol de empate. Se o Santa fizer 20 x 0, nesta Série B, já sei que o resultado final será 20 x 21.
Natan, ao final da partida, saiu com esta pérola:
“Precisamos aprender a jogar ganhando”.
Quanto ao treinador Sérgio Guedes, ele deveria ser proibido de dar entrevistas, em nome da saúde mental da massa coral.
Sobre a derrota, ele disse o seguinte:
“Acaba tendo consequências. Você faz com que a consequência disso não ocorra. É dessa forma que a gente vai eliminar esta realidade”.
Na verdade, ele deveria era ser proibido de ser treinador do Santa, isso sim.
Eu fico dando murros na parede, e minha esposa tentando me acalmar.
Prefiro mil vezes um treinador brutal, nervoso, temperamental, maluco, que ao final do jogo estaria espumando e gritando com os radialistas:
“Estou puto com essa derrota merda, os jogadores precisam comer a grama e respeitar a camisa do Santa Cruz, mas no vestiário todo mundo vai levar um esporro de duas horas e já vai ter treino amanhã, depois do café”.
Esta camisa coral teve grandes jogadores e grandes homens.
Neste momento, precisamos é de grandes homens, de loucos homens, que entrem em campo já cuspindo fogo e que saiam com cãibras nas duas pernas de tanto correr.
Mas eu sei estou escrevendo em vão. Nas “Repúblicas Independentes do Arruda”, a burocracia é soberana.
Estou de saco cheio desse converseiro maluco do treinador, Sérgio Guedes. Nem no ensino fundamental eu escutava tanta besteira. Tudo bem que eu não entendia muita coisa que o professor de Moral e Cívica falava, mas ele não era um treinador de futebol e eu não era jogador profissional. Alguém precisa dizer para ele: Deixa de falar merda e bota esse time para ganhar!
Nem pensador francês fala tanta coisa que não leva a lugar nenhum. Deleuze, Guatari, Foucault, todos são mais compreensíveis do que ele.
Resumindo tudo, temos um homem indeciso à frente dos atletas. A obsessão do time ideal acaba deformando o time possível. É o típico sujeito que tem dúvida até no par ou ímpar. Porra, mas logo no Arruda?
Mudando de assunto.
Vejo nos principais jornais a pesquisa realizada pelo Lance/Ibope sobre as maiores torcidas do Brasil. O Santa, apesar das quedas e coices para as séries C e D (toc toc toc), em nenhum momento perdeu torcida. Muito pelo contrário. O Santa aumentou o tamanho da sua massa e está na décima sétima posição nacional. Não sei quantos times tem hoje no Brasil, mas estamos entre as maiores.
Isso não é novidade. A novidade é que os jogadores parecem não ter o coração na ponta das chuteiras. Como mandante da Série B, a equipe coral só venceu três dos oito jogos. Se dependêssemos apenas dos jogos em casa, estaríamos na zona de rebaixamento.
Dos 20 clubes da Série B, a nossa é a quarta pior campanha.
Ahm , sim, tivemos dois jogos nos Aflitos (um sem público) e um na Arena Pernambuco (argh), mas mesmo assim, os números permanecem: cinquenta e quatro por cento dos pontos em disputa.
Os jogadores têm medo de torcida?
Voltando ao nosso cientista maluco.
O treinador do Náutico, Dado Cavalcanti (prata da casa coral) chegou, mexeu em algumas peças, resgatou os escanteados, deve ter dado umas broncas, mandou todo mundo correr atrás da bola como se fosse um prato de arroz com feijão. Resultado: o time embalou, ganhou três seguidas e já está na nona posição. Sem firulas, sem frescuras, sem dramas existenciais. Não dá para ficar lendo Hamlet à beira do gramado.
Sérgio Guedes gosta de inventar uma roda. Já testou três esquemas táticos nas últimas partidas. Mudou o time em todos os jogos. No treino de ontem, fez quatro mudanças. Não sei se tem filho. se tiver, é aquele pai que muda os meninos de colégio todo ano, porque suspeita que os professores não são bons.
Cito trecho do Diário de Pernambuco de hoje:
Guedes tirou Natan e colocou Pingo. Em um outro momento retirou Wescley, Keno e Sandro Manoel para colocar Julinho, Bileu e o retorno de Natan. Indecisões que só são definidas momentos antes da partida.
Jogo pelada toda semana. A melhor coisa do mundo é quando eu conheço como jogam os caras que estão no meu time. Já sei até em que área do campo eles gostam de jogar.
De indecisão em indecisão, Sérgio Guedes, mais um campeonato vai indo para o mato.
A torcida que cresce mesmo no meio do deserto, como sempre, é a única novidade boa nas bandas do Arruda.
Amigos corais, esse estádio do Arruda é um grande mistério da civilização ocidental. Tudo pode acontecer nele, durante aquelas horas sagradas que envolvem o antes, durante e depois de uma partida do nosso Santa Cruz.
Vou citar o meu caso, que é o mais fácil de contar.
O sábado começou com uma novidade. O Dia dos Pais, que é mundialmente celebrado no Domingo, foi antecipado para o sábado. Isso existe? Claro que a decisão familiar afetaria profundamente minha preparação física e psicológica. Fui lá, com minha mulher, dar o abraço no seu pai, que por sinal é tricolor. Estavam todos, a conversa animada, mas a frase necessária – “o almoço está servido” – só foi dita às 13h50.
Fui quase desagradável. Só esperei alguém fazer o primeiro prato que avancei. Diria que furei até a fila do idoso, na minha ânsia de ir ao Arruda. Comi quase com deselegância, quase sem mastigar. Terminei, me despedi de todos e fui à luta.
Cheguei naquela rua perto do Extra, fui para a parada de ônibus, cada um que passava mais entupido de torcedores. Muitos resolveram viajar no teto dos coletivos, num projeto suicida de rara intensidade. Passaram cinco ou seis, dei a mão para sete ou oito taxistas e já me preparava para o pior – chegar ao Arruda após o início do Jogo.
Vou andando cabisbaixo, chutando pedrinhas, pensando “pôxa, bem que poderia aparecer uma carona”, quando pára um carro desses bem legais, com tração nas quatro rodas e a buzinada redentora. Um vidro baixa e a mulher diz a frase mágica da Língua Portuguesa:
“Queres carona para o Arruda?”
Quase chorei de emoção. Ao volante, a senhora Elizabeth e a filha, Amanda. Atrás, Ozineide, irmã de Elizabeth. Iríamos pegar Ceça, outra da turma. Ozitene, que completa o quinteto de mulheres entre os 20 e 60 anos (creio) que vão ao Arruda juntas, de carro, faça sol ou faça chuva, teve algum problema e não pôde ir.
Ozinete, obrigado por não ter ido, fato que proporcionou minha carona e minha crônica semanal.
No caminho, conversamos muito. Elas sabem mais sobre o Santa do que eu, Inácio e Gerrá juntos.
“Esse treinador está caçando Caça”, lembrou Ceça, que sentou ao meu lado.
Ozineide estava preocupada com o jogo ruim do time.
“Está pior do que na televisão”.
Elas contaram das viagens juntas, dos jogos, já foram até à Arena, naquele fim de mundo.
Dez minutos antes do combinado, cheguei ao apartamento de Inácio. Mais quinze de caminhada, paramos para uma cerva e depois fiz algo que não é de costume – fui ver o jogo nas sociais.
O gringo
Dei sorte. O portão para a arquibancada inferior estava aberto. Chegamos ao “Ventilão”, espaço lá em cima, onde estavam K2, Kiko, Fabiano, uma amiga e um sujeito de uns dois metros, branco, forte e sorridente. O sujeito falava inglês e parecia feliz.
Ele é irmão de um pianista famoso, que iria se apresentar no Santa Isabel domingo. Veio com o irmão para curtir o Brasil. A amiga, da produção do evento, era a cicerone. Os dois falavam um inglês perfeito, mas sem legenda. Eu só escutava e lamentava o que via em campo.
Ô jogo desgraçado.
“Eu quis mostrar um jogo de futebol, então trouxe para a torcida do Santa. A do Náutico é muito morgada”, disse minha amiga, torcedora do Náutico.
Kiko, ao meu lado, só blasfemava. Que era o pior jogo que tinha visto na vida. Que aquilo era uma desgraça. Que os caras não acertavam um passe. O mais dramático dos torcedores corais, o mais shakespereano, era o próprio Othelo. Eu esculhambava aquele preguiçoso do Keno, que ficava dando pedaladas num velocípede que não existia, até perder a bola. Fiquei implorando pelo retorno de Caça-Rato
Foi um primeiro tempo de doer na alma coral. Mas o gringo parecia feliz da vida. Falava sem parar. Ele se chama David, creio. É sobrinho do David Coperfield e primo do David Berkamp.
Até que o veio o segundo tempo. Lá pelas tantas, o Keno pega a pelota na esquerda, sai pedindo licença, ops, por favor, dá para fastar, vai tirando toda a defesa do Náutico da frente, eu começo a gritar “vai ser o gol da década, vai ser o gol da década”, ele dribla o diretor de futebol, o roupeiro, o massagista, dribla os reservas, os conselheiros do Náutico, até que chuta rasteirinha e a pelota balança a rede.
O Arruda mergulhou numa dessas explosões que deixam o mais cético em êxtase. Um golaço para abrir os caminhos da goleada.
A massa coral se abraçava, pulava, cantava. Olhei para o gringo. Estava num estado de perplexidade completa.
Depois vieram outros dois golaços. O David passou a ser parte da torcida. Teve uma hora que foi tratado como talismã, porque deu sorte.
Não sei o que aconteceu com vocês, mas eu saí do estádio em transe, de tanta felicidade.
Foi uma dessas tardes no Arruda que parece caminhar para o tédio, a irritação, o futebol meia-boca.
Vi crianças cantando no ombro dos pais, o gringo cantando o hino do Santa desde criancinha e lembrei das minhas amigas que me deram carona na ida.
Amigos corais, estava em Garanhuns sábado, naquele friozinho que é na medida, liguei para um amigo para assistirmos ao jogo do Santa em algum lugar legal, mas acabou dando errado e assisti na casa do sogro, que também é tricolor.
A única novidade deste jogo em que perdemos para o lanterna da Série B por 3 x 2 foi esta – assisti na casa do sogro, em Garanhuns.
O resto foi aquele marasmo coral que já começa a me preocupar. Entramos no recesso com 7 empates e três vitórias, saímos dele com duas derrotas em dois jogos, com um buraco na rede maior que as contas da Previdência – 7 gols em dois jogos.
Nada de novo. Nosso treinador continua a dar umas entrevistas que nem minhas leituras do filósofo alemão Nietzsche consegue decifrar. Ele gosta de desenvolver um pensamento na integralidade, fala de conceitos que vem desenvolvendo ao longo das últimas décadas, mas eu botaria umas boas doses de esporros na conversa, a la Muricy Ramalho. Essa conversinha mansa, educada, explicações em cinco parágrafos, não servem para um time de massa como o Santa. De educado, já basta o presidente. Só o vi engrossar mesmo num debate na TV Globo, numa das eleições que era candidato. Mas foi só contra outro tricolor. Depois voltou à calma de sempre.
Ali na beira do campo, meu amigo, tem que gritar, espernear. Teve algum problema com o árbitro, o nosso treinador, passou uns 13 minutos fazendo uns afagos no quarto árbitro, talvez pedindo desculpas e já com remorsos. Nunca vi tanta gente educada no Santa. Teve um jogador, ao final do jogo contra o Vasco da Grama, que chegou a afirmar que o time tinha feito um bom jogo. Ok, meu jovem, mas um bom jogo que termina num vareio de 1 x 4?
Nada de novo na zaga, que mais pode ser batizada de “ninguém se entende”. O primeiro gol do Vila Nova foi com uma bola que atravessou o Buraco da Previdência que é nosso miolo, o sujeito só fez correr e tocar com o bico da chuteira. No último, a bola cruzou a área inteira, a bola ficou pedindo “me chuta, me chuta” e o sujeito do Vila Nova foi o único que escutou o pedido. O Renan Fonseca há tempos não é mais o mesmo zagueiro.
Nada de novo no ataque. Nosso Gamalho está mesmo precisando de um banho de sal grosso. Não faz gol desde a reinauguração do Arruda, em 1972. O que entrou no lugar dele perdeu uma cabeçada sozinho, com a barra mais aberta que os financiamentos das empreiteiras para as campanhas.
Fica então a informação. A única novidade neste Santa pós-Copa do Mundo é que assisti meu primeiro jogo na casa do sogro, em Garanhuns. É uma informação inútil como esse joguinho meia-boca do Santa, que vai nos levar para um lugar bem conhecido.
Se continuarmos assim, vamos rapidinho do nada para lugar nenhum.
Pelo porte de rei dá para saber quem é Didi na foto
Desde que me entendo por gente, adoro o futebol. É uma herança paterna das mais nobres. Onde morávamos, em qualquer cidade, era uma programação normal, ir ao estádio, ver os jogos, escutar os comentários dos mais velhos, torcer. Geralmente íamos meu pai, eu e meu irmão do meio, o Tonho, já que o Paulinho nunca foi propriamente um amante do futebol.
Foi assim ao longo da minha vida, até que completei 18 anos e vim morar no Recife, onde iniciei a “carreira solo” no futebol. Aqui, me apeguei ao Santa Cruz, que virou meu time do coração, e sigo indo regularmente aos estádios onde o Santa joga, especialmente o Arruda.
Desde que me entendo por gente, muitos intelectuais, jornalistas, muitos especialistas ou simples comentadores de Internet, classificados de “colunistas”, colocam o futebol como “alienação” ou “ópio do povo brasileiro”. Fazem cara feia para algo importantíssimo em nossa cultura. Agora, na Copa, prometem torcer contra a Seleção Canarinha.
Não sei que caráter eu teria, que homem eu seria, se não tivesse ido tantas vezes ao estádio, se não tivesse sido um menino acompanhando seu pai e irmão, em campos do Maranhão, Ceará, Pernambuco, fora os estádios pelo Brasil afora, além de outros tantos países que conheci.
Frustrações, glórias, derrotas, tristezas, euforias, uma quantidade enorme de amigos que fiz, que seguem sendo meus irmãos.
Não sei também como eu seria, aos 45 anos, se não jogasse peladas semanais, com meus amigos, onde corremos, suamos, praguejamos, discutimos, lamentamos derrotas e firmamos nossas amizades. Sempre joguei, sempre admirei e sempre lamentei tratarem o futebol nacional como coisa de cretinos. Cretinos são os que administram nosso futebol, não os milhões que o amam.
Parece que é preciso dar uma conotação de “falha de caráter” a essa nossa obsessão nacional pelo futebol. O mais engraçado é saber que essa não é uma característica brasileira – o futebol é uma obsessão mundial, que a cada dia movimenta mais bilhões, interesses, mídia.
Está aí, o Uruguai, celebrando há 64 anos um título em cima do Brasil, o “Maracanazo”. Já estive várias vezes lá e sei que aquela vitória, em 1950, ajudou a definir um certo caráter uruguaio, um pequeno país capaz de enfrentar um gigante.
Temos cretinos administrando nosso futebol. O presidente da CBF, um sujeito que se chama José Maria Marin, admirador confesso da Ditadura de 1964, foi capaz de embolsar a medalha destinada aos atletas da Copa São Paulo de Futebol Júnior de 2012. Não preciso citar Ricardo Teixeira, muito menos João Havelange e o agora o senhor Joseph Blatter, o “dono” da Fifa, quase o equivalente àqueles meninos ruins de pelada, mas que são os donos da bola. A biografia deles é de uma eloquência soberana.
Mas prefiro olhar para nosso povo e para esta suposta “alienação” que o futebol provocaria.
Ao contrário da ilusão, acho que a cada anos vivemos um sonho. O sonho de sermos os melhores do mundo, no esporte mais popular do mundo. Sabemos muito bem dos nossos problemas, da corrupção, dos escândalos, dos ônibus lotados. Desde junho nosso povo está nas ruas, protestando, reivindicando.
Desde que me entendo por gente, as interpretações rasteiras entre futebol e povo brasileiro vão se acumulando. Até hoje, nunca vi ninguém entender tão bem de Brasil e sua relação com o futebol como Nelson Rodrigues. O negro Didi, na Copa de 1958, nos resgatou das trevas, quando o Brasil levou o primeiro gol da Suécia. Ali sim, iríamos nos tornar eternos vira-latas.
Ele foi calmamente ao fundo da rede, pegou a bola e saiu caminhando como um rei, até o centro do gramado. Pouco falou. Apenas caminhou, como que dizendo – vamos simplesmente jogar nossa bola e mostrar quem somos. Pouco depois nascia outro rei, também negro, com 17 anos – Pelé. Ganhamos de 5 x 2 e fomos aplaudidos de pé pelos suecos.
Eu poderia escrever duzentas páginas sobre o futebol e nossa identidade, mas é tarde. Daqui a pouco começa mais uma Copa do Mundo. Desta vez, no Brasil.
Vou torcer ardorosamente em todos os jogos. Como um bom alienado, o hexacampeonato é uma obsessão particular minha.
*Texto publicado originalmente no www.estuario.com.br horas antes do primeiro jogo da Copa, contra a Croácia.
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Cine Foot faz homenagem ao centenário do Santa Cruz! (veja a programação da abertura)
Domingo (15)
19h – Homenagem ao Santa Cruz Futebol Clube
“O pai, o filho e o espírito Santa” (10’, PE, 2013), de Brenno Costa e Lucas Fitipaldi
“Dossiê 50: comício a favor dos náufragos” (80’, RJ, 2013), de Geneton Moraes Neto
Local: Cinema São Luiz (Rua da Aurora 175 – Boa Vista)
Entrada Franca (Sujeita à lotação. Ingressos serão distribuídos 1 hora antes do início de cada sessão)
Amigos corais, escrever sobre o Santa Cruz é um exercício diário de contradição. O que se diz agora é desdito daqui a dois, três dias.
Vamos ao caso.
Outro dia eu estava aqui, nestes blog, clamando, berrando, desesperado pela chegada da Copa do Mundo. Via um cenário pantanoso, o time sem motivação, um amontoado de jogadores. O intervalo sem jogos durante a Copa seria, justamente, para o treinador arrumar aquilo que eu via, para um retorno mais alvissareiro após o torneio internacional.
Pois bem. O que faz o Santinha. Resolve jogar bola. Carlos Alberto decide que vai comer a pelota, vai distribuir jogadas, criar. Pingo decide que vai nos dar alegrias. O Santa descobre que pode ganhar fora de casa e que pode encarar qualquer time de frente. Demos uma lapada no Boa Esporte e ontem foi a vez da Ponte Preta.
De repente, o time embalou, ganhou consistência, o treinador conhece bem as peças, mexe bem no time, a torcida está empolgadíssima, Gerrá fez aniversário em pleno Arruda, e quando tudo parece nos levar para o topo da tabela, a maldita FIFA chega e decreta o recesso para a Copa.
Vai a minha pergunta inútil: Pra que essa Copa agora?
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Ainda não tive a oportunidade de comentar, mas todos nós devemos dar parabéns ao setor jurídico do Santa Cruz, no caso que envolveu a morte de um torcedor do Sport. Como este país é movido por emoções, vinganças, decisões as mais estúpidas (para agradar à opinião pública), tudo levava a crer que nosso clube pegaria um gancho de dez partidas de portões fechados, e ficaria por isso mesmo. Não haveria nem recurso. Desde o início, a atuação do jurídico tem sido exemplar.
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A questão que me ocorre agora é: Onde assistiremos os jogos da Copa? Falo da torcida coral. Aceito sugestões.