Amigos corais, o futebol tem lances que são eternos. Lances e gestos.
Poderia passar a manhã lembrando alguns. Vou a um dos mais inesquecíveis.
Final da Copa de 1958, na Suécia. O Brasileiro jamais tocara na taça Jules Rimet. Final conta os donos da casa. Aos quatro minutos e pouco, gol da Suécia. Quem não gelou, lembrando da tragédia de 1958. Um jogador brasileiro que não identifico pega a pelota e Didi sai do meio de campo para buscá-la. Ele vai com ela segurando com a mão esquerda, altivo, dono de si. Vai caminhando mansamente, quase assobiando algum chorinho, como quem diz aos demais jogadores – “calma, que o jogo nem começou direito, vamos virar essa partida já já e dar olé nesses Zé Ruela”.
Resultado: apresentação de gala do Brasil. Vitória por 5 x 2 e o primeiro título mundial.
Não foi um lance, foi um gesto.
Mas não posso me estender. Já é final início da tarde e a cidade do Recife respira as três cores corais. Os telefonemas se multiplicam, o zap-zap está em tempo de entrar em colapso. Twitter, facebook estão feito a gora, gritos para chamar o vizinho para tomar umas, enfim. Tudo caminha para a Avenida Beberibe, logo mais à noite. São milhões de combinações de horários, lugares, botecos, barracas, caronas, desculpas no trabalho para sair mais cedo, além dos efeitos colaterais, como a absoluta falta de concentração para abotoar até a camisa, nervosismo para botar açucar no café ou para discutir qualquer coisa lógica. Se sua mão já está tremendo, não se preocupe, você é absolutamente normal, torce mesmo pelo Santa.
E no meio deste frenesi, um lance não me sai da memória.
O jogador do Bahia se prepara para bater a falta – perigosíssima, por sinal.
Nosso zagueiro, Alemão, está na barreira. Ele sabe que o lance pode ser fatal para o Santa, precisa fazer algo.
Então ele resolve provocar.
Começa a bater com a mão no peito esquerdo, olhando fixamente para o jogador do Bahia. Pela TV, dá para ver ele gritar:
“Chuta aqui, é! Aqui!”
Ele fica repetindo com força, e batendo no escudo coral. Parece tomado. Não tira o olho dos olhos do adversário. Está em transe. Ao seu lado, está nosso artilheiro Grafite, um mero coadjuvante.
Alemão segue aos berros. Foram alguns segundos, mas me pareceram intermináveis minutos.
“Aqui! Chuta aqui!”
Ninguém, em sã consciência, quer levar uma bicuda no peito. Quem joga pelada, sabe que isso dói pacas.
Mas Alemão, ali, preferia sentir a dor no corpo, do que sentir a dor da massa coral, em caso de um gol baiano.
Na hora me ocorreu estar presenciando um desses gestos inesquecíveis do futebol. Ali, Alemão sabia que estava sendo um dos milhões de torcedores do Santa Cruz, defendendo a barra do paredão Thiago Cardoso.
O jogador do Bahia, certamente querendo dar um troco, não chutou no ângulo, como costuma fazer. Pegou ar e acertou uma bicuda no nosso Grafite, que ficou vendo estrelinhas. A bola não chegou à barra e o jogo seguiu.
Para mim, o lance da falta, acompanhado do gesto do nosso zagueiro, definiu uma mudança definitiva nesta reta final de Série B.
São 11 homens correndo, chutando, brigando, batendo no peito, por causa de uma nação de apaixonados. Não por acaso, ele ficou batendo do lado do coração e do escudo coral.
Quem pensa que o jogo contra o Oeste vai ser fácil, pode tirar a sua Shinerayzinha da chuva. Vai ser osso duro, e teremos que lutar muito.
Mas até o mais depauperado torcedor coral repete isso, a cada rodada:
“As coisas nunca foram fáceis para o Santa”.
Mas o espírito do time, para mim, está representado no gesto de Alemão, batendo no peito e pedindo para levar um bombaço.
Ali estava alma do Santa Cruz, nesta jornada épica, para voltar à Série A.
Vamos todos ao Arruda, arrancar mais esta vitória.