É tudo ou nada, doutora…

Amigos corais, ser cronista do Mais Querido tem suas alegrias e suas tristezas. A pior dela é a falta de assunto.

Eu, Gerrá e Inácio já gastamos uma fortuna com o celular, discutindo algum assunto para escrever, mas o time parece que transfere, para a torcida e para os cronistas corais, a falta da raça. O time está sem ritmo de jogo, a torcida está amuada e os cronistas estão caçando assunto. Essa derrota para o Salgueiro, parodiando o velho compositor, foi “de amargar”.

Lá vamos, mais uma vez, no domingo, para o “tudo ou nada”.

Hoje à tarde, terminando o tratamento dentário, a Dra Lúcia resolveu dar uma limpeza geral nos tártaros e descobriu uns pontos pretos atrás da arcada.

“O senhor toma muito café ou fuma?’

Tenho uma sorte danada para dentista que me faz perguntas com aquela broca roncando na minha boca.

“Hummmmmaaannns, respondi.

Quando fui cuspir, ela disse que não tinha entendido.

“Tomo muito café, mas em jogo decisivo do Santa Cruz, fumo dois ou três cigarros, por causa do nervosismo”.

“Ah, e já está tendo jogo decisivo?’, disse ela, acelerando a broquinha.

“Hummmchhhtrooo”. continuei.

Eu tentava dizer à dentista que o Santa vive uma fase que é cruel – todo jogo é decisivo. Cada ponto é de vida ou morte. O pênalti perdido por Betinho, contra o Náutico, nos custou dois pontos. O gol que levamos contra o Salgueiro, domingo, mais um (estava caminhando para o empate). Era para estarmos com três pontos a mais.

Mas de que adianta? “Era” e “Se” não funcionam para o futebol. Aliás, não funcionam para porra nenhuma na vida. Ficam entre o passado e o impossível.

Só tem uma saída. O time entrar comendo a grama, domingo, se impor como time grande, e ganhar. Precisa alguém que grite, dentro de campo, que puxe a responsabilidade.

A outra saída é a torcida se invocar e encher o Arrudão, empurrar o time, e arrancar a vitória. A torcida tem que dobrar o tamanho dos pulmões.

Fazer como aqueles dentistas brutais, que arrancam o dente na marra, usando aquele alicate alemão.

Se o Santa ficar entre os quatro, começa outo campeonato. Essa frase é típica de cronista fora de forma.

Mas vale.

Nossa casa é o Arruda – capítulo final

Encerramos aqui, nossa série de textos sobre a desgraça que é levar o Santa Cruz para jogar lá em São Lourenço da Mata, na Itaipava Arena Pernambuco. A famosa Arena do Defunto.

Esta semana, com todos os tricolores corais santacruzenses das bandas do Arruda que encontrei, perguntei sobre essa coisa de fazer jogos na Arena. Sem exceção, os tantos com quem falei não gostam de ir para Arena Pernambuco. A reclamação é geral e os motivos são vários.

No embalo do assunto, pegamos por e-mail a opinião de outros frequentadores assíduos do nosso Arruda.

O descontentamento de todos é claro.

O bom seria era que nosso Conselho Deliberativo e o Executivo tomassem uma atitude com relação aos cinco jogos que ainda teremos que fazer lá na Arena do Defunto, para não acontecer o que houve no ano passado, quando fizemos jogos importantíssimos longe da nossa casa. E que não inventem de querer levar mais jogos para aquele fim de mundo.

Ontem, recebi um texto que foi publicado no www.central3.com.br, cujo título é “A libertadores será goumertizada?”. Gabriel Brito, o autor, expõe seu ponto de vista sobre esse modelo de comportamento padronizado que são essas tais Arenas que chegaram por aqui e vão se alastrando pela América do Sul.

O cara termina o texto dizendo o seguinte:

“Depois, ao sair do estádio comportado e cheiroso, esse mesmo torcedor não encontrará a malha de transporte inglesa, o sistema de saúde alemão, a segurança pública holandesa ou os direitos sociais franceses. E, consumado o golpe, se questionará aonde foi que deixamos a nossa alma.”

Tenho pra mim que Gabriel já deve ter vindo assistir a algum jogo na Arena daqui.

Vou ficando por aqui, torcendo para que domingo nosso time vença o jogo lá no sertão e junte mais uma vitória.

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Gustavo Souto  – Auxiliar de Depto. Pessoal

Moro no bairro do Curado e estou mais perto da Arena que a maioria dos tricolores, daí fica mais fácil ir para os jogos. Fui para uns 6 jogos (America,Vasco, Vila Nova, Luverdense, Porto e Boa Esporte). Em um deles,  fui de transporte publico, pra mais nunca. Todas as outras vezes, procurei ir de carro ou em algum transporte alugado.
Não vejo reais motivos para o Santa Cruz jogar na Arena, um estádio sem necessidade nenhuma de ter sido construído. Para quem mora perto como eu, é bom(menos ruim), mas fico imaginando quem mora longe, que depende do transporte publico para chegar em casa. Um estadio mal localizado que se chama Arena Pernambuco, que nas emissoras de televisão falam que fica localizado em Recife, mas todos nos sabemos que se encontra em São Lourenço da Mata. Um bom exemplo dessa situação foi o primeiro clássico desse ano contra o Nautico(mandante) que teve como publico menos de 5.000 pessoas. Se o jogo fosse nos aflitos daria no minimo 15.000 pelo motivo da localização e transporte. A pessoa vai para arena gasta no minimo R$100,00(ingresso, estacionamento, comida ruim, guarana ruim e cerveja sem álcool)

O Arruda é nossa casa é onde me sinto bem e não troco ele por nenhum estadio. O dinheiro que foi gasto para construção do elefante branco mas conhecido como Arena Pernambuco deveria ter sido utilizado para reforma do nosso querido Arruda, da casa da barby e do mangue. 

Danilo Cardoso – Técnico em Informática

Já fui a 4 jogos na Arena e sou totalmente contra o Santa Cruz ir jogar ali. Nós temos um Estadio, não precisamos mandar jogos na Arena. Sem contar na mobilidade e a distancia pra chegar ali.

Infelizmente, o torcedor nunca é respeitado nessas decisões. Ninguém sabe quanto o clube realmente ganhou, não há uma transparência. Como eu já falei, o Arruda é nossa casa e nunca poderá ser deixado em segundo plano.

Ayrton Senna – Técnico em Refrigeração e estudante de engenharia mecânica

Para o santa cruz, mais do que Sport e Náutico, é um verdadeiro equívoco jogar na Arena!

É nítido que pra quem vai pra um jogo do Santa no Arruda, ver que a zona norte tem o Arruda como uma segunda casa. No Arruda a população de baixa renda tem a geral, e na arena? Alguém pode dizer: “mas tem todos com a nota” Mas é longe, a comida é cara, a bebida é cara, e se você precisar sair no meio do jogo pra casa numa emergência?? e aí? o que fazer?

Fui a 7 jogos na arena, mas não porque era na Arena, fui porque acompanho o time mesmo fora de casa e é assim que me sinto quando jogo na Arena. Pra mim e pra muita gente ali é como se estivesse jogando fora de casa. Primeiro que as regras que são impostas aos torcedores que se submetem a ir para lá são totalmente contra o verdadeiro sentido do futebol. A torcida não pode ficar em pé, o cara não pode tirar a camisa pra rodar e cantar jogando com o seu time, eu não posso levar a minha bandeira pra colocar em alguns espaços do parapeito da arquibancada.Querem que os torcedores apenas assistam ao jogo! Mas os torcedores não querem apenas assistir ao jogo, eles querem participar do jogo, querem jogar com o seu time. Essa é a essência que faz o torcedor por mais novo que seja ir no Arruda em seu primeiro jogo e ver 78 mil pessoas na arquibancada num clássico contra o seu maior rival, e grande parte dessa multidão fazer a diferença, jogar com o time, cantar, vibrar, balançar as suas bandeiras com a convicção de que estão defendendo a sua pátria. Isso faz a diferença! Isso sim é uma experiência marcante! E não ir a um lugar que não pode ter lotação máxima “por questões de segurança” num clássico. Ir num lugar que parece mais uma loja de um shopping onde você é tratado como apenas mais um consumidor! 

É inadmissível jogar como mandante na arena num clássico, quando o nosso estadio está apto a receber esse jogo e a torcida pronta a usar a sua própria casa. Mais inadmissível ainda é firmar um acordo dessa magnitude sem consultar o povo (torcida/sócios) que ajudou a construir a sua própria casa trazendo até materiais de construção. Desrespeito com a torcida! Nenhuma consulta foi realizada para saber a intenção dos torcedores em usar a arena.

Lucas Alves – Estudante

Estive em todos o jogos que fizemos lá. Como mandante e como visitante. Mas acho um absurdo ir jogar na Arena! Temos nossa casa, temos nossas tradições e temos nossas gloriosas histórias marcadas no Mundão do Arruda.
Eu cresci no Arruda, me apaixonei pelo Santa Cruz no Arruda e é lá que eu quero ficar. É ali que fica a minha segunda casa e eu não quero conforto de primeiro mundo, eu quero emoção e vibração de terceiro mundo!

Infelizmente teremos que cumprir o acordo que foi feito e um contrato que foi firmado. Nos resta jogar esses 5 jogos e lutar para que novos contratos não voltem a ser firmados.

Junior Aguiar – Jornalista

Já fui há vários jogos na Arena, incluindo os jogos da copa das Confederações e Copa do Mundo.

Definitivamente, quando o Santa joga na Arena é verdadeira merda.. Tudo é complicado. Transportes e tal. Além do mais, acredito que o povão mesmo da massa, aquele que realmente o Santa, não vai do jeito que vai no Arruda. 

Essa coisa de futebol moderno que transforma o torcedor em um mero expectador, é tudo que há de ruim e de infeliz!

Edgar Assis – Contador

O Santa Cruz tem estádio. Ir para a Arena só mostra o quanto somos dependentes do TCN. Acho uma merda pra torcida e pra quem gosta do futebol de verdade. Eu mesmo não vou pra nenhum dos cinco jogos restantes.

 

Não negociem nossa alma!

Amigos corais, não sei quem negocia (ou negociou) os jogos do Santa Cruz com a Arena Pernambuco. Não sei quem é consultado. Não sei se o tal “Conselho Deliberativo” delibera alguma coisa. Não sei quanto entra (ou entrou) de dinheiro a cada jogo – e para onde vai (ou foi)  este dinheiro. Não sei de nada sobre essa estranha forma de tratar nossa casa, que é o Arrudão, um dos maiores estádios particulares do mundo.

O que está acontecendo, amigos, é que estão negociando nossa alma.

Quando saio de casa, para ir ao Arruda, saio rindo. Sou tomado de uma alegria particular, só minha, como o sujeito que recebe uma declaração de amor da mulher que ama, antes de sair de casa. Sei que vou encontrar a minha torcida. O meu povo. A massa coral, tão múltipla e indecifrável, quanto bela.

Tomo uma latinha de cerveja aqui em dona Nita, na frente do prédio, vou andando até o Parque 13 de Maio, pego um ônibus na Cruz-Cabugá – que já vem lotado de corais -, e em dez, quinze minutos, estou na porta do Arruda.

No entorno, barracas de cerveja, espetinho esfumaçado, macaxeira com charque, latão, latinha, promoção, aqueles sandubas misteriosos que o sujeito só come na beira do Arruda, ônibus passando, carro chegando, bandeiras, bandeirolas, casas com gente na calçada, tomando umas, escutando “Santa Cruz/Santa Cruz/Junta mais essa vitória…”

Ouso dizer que a Zona Norte do Recife, uma das mais povoadas da cidade, muda todo o seu cotidiano. Os morros descem. A geografia se modifica. Uma nuvem de paixão e poesia ronda e arranca as pessoas de casa.  É uma procissão de apaixonados. O Arruda, por sinal, pode ser visto de vários bairros, de muito longe.

Encontro com os amigos, biritas, enfrento a complicada entrada no estádio. Vou por debaixo das arquibancadas, aquele corredor que lembra um “túnel da torcida”, que vai mesmo entrar em campo, até que chego às arquibancadas e um portal se abre. Está lá, o graminha verde coral, o cheiro da torcida, a nossa casa. As figuras que conhecemos, mesmo sem saber o nome direito. A certeza de que, naquele lugar, muitas glórias aconteceram, muitos craques passaram, gerações se abraçaram, riram, choraram, se emocionaram, cantaram. Ali, nossa felicidade se multiplica, e nossa dor é amparada.

Agora, temos esta novidade, esta petulância – os atravessadores da nossa alma.

Somos obrigados a deixar nossa casa para assistir jogos numa “Arena” asséptica, fria, distante, com jeito de primeiro mundo, fruto de uma soberba do poder. Um estádio distante de tudo, construído para as elites, que sonham com os 90 minutos numa cadeira confortável. Um estádio que provoca, no torcedor coral, um sentimento trágico – ele sai de casa já irritado, chega irritado, assiste a um jogo deslocado (parece que está na casa de um primo rico e boçal), e volta pra casa ainda mais irritado. Mesmo que o time vença, o sujeito chega em casa puto, dizendo que não vai mais.

Falta tudo no entorno da tal “Arena”. O que seria uma “Cidade da Copa” é um descampado, incapaz de oferecer um reles boteco, um fiteiro, um muquifo, para o sujeito escorar o cotovelo e pedir uma cerveja, uma moela, uma cabidela. Um estádio para quem tem carro. Para quem tem dinheiro. Para quem tem paciência vendendo e sobrando. Para quem é corno manso.

Fui uma vez, no jogo contra  a Luverdense, e prometi nunca mais voltar.

Depois da primeira vitória contra o Náutico, me animei para ir, botei meu nome na Van que saía do Poço, mas aos poucos fui pensando melhor:

“O que eu vou fazer naquele fim de mundo, se temos a nossa casa, que é o Arruda?’

Arranjei uma desculpa fajuta e não fui. E não vou nunca mais.

A decisão é simples. Quero que qualquer dirigente do Santa Cruz, em qualquer tempo, qualquer gestão, seja qual for seu partido, ideologia, classe social, saiba que a nossa alma está no Estádio do Arruda, e com isso não se negocia.

Dizem que já “venderam” cinco jogos da Serie B deste ano para a Arena. Isso, para mim, é um crime contra o clube e sua imensa e apaixonada torcida. Precisamos juntar nossas forças para reverter isso o mais rápido possível.

No último domingo, escutei o jogo pelo rádio. A única coisa que eu pensava era como estaria o Arruda, no mesmo horário. Todos sabemos como estaria o Arruda. Estaria cheio. Estaria em festa.

Minto – pensava em outra coisa – na grande sacanagem que é botar a massa coral dentro daquela Arena gelada e sem alma.

Repito – não negociem a nossa alma.

Quero o meu Arruda de volta. Arena nunca mais.

Nosso lugar é o Arruda

Pela terceira vez na minha vida fui assistir a um jogo na Itaipava Arena Pernambuco. A tal Arena do Defunto. O Dudumbo. A Arena do morto.

Havia ido numa partida entre Santa Cruz e Luverdense. Depois, fui ver uma pelada da Copa do Mundo, Grécia contra Costa Rica.

Empolgado com a vitória no meio da semana, resolvi ir mais uma vez para aquele estádio.

Me juntei a outros e alugamos a Van de Teresa.

Por incrível que pareça, levamos somente quarenta e cinco minutos para chegar naquele fim de mundo. É que Teresa é desenrolada e fez um caminho pra lá de esquisito e mal sinalizado, mas que é bem deserto, facilitando assim, nossa mobilidade.

Então, quando chegamos, ainda faltavam  uns quinze minutos para o começo da partida. Tempo suficiente para se tomar aquela cerveja, comer algum brebote e tirar uma onda. Mas ficamos sem ter o que fazer. No entorno daquele estádio não há uma barraca sequer para se comprar bebida descente e um bom tira-gosto.

Não tem espetinhos, nem caldinhos, muito menos amendoim. Não tem o delicioso cheiro da charque assada. Nem queijo coalho assado na brasa.

Tibério sentiu falta do bar de Abílio. Eu tive saudades das barracas da beira do canal. Alguém falou do bar da moela.

O que se ver ao redor daquela Arena, é um vazio de cor acinzentada. Uma grande área de concreto que esfria a emoção de quem realmente gosta de futebol.

Pra quem é frequentador assíduo do Arruda, é difícil se acostumar com esse modelo de estádio que querem nos enfiar goela abaixo.

Nele, falta o essencial para nós tricolores corais santacruzenses das bandas do Arruda: calor humano e o cheiro de povo.

Com quem eu falo, todos são unânimes em dizer que preferem o Arruda.

Não sei o que pensa o presidente Alírio sobre isso.

Muito menos os eternos cartolas do Santa. Rodolfo Aguiar, Antônio Luiz Neto, João Caixero, entre outros.

Só sei que o Santa Cruz já tem acertado de fazer seis jogos na Arena Pernambuco. Fizemos dois. Não faço a menor ideia de quais são as outras partidas, nem quanto nosso clube está ganhando com isso.

O que já deu para perceber é que a Federação, o estado e as forças ocultas estão fazendo de tudo para o Santa Cruz ir jogar lá. Afinal, aos quatro cantos se fala que a Arena está dando prejuízo danado e Pernambuco está pagando um preço alto pela sacanagem que fez.

Tenho a opinião que, em relação a este assunto, toda nossa torcida deve ser escutada. Não apenas o Conselho Deliberativo e os sócios.

E tenho a certeza que aquele estádio de São Lourenço da Mata, não é um local apropriado para nós tricolores de corpo e alma.

Ali não é espaço para o povão.

O Santa Cruz mandou nos chamar

Perdi quase todo o primeiro tempo de ontem. Assim que entrei no carro para ir pra casa, liguei o rádio e ouvi o  locutor anunciar que o Santa Cruz perdia por um a zero. Desanimei na hora.

Pra morgar mais ainda, o comentarista avisa que com aquele resultado a gente ficava na lanterna. Pensei até em mudar de estação e ouvir música.

Mas aí, o rádio grita goooool do Santa e a esperança faz um retorno e vola. Aumento o volume do rádio, piso no acelerador e consigo chegar em casa a tempo de ver os  melhores momentos.

Começa o segundo tempo. O Raniel joga muito, falta apenas uns pequenos ajustes. Moisés é de uma ruindade inexplicável. Vejo que nosso time tem chances claras de vencer o jogo.

E fiquei ali, sentando na cama, com os olhos grudados na TV e torcendo feito um condenado.

Quando Betinho fez o gol da virada, por pouco não acordei o condomínio com meu grito. Minha mulher cochilava do lado. Tomou um susto arretado, mas logo em seguida abriu o sorriso e disse:

— domingo a gente vai, né?

— tem calma. o jogo não acabou, ainda.

Partida encerrada e a doidice toma conta da massa coral. Meu zap-zap não para apitar.

“Ô, Ô,Ô, Betinho é matador”.

“Essa catita é minha freguesa. Desde 2013 é só lapada”.

“Triiii”.

“Domingo, eu vou”.

“Eu também”.

“Quem mais vai, sou eu”.

Samarone, cheio de cerva na cabeça, telefona. O bicho ainda estava na casa de Pedoca, onde assistiu ao clássico. Sama faz uns comentários sem pé nem cabeça sobre o jogo.

Comento com ele que em 2013 nossa arrancada começou justamente com uma lapada no Clube Barbie Capibaribe. Aviso que já estamos no G4

Nosso poeta sentencia.

“Gerrá, agora é com a torcida. Sempre foi assim. Domingo pode ser aonde for, mas a gente tem que ir”.

Ele está certíssimo.

Tenho pra mim que até Inácio vai.

Hoje cedo, Naná já ligou pra saber se vamos alugar uma Van.

Não sei se de Van, metrô ou táxi, só sei que eu vou.

A hora é de deixarmos um pouco de lado as convicções e a coerência, de dar folga a chatice e nos mandar para o jogo de domingo. O Santa está nos chamando.

 

 

 

 

Não conheço ninguém que vai

Quase toda semana, marco com alguns amigos para trocar umas ideias no intervalo do meio-dia e manter a amizade acesa. Hoje, pra evitar discussões bestas, resolvemos barrar dois que são torcedores do Club da Abdias.

Na roda da conversa, o prato foi o jogo de logo mais contra a Barbie.

Coincidência ou não, nenhum dos presentes vai para o jogo.

— Meu amigo Gilvan mora perto da Arena. Não vai para o jogo. Artur, estagiário de Contabilidade, mora em Camaragibe e também não vai. Aí eu pergunto: imaginem eu? Vou não! – mandei minha fala.

— Vou nada. Só se fosse para dormir lá e voltar de manhã. – disse Moacir.

— Eu também, num vou! Cinquenta reais o ingresso! Tu é doido. Dou não. E ainda tem transporte, água e outras porra! Vou nada! – falou Jaime.

— Já combinei com um esquema. A gente vai assistir pela televisão, tomando cerveja, comendo uns tira-gostos e fazendo amor. – afirmou Adalba.

Stanislau foi mais enfático. Ele é revoltado com a construção daquele estádio.

Mandou algumas autoridades para a putaqueopariu, meteu o pau no ex-governador, esculhambou a Federação e a Globo, culpou também os cartolas e a CBF.

Ficou invocado. Em alguns momentos deu até murro na mesa.

— Só fui naquela desgraça, uma vez. No jogo contra o Vasco. Foi sufoco pra chegar, para entrar e para sair. Vai te fuder! Vou nem a pau. Não tem uma barraca do lado de fora pro cara tomar uma cerveja. Um breu do carai, quando acaba o jogo. Tudo caro, lá dentro. Aquilo ali já nasceu morto.

E continuou.

— Aquela Arena é uma das maiores vergonhas que já se produziu em Pernambuco. Muito pior do que a Dantas Barreto, o Parque Dona Lindu ou o Memorial Arcoverde. Um bocado de besta foi atrás da conversinha mole de Dudu e caiu no conto do vigário. Taí, os cofres do governo pagando pra fechar a conta da Arena. VTNC!

Concluiu com a seguinte frase.

— Quem quiser que vá. Gosto e sovaco, cada um tem o seu!

Levantamos, pagamos a conta e saímos à passos lentos. Na Rua da Moeda cumprimentamos Chico Science.

— Esse aí tem a cara do Santa Cruz. Lá no clube, devia ter umas estátuas dessa turma que torce pelo Santa Cruz – comentou Moacir.

E seguimos driblando o calor.

Paramos na esquina da Mariz e Barros com a Vigário Tenório, assistimos a uma partida de dominó.

Depois nos separamos e seguimos de volta para o trabalho. Até agora, não encontrei ninguém que vai se aventurar a ir para o nosso jogo hoje à noite.

Nem eu!

Amigos corais, sou um distraído convicto, por isso já me livrei de muitas frias. Não percebia as picuinhas nas redações de jornais, conversava amenidades com quem queria me ferrar e perder vôos, esquecer malas e outras coisas, a gata fora de casa, são fatos já assimilados como normais pela minha companheira Sílvia.

Quando o assunto é futebol, sou o mesmo. Teve um jogo em que fiquei  soltando os cachorros num lateral direito, chamava-o pelo nome direto, ele não acertava um cruzamento, até que teve uma hora que um torcedor tirou o fone do ouvido e me disse:

“Fera, esse cara não está jogando hoje não”

Glub.

Domingo passado comecei a me redimir. Fui ao estádio com radinho de pilha e tudo o mais, para saber o nome de todos os atletas corais e depois falar de cada um, em nossa mesa-redonda coral, que está em fase de conclusão.

Que maravilha! Logo me encantei com o futebol de um sujeito chamado “Biteco”, que tem cara e jeito de Santa Cruz. Cabeludo, cheio das manhas, toques rápidos, habilidoso. Estava botando fogo no jogo.

No segundo tempo a coisa, quero dizer, a situação, melhorou. O Santa mudou o lado do campo, e pude ver Biteco bem de perto, perdão pela frase desaprumada.

Demais. O sujeito literalmente pedia a bola. Estava com fome de bola. Toques rápidos, passe bom, eu já tinha meu primeiro ídolo de 2015 – Biteco.

Tinha um bufão debaixo da barra chamado Bruno. Não sei qual foi o insight de genialidade para trazer, como titular, um sujeito que está, literalmente, em fim de carreira. A todo instante, o peseudogoleiro passava insegurança ao time. Sempre dando socos na bola, hesitando, fora que não conseguia bater um tiro de metal. Era cada bola osso para Renatinho, que eu vou dizer. Na primeira chance que teve, fez uma lambança (fez que saiu mas não saiu numa bola fácil) e levamos o gol. O castigo.

Mas estávamos a 15 minutos, teríamos uma boa meia hora para empatar e virar. Eu estava confiante. Biteco estava afim de jogo.

Pois bem.

“Substituição no time do Santa”, anuncia o locutor.

Quem será, pensei. Quem será que vai chegar junto para fazer tabelinha com Biteco e furar a retranca salgueirense, pensei de novo.

“Sai Biteco”, diz a rádio.

Aqui vai outra confissão, meus amigos. Eu não entendo uma vírgula de sistema tático, a diferença entre um volante e um meia me parece uma raiz quadrada, mas faltou pouco, neste momento, para que eu jogasse o rádio no chão.

Soltei o maior palavrão que me ocorreu. Saí andando pelas arquibancadas, pensando “estou doido, estou doido, só eu vi esse cara jogando uma partidaça”.

Foi quando a massa coral, num fôlego só, começou a gritar:

“Burro! Burro! Burro!”

Não, eu não estava doido.

Se eu fosse o Ricardinho, chamaria o quarto árbitro e diria:

“Ei fera, baixa essa placa que errei a numeração do jogador que vai sair”.

Lá vai Biteco, abandonando o campo. Cada passo que ele dava, rumo à lateral do campo me dava ganas de chorar – mas era de raiva!

Perdemos a partida.

Neste momento, o Santa Cruz Futebol Clube era para estar na terceira posição, com seis pontos, um a menos que o Central.

Estamos na lanterna, numa situação perigosíssima.

Nem eu, meus amigos. Nem eu faria uma desgraça daquela com o time e com a massa coral…

Goleiro ruim não merece segunda chance

Voltei.

E voltei em dúvida: desço a lenha em Ricardinho ou no goleirinho? Começarei com o vigia da barra, mesmo achando que o verdadeiro responsável tem cabelos grisalhos, é metido a bem educado e estava do lado de fora do campo.

Escolho o goleiro porque estou com vontade de mudar o nome do meu filho caçula. Não estou conseguindo chamá-lo de Bruno. Da avenida Beberibe até em casa vim chamando o pirralho de pirralho. ‘Pirralho, quer comer alguma coisa?” ou “Vai tomar banho pirralho”. Se for chamar de Bruno vai ser pra mandar à puta que o pariu. E o bichinho não merece isso. Nem a mãe, uma verdadeira santa (apesar da gente ter chegado do jogo às nove horas e ela ainda não estar em casa).

Quando se está com raiva é preciso cuidado pra não perder o fio da meada.

Toda vez que Tiago Cardoso se machuca é esse deus-nos-acuda. Sem o paredão, não subimos em 2012. O esforçado Fred até que faz o trivial básico, mas não milagres. No ano anterior, suportamos as trapalhadas do mã0-de-lodo André Zuba, um rapaz que tinha tudo para ser bancário ou comerciante de secos & molhados, mas inventou de pegar no gol. Pior: no nosso gol.

Agora. esse tal de Bruno. É uma sina.

Mais do que sina, é bola cantada. Quando anunciaram a sua contratação, a primeira coisa que todos tricolores lembramos foi a imagem dele com bola passando por debaixo das pernas, num jogo do Palmeiras na Libertadores. Um peru clássico. Como se contrata um goleiro que se notabilizou por um frango? Goleiro tem que ficar conhecido por uma defesa arrojada, por uma saída corajosa, por um pênalti que espalmou. Ninguém contrata um atacante famoso por perder muitos gols.

E goleiro que papa frango não merece segunda chance. Essa frase é de Gerrá e eu a roubei para usar aqui.

Verdade se diga: Bruno vinha se esforçando para engolir uma bola desde o primeiro jogo. Só escapou porque Bileu, Léo Veloso e a zaga foram mais incompetentes que ele. Contra a Salgueiro, o inevitável aconteceu.

A insegurança do frangueiro é tão grande que a torcida, com um humor finíssimo, comemorava como se fosse gol toda vez que ele saía do gol e segurava a bola, sem socá-la desesperadamente. Quem estivesse do lado de fora, pensaria que estávamos vencendo de goleada.

Acabo de ler o que ele disse no fim do jogo (um elogio: ele se comportou com dignidade, dando entrevistas a torto e a direito enquanto escutava as vaias a que fazia juz) e concordo que a culpa não pode ser jogada só sobre seus ombros. Quem o escalou, o escalou errado. Pronto, eis minha deixa para descer o pau em Ricardinho. Aliás, não só em Ricardinho, mas na comissão técnica e nos diretores que contrataram um goleiro peba, um lote de atacantes hospitalizados e nenhum lateral que preste.

O Ricardinho é uma góga só. Fala bonito, com voz grossa e diz que é o principal responsável. E tem tudo para marcar época com o pior início de campeonato estadual da história recente do clube e pela mais estúpida substituição jamais feita em Pernambuco. Não lembro de uma reação tão instantânea e violenta dos torcedores como a que explodiu no exato instante em que acendeu o luminoso com o número de Biteco.

Numa tacada só, ele desmontou a organização no meio de campo, tirou o jogador que injetava tesão e aumentou a pressão sobre os que ficaram em campo.

Chamá-lo de”burro” foi pouco.

 

 

 

 

Começou o ano!

Sob o efeito da ressaca de carnaval, consegui assistir ao jogo. Como quase todo mundo, estava torando aço. A torada foi maior quando vi que o time ia com Betinho na frente.

“Pqp, se empatar já vai ser um grande negócio”, eu pensei.

Demorei uns cinco minutos para entender a escalação. Renatinho tava na lateral-esquerda e Emerson Santos fazia a dupla de ataque junto com o perronha do Betinho. Enfim, pra mim que só começo a acompanhar futebol depois do carnaval, tive que esperar aparecer a escalação na tela da TV para saber quem estava em campo. E não me animei. Com dez minutos de jogo, pensei em desligar a televisão.

“Pqp, tá foda, vou dormir”, pensei.

Pra completar, Inácio me manda mensagem pra lá de desanimadora. “Renatinho tá louco. A zaga é de manteiga. Biteco é um mole. Emerson e João Paulo estão de ressaca”.

Entrei na sintonia dele e respondi. “E esse Moisés tá na profissão errada”.

E tá mesmo, faz tempo que não via um lateral-direito tão ruim quanto esse. Esse Moisés deveria estar trabalhando como corretor de seguros, vendedor da Eletroshopping ou algo parecido. E quem o contratou deveria ser chicoteado na entrada da nossa sede.

Pensei em dormir e quando vou me aprumado no travesseiro e pego o controle para desligar a televisão, eis que Betinho tem um lampejo de pivô e ajeita a bola para Biteco mandar com categoria no canto do goleiro.

Corri pra lavar o rosto, dei uma mijada e me posicionei de novo para ver a partida. Três minutos depois, numa pixotada de Alemão e do já citado lateral-direito. (Jogadorzinho sem alma, esse Moisés. Preparem-se, porque este indivíduo ainda nos vai dar muita tristeza e revolta).

Fiquei tão invocado que perdi o sono. Fui tomado por um pessimismo tão grande que torci fervorosamente para que o jogo acabasse já no primeiro tempo.

Mas eis que o futebol é realmente uma caixinha de surpresas.

O Santa Cruz volta do intervalo com uma formação corajosa. Três atacantes.

Ricardinho mostra que não é frouxo e vai pra cima, afinal de contas só a vitória interessava.

Nosso escrete mostra outro futebol. Alemão e Edson Sitta são nossos rotrweillers. Pra minha alegria, baixam o pau no adversário. Bileu concerta o buraco na lateral-direita. Renatinho dá o sangue na esquerda.  João Paulo mostra compromisso e vai ajudar na marcação. Biteco comanda as armações de jogada. E eu começei a ver que o nosso gol sairia a qualquer momento.

E saiu. De novo, Betinho faz o pivô e ajeita pra João Paulo. Golaço.

Estou acordadíssimo. “Esse João Paulo sabe jogar”, eu penso.

Samarone telepaticamente concorda comigo e manda uma mensagem. “Gostei desse João Paulo”.

E vamos seguindo, dominando Caruaru, consolidando nossa vitória.

Raniel entra e já mostra o cartão de visitas. Faz uma jogada espetacular. Com a bola colada no pé, o garoto parte do meio-campo driblando tudo que aparece na frente, pena que não fez o gol. Como joga bola esse menino.

“Raniel tem um namoro com a bola”, Sama comenta pelo celular.

O juiz apita o final do jogo. Durmo tranquilo e calmo.

E assim, começa nosso ano.

Com raça e jogando pra frente, juntamos mais uma vitória.

Sábado, faço minha estreia no Pernambucano. Estarei no Arruda!

Nosso décimo carnaval foi assim

Sorrisos, abraços, brincadeiras, fotos, entrevistas, imagens.Aos poucos o povo foi chegando. Coronel Peçonha foi um dos primeiros. Segundo me falaram, eram umas nove horas e o Coronel já estava na função. Sentado debaixo de um toldo, bebendo uma skol.

Pra nossa surpresa, Jesus Tricolor chega trazendo um dos diretores da Naza Coral. O bom sujeito nos presenteia com algumas camisas.

Pois é, lá em Nazaré da Mata também tem carnaval preto-branco-vermelho. Assim como tem em Pesqueira, com o Paixão Coral e em Bezerros o Tricoloucura.

Vai um parênteses. (Tenho pra mim que além da torcida mais apaixonada, somos os que tem o maior número de Troças e Blocos que reverenciam um time de futebol).

Voltemos a ontem.

Inácio chega com sua tropa. Mulher, filho, pai e mãe.  Dudu Paiva, também. Naná traz a turma que segura a Cobra. Boy e Ninha organiza o lanche da galera.

Marconi Glauco veio com seu cunhado e com o ator Edmilson Barros que é irmão do nosso preparador fígado, Stênio.

—  ele é aquele cara que trabalha em Malhação? – pergunta uma moça.

— sei não. Só sei que torce pelo Santa Cruz. – eu disse.

Hugo Moura dar o ar da graça. Me dar um abraço e solta: – quanto mais bate, mais a troça cresce. Eles não conseguem entender isto.

Certíssimo. Eles, os outros, não conseguem entender nossa paixão.

Samarone, ninguém sabe como, desta vez conseguiu aparecer.

E tantos outros vão chegando. . .

Uns ainda querem camisas. Alessandra e Maria estão debaixo de uma árvore vendendo as últimas unidades.

Guardei a camisa de Bacalhau, mas ele não veio. Nesses dez anos de carnaval da Minha Cobra, é a primeira vez que aquele maluco não vem. Quinta-feira vou ver se faço contato com ele, pois fiquei preocupado.

Vejo Carlinhos. Amigo e vizinho de tempos atrás, o cara tem um verdadeiro clã de tricolores corais santacruzenses das bandas do Arruda. Com Carlinhos brinquei alguns carnavais. Pátio de São Pedro, Praça do Diário e Olinda. Na volta, carona no ônibus do Quinteto Violado. Éramos conhecidos do motorista.

Meu telefone toca. É Flávio, meu cunhado, querendo saber se já saiu. Pablo manda uma mensagem dizendo que vai se atrasar e pede o percurso. Stênio telefone pra saber que horas sai. Desliguei o celular para ter um pouco de paz.

Chiló trouxe sua pequena Izabel e uns amigos torcedores do Porto de Portugal.

Perto das 10h,  o Largo do Bonsucesso já estava pintado com as cores preto-branco-encarnado. A TV Coral já está mandando brasa nas imagens.

Digão chega com sua câmera fotográfica. Não trouxe Diguinho. O pirralho tava de ressaca.

Anizio e seu buchão vai compartilhando as cenas.

Corro com Claudemir até o Largo do Amparo pra ver se a orquestra chegou.

— tá faltando, somente três. mas estão vindo. – Maestro Carlos nos avisa.

Uma chuva lava a nossa Cobra e a nossa alma.

Alguém no mais puro humor negro diz:

— vamos levar a Minha Cobra pra São Paulo.

Era quase meio-dia. Os metais tocam o Mais Querido de Capiba e contagia a massa coral. Uma chuva de papel picado nos homenageia no início da Rua do Amparo. Nosso carnaval começou e Olinda ficou mais bela.

Salve a nossa paixão. Viva a Minha Cobra.

Em 2016, no dia 8 de fevereiro, a gente se encontra de novo.