Politicamente incorreto

Meus amigos tricolores, uma das coisas mais politicamente incorretas que conheço é o tal de apelido de jogador de pelada. Começa pelo próprio nome do jogo: pelada. Pode ter sido derivado do termo péla, as bolas de couro, ou do fato de não ter grama nenhuma no campo.
Seja como for, pelada é aquele lugar muito estranho onde os amigos se reúnem para bater uma bolinha e tomar umas cervas depois de suar a camisa. Há peladas de grandes amigos onde o objetivo é só se divertir mesmo. E há aquelas em que os caras se acham profissionais da bola e, vez ou outra, o pau canta. Seja por uma entrada mais dura, por alguém que faz corpo mole ou por uma falta não marcada – e quase sempre todo mundo é juiz também na pelada.
Na minha adolescência, eu jogava pelada num campinho na praia do Janga. Pense nas figuras mais esdrúxulas do mundo que compareciam àquela várzea. E quase todos carregavam os nomes mais estapafúrdios possíveis.
Lembro de um nerd de óculos e cabelos desgrenhados que ia jogar. O apelido? Taboclécio, o tabacudo. Apelido composto. Taboclécio tinha a maior cara de punheteiro donzelo. Mal emitia uma palavra e jogava mal pra caralho.
Tinha um cara que possuía uma das pernas menores. Ele andava equilibrando o corpo e gingava entre a perna maior e a menor. Batizaram o cara de Amassa barro. Outro, marombeiro e que só falava em carnaval e nas mulheres da festa, foi batizado de Pipoca.
O grupo era bem eclético: Tição, Monstro, Pereba que era um gordão desengonçado e que batia que nem um filho da puta, Epocler que era um cachaceiro inveterado, Goió, Maluqinho que era um maconheiro convertido, Gordo e Satã. Satã era feio feito o diabo, daí o apelido carinhoso.
Fiquei imaginando um narrador profissional narrando essa pelada. Seria mais ou menos assim:
“Taboclécio pega a bola, vê Tição correndo pela esquerda. Goió se aproxima para tomar a bola. Taboclécio lança pra Tição…. coooortaaaa Satã. Satã carrega a pelota, lança para a esquerda para Epocler. Epocler treme, faz que vai vomitar, toca a bola de qualquer jeito. Domina Maluquinho. Maluquinho corre pela direita, vai chegando na área. Amassa Barro chega com violência, acerta a perna de Maluquinho e é… faaaaltaaaaaa”.
Aí começa uma confusão da porra. Briga daqui, briga dalí e a falta vai ser cobrada. Volta o narrador:
“Gordo bate a falta tocando para Epocler que já se recuperou da vomitada. Epocler lança para Satã que peeerde a bola pra Monstro que chegou com tudo. Monstro dribla Goió e passa voando pelo Gordo. Monstro toca pra Tição que toca para Pereba que vê Taboclécio na esquerda e Monstro na direita. Pereba lança para Taboclécio, Maluqinho e Satã se aproximam para tomar a bola. Taboclécio, em pânico, chuta para a barrinha e… é Gollllllllllllllllllllllllllllllllllll. Gol de Taboclécio”.
Os amigos se reúnem e se abraçam celebrando o gol. A zona pra cima do adversário era uma coisa obrigatória.
“Perdesse, otário. Vou dar aula na próxima pelada”.
Num universo tomado pelo politicamente correto – onde os velhos Trapalhões já estariam presos – a pelada segue contra todos e contra ninguém. Fazendo sempre parte desse imenso país que ama e respira futebol. Do seu jeito.

Finalizou, mas para começar tudo de novo.

Meus amigos tricolores, final de ano é aquele período infernal para qualquer professor: aplicar milhões de provas, corrigi-las e lançar as notas e, o pior de tudo, escutar o chororó dos alunos incompetentes que não conseguiram passar.
Nesse turbilhão natalino, mal tive tempo de acompanhar as notícias de nosso Santinha. Escutei a entrevista de Alírio. Falou o que todos nós já sabemos: a crise financeira do clube desgasta a gestão e compromete os planos futuros. Pelo que me lembro – e pode pegar qualquer jornal da época – desde sempre o Santa Cruz vive com dívidas imensas. Há 30, 40 anos que essa lengalenga se repete.
O papo de que o Arruda vai ser leiloado deveria entrar para o rol dos mitos pernambucanos: a emparedada da Rua Nova, Bio do olho verde e a perna cabeluda. Era criança quando ouvia as notícias de que o Santa iria fechar. Os séculos passam e ninguém faz nada. Não estaria na hora de profissionalizar esse clube de uma vez? Permitir que capital árabe – por exemplo – administrasse o Mais Querido? Transparência e uma gestão enxuta e técnica são mais do que bem vindas.
Um professor amigo meu falou de uma entrevista na Rádio Jornal de um dos conselheiros do clube descendo o sarrafo na diretoria de futebol. Tininho é um caso específico de amor e ódio. Amado no primeiro semestre e odiado no segundo. Natural: ganhamos o PE e a Copa do NE, mas nos lascamos feio na Série A – e ainda fico me perguntando quem foi beneficiado com tantas contratações neste segundo semestre.
Tiago Cardoso se foi. Foi, é e será ídolo eterno no Santa Cruz. Algo como Nunes, Pedrinho, Givanildo e Mancuso. Mas acho inevitável reconhecer que a porrada de frangos que ele tomou na Série A contribuiu e muito para nossa queda. Fase é fase, companheiro. E ídolo é ídolo.
Eutrópio chegou com uma leva de novas contratações. Nosso novo treinador teve passagens pelo Fluminense, Chape, Ponte Preta e até esteve em terras pernambucanas entre as barbies girls. Desejo-lhe todo o sucesso do mundo nessa nova empreitada. Vamos ver no que vai dar – não tenho nenhum dom de profeta. Logo, só a bola rolando para saber se acertamos ou não.
Vai dar uma saudade danada de Keno, JP e Grafite. Fizeram bonito, não tem como negar. Outros não vou querer nem lembrar o nome de tanta raiva que fizeram. MM e Doriva, por exemplo, nem sei mais quem são esses senhores.
2016 foi um ano ambíguo. Tivemos duas grandes glórias e uma triste derrocada de volta à seribê. E, o mais triste de tudo, o acidente com a Chape vai marcar o futebol brasileiro para sempre. Foi muito bonito ver as homenagens em todos os estádios desse imenso país na última rodada do Brasileirão. Emocionante. Como seria bom se essa utopia de torcidas unidas se tornasse uma realidade.
Estamos olhando para trás e vendo o que se foi. 2017 já desponta ante todos nós. As esperanças se reacendem. Esse é o ciclo natural de todas as coisas. Ansioso para voltar ao Arruda, para torcer e vibrar pelo nosso Santinha. Ser campeão em 2017 no Pernambucano se tornou obrigação.
Este ano está finalizando. Mas nada acaba e tudo se renova. Finalizou, mas para que a roda da vida – como a serpente de Uroborus – possa voltar a girar. Assim como nossa paixão por essas três cores que definem uma nação inteira de loucos e santos.

Luto no futebol brasileiro. Texto escrito por Zeca e Gerrá.

Texto escrito por Zeca e Gerrá.

Não há nada mais misterioso e maravilhoso do que a vida. Mas a vida, em si mesma, só pode ser o que é por causa da morte. Esta finitude radical que nos persegue, esse abismo inelutável que todos estamos condenados a visitar é que torna a própria vida no maior de todos os abismos.
Mas a morte, sorrateira e inesperada, quando se instaura entre nós, deixa um rastro de peso e tristeza, um questionamento que nunca encontra uma resposta definitiva. Ainda mais quando arrasta, atrás de si, o gosto amargo da tragédia, dessa falta de lógica que deixa a todos sobressaltados.
Eu sempre tento ser racional quando me deparo com notícias de morte e tragédias. Aquela história de ficar dando uma de durão. “Ah, pra morrer basta estar vivo”. “A vida é isto mesmo”. Essas coisas.
Mas, vez por outra, me vejo entrando em contradição. Hoje foi assim.
Quando liguei meu celular, às 6 da manhã, vi a notícia postada por Milton Jr. no zap. Fiquei uns segundos parado, olhando para tela, tentando driblar a dor do que estava lendo. Até naveguei um pouco na ilusão de encontrar algo que desmentisse a verdade.
Quase sempre, não me comovo com a morte de quem não está perto de mim. Daqueles que não são do meu convívio. Mas nessa manhã, foi diferente. Não tive como controlar a tristeza e marejei os olhos.
Como bem disse meu amigo Duda, hoje a Chape é a equipe mais admirada e querida no Brasil. É o xodó do futebol brasileiro. A Chape, pra nós que somos os excluídos da fatia gorda das verbas de TV, é a referencia. A Chape é o futebol moderno que sonhamos. A Chape é o modelo que buscamos.
Depois que fomos eliminados, confesso que vinha torcendo fervorosamente por eles nesta Sulamericana. Agora, diante deste hiato, deste silêncio assombroso que se derrama sobre todos nós e que deixa o futebol brasileiro de luto, creio que só nos resta ser solidários na dor e na tristeza dos familiares, amigos e torcedores que enfrentam momento tão delicado.
Estamos atônitos. Poucas palavras já são excessivas diante dessa tristeza imensa. Nossa mais sincera homenagem à tripulação, jornalistas, jogadores e a todos que nos deixaram de maneira tão súbita. Que os familiares e parentes possam encontrar refrigério para dor tão imensa.
Nossa homenagem à grande Chapecoense!

Pra frente é que se anda.

Meus amigos tricolores, parece que um desânimo geral se abateu sobre a torcida do Santinha. Não apenas pelo rebaixamento e a péssima campanha do segundo semestre deste ano, mas pelo fato incontestável de que o passivo do clube e a falta de uma gestão realmente profissional – e digo isso em todos os sentidos – nos deixa temerosos de como será nosso futuro.
A boa notícia da despedida de Jadson não encobre a ida de Keno para o Palmeiras – agora extremamente valorizado, o que é justo – e a necessidade absurdamente urgente de uma reestruturação administrativa no clube para lidar com tantas dívidas fiscais e trabalhistas.
A nossa torcida lembra aquele filme O Náufrago com Tom Hanks (apesar de não ter naufrágio nenhum no filme): estamos desolados, perdidos, falando com um Wilson imaginário na esperança vã de que sejamos ouvidos.
Já citei aqui que o sócio de um clube é exatamente isso: sócio. O torcedor que contribui mensalmente com o time deve ser ouvido. Mas me parece que os ouvidos de nossa diretoria vão permanecer surdos por algum tempo. A esperança melhora um pouco quando sabemos que Alírio se reuniu com blogueiros e ativistas do clube para discutir nosso futuro.
Li no site oficial do clube que estão pensando em abrir uma linha de diálogo com a torcida. Isso tem que ser feito logo. Já está bom de tanto choro e vela. Enterra logo o defunto e vamos seguir a vida, pois pra frente é que se anda.
É preciso pensar na estrutura financeira do clube, na construção do CT, no elenco para o Pernambucano do ano que vem e em todas as competições que iremos participar. Principalmente, na minha opinião, a Série B.
Iremos enfrentar Goiás, Paysandu, Brasil de Pelotas, Criciúma, Vila Nova, Ceará SC, Luverdense, CRB, Londrina e a Barbie. Infelizmente, nossa incompetência e a do Inter podem ajudar a Coisa a permanecer, aos trancos e barrancos, na Série A.
Essa Série B é pedreira, mas não é impossível retornarmos à elite se houver uma administração comprometida com o resultado. E não duvido que em 2017 iremos voltar a vibrar com o Mais Querido no Pernambucano.
Acho que o tempo de ficar se lamentando já foi. Encheu o saco essa choradeira: “Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima”. Isso não significa, de maneira alguma, fazer vista grossa para os erros e a incompetência que tomaram o Arruda. Ao contrário, é hora de ser mais participativo, exigir transparência e cobrar resultados.
Só assim poderemos construir uma embarcação e sair do naufrágio real em que nosso amado Santinha se encontra. E jamais esquecendo que um dos traços fundamentais de nossa tradição – e que herdei do meu pai e de todos os torcedores apaixonados pelo clube – é a garra. A velha e boa garra tricolor.

Existirmos: a que será que se destina?

Meus amigos tricolores, mesmo com essas belas vitórias da Seleção de Tite – ainda mais com um 3×0 convincente contra a Argentina de Messi – ainda me sinto meio morgado para vibrar por este time. A lapada de 7×1 contra a Alemanha só vai ser apagada quando formos hexa campeões do mundo. Essa derrota-humilhação ainda vibra no fundo da alma. Até lá, fico só com meu Santinha mesmo.
Trata-se de uma questão existencial: na alegria e na tristeza, na riqueza e na pobreza. O sabor do último jogo no Arruda contra o América me fez pensar que a vida continua, a bola não para e o mundo gira sempre. Foi especial encontrar todos os apaixonados lá: Gerrá, Sama, Naná e sua trupe do Poço.
A vibração da torcida foi incrível. Parecia uma final de campeonato. Mas não era. O sentido da existência é moldado pela ambiguidade, pelo mistério e a esperança. No campo, neste momento crucial da vida onde a vitória é tão desejada, nos revelamos naquilo que temos de melhor e pior.
Além do mais, duas coisas me chamaram a atenção naquele jogo. Duas coisas simples, diga-se de passagem, mas relevantes pelo sentido que carregam.
Eu estava na arquibancada tomando uma cerva e acompanhando o jogo quando um torcedor, Vitor Salgueiro, se aproximou.
“Meu velho, vocês deveriam escrever no Blog do Santinha sobre a bandeira do clube. Isso é uma vergonha”.
Enquanto ele dizia isso, apontou para a bandeira tricolor que paira incólume sobre o Arruda, acima da tribuna. Realmente, era vergonhoso. A bandeira principal do estádio parecia traduzir a situação moribunda do time: está acabada, rasgada, surrada, velha… um trapo.
Quem será o responsável por esta bendita bandeira? Porra, até aqui no Blog a gente faz uma cotinha para comprar uma bandeira decente e trocar aquela velharia.
Outra coisa que me chamou a atenção foi a falta de um placar. Comentei isso com Sama:
“Quem é o responsável por isso?”
Sou da época em que o placar era trocado manualmente. Mas também fui à estreia do placar eletrônico. E fui ao jogo em que nem placar tínhamos mais. Bastava, por enquanto, colocar um manual mesmo. Bonitinho e funcional. Acho vergonhoso não ter placar nenhum no Mundão.
Questões simples e que demandam soluções simples. Basta querer fazer.
Por ora, vou pensando no final do ano, nas biritas homéricas que vão surgir e no próximo ano com os novos campeonatos. E, claro, no jogo de hoje contra o Coritiba. Mais uma vez, acompanharei via rádio. Torcendo, torcendo sempre. Aqui, no Santa Cruz, meu coração é pleno – absurdo, lógico ou sem sentido, mas pleno.
Vai entender coração de torcedor. Existirmos: a que será que se destina?

Santa Cruz de corpo e alma.

Meus amigos tricolores, um dos lugares mais icônicos da velha guarda santacruzense é o Bar e Restaurante Santa Cruz que é capitaneado pelo tricolor mais respeitado que conheço: o Seu Sebastião.
O filho de Seu Sebastião ajuda no atendimento aos clientes, além do velho Geraldo e de Seu Manoel. Pense numa galera de primeira. E pense num lugar pitoresco em essência.
Toda semana aporto no recinto para tomar umas Brahmas, comer um guisado e filosofar sobre a existência. Vez ou outra me encontro com Sama lá para colocar o papo em dia e beber todas.
Neste domingo, estava lá em Seu Sebastião com alguns amigos. Na hora de pagar, notei uma foto do velho tricolor com dois amigos das antigas.
“Amigos tricolores, Seu Sebastião?”, perguntei.
“Claro. Mas tá vendo este aqui – ele disse apontando para um senhor de cabelos brancos – esse porra vivia no Arruda. Ia para jogo, treino, lançamento de camisa. Apaixonado”.
“Não vai mais?”.
“Esse meu grande amigo está doente. Vive em casa… amuado. Não pode ir mais ao Arruda. Não pode realizar sua maior paixão que é estar perto do Santa Cruz”.
Puta que pariu, pensei.
“E ia mesmo com o time na pior?”.
“Sempre. Tricolor apaixonado é assim mesmo, professor. Só quer saber mesmo é de estar perto do time”.
Fiquei matutando sobre esse amigo. Pensei na campanha que o Santinha está fazendo para convocar a torcida para o jogo no Arruda contra o América.
O mais interessante é que a campanha mostra funcionários humildes do clube. O povão. Gente trabalhadora, honesta e apaixonada pelo nosso Mais Querido. A essência do que esse clube representa historicamente.
Eu sempre vou ao Arruda. Espero ir até o fim dos tempos. Bem ou mal, subindo ou descendo, com ou sem crise, o Arruda é lugar da torcida.
Um espírito ancestral paira naquele lugar. E domingo estarei lá. A vitória seria uma grande homenagem ao amigo de Seu Sebastião: um tricolor de corpo e alma.

Transparência, meus caros.

Meus amigos tricolores, transparência é um elemento essencial para qualquer governo, empresa ou instituição que se diga séria e competente. Trata-se de atitude administrativa voltada para objetivos específicos e claros, cientes de sua cultura e metas, bem como das dificuldades e possibilidades do mercado.
Tornou-se comum falar em portais da transparência. Estes expedientes digitais permitem que todos que estão envolvidos com a empresa, governo ou organização possam compreender o que está sendo feito em termos de gestão.
Gestão envolve um universo de coisas: finanças, economia, política, planejamento, marketing, etc. E com um time de futebol não é diferente. A grande diferença é que um clube, mesmo sendo uma empresa, é, antes de tudo, sua história e sua torcida. Trata-se de um elemento universal que se mostra no particular da História: a mudança do elenco, dos treinadores, da diretoria e da presidência. O universal é a alma do time.
Jorge Arranja leciona na mesma faculdade em que ensino. Vez ou outra batemos um papo rápido sobre o Santa Cruz.
“Jorge, perguntei, e essa ideia de vender o patrimônio do Santinha para resolver o passivo? É possível?”.
Na sua habitual calma, ele me respondeu:
“Há tantos impedimentos legais, um universo burocrático tão complexo que creio ser inviável. Além do mais, o terreno foi doação de caráter sócio-esportivo. Ou seja, a base do patrimônio possui destinação social”.
Conversando com Gerrá sobre os problemas do clube, ele sugeriu:
“Zeca, escreve sobre transparência. Muita gente está falando nisso. Ninguém sabe o que rola nos bastidores. É muito complicado”.
Um professor de educação física que trabalha, também, na mesma faculdade, me disse:
“E mesmo que fosse possível vender o Arruda, tu não achas que as traças de sempre apareceriam para lapidar esse ativo? Tu és louco?!”.
Hoje Tininho apareceu fazendo um mea culpa na imprensa. Falou o que já estamos cansados de saber: faltou planejamento, erro de contratações, situação financeira…
Um dos grandes problemas é essa falta crônica de transparência de nossos dirigentes aliada a uma total incapacidade de escutar sua torcida. E aqui gostaria de frisar; escutar os sócios. O nome já está dizendo: ei, eu sou teu sócio, me diz aí a verdade sobre o que estou pagando e, de lambuja, escuta aqui minhas sugestões sobre o que acho que deve ser feito para melhorar.
Defendo a mais ampla transparência dentro do Santa Cruz com a criação de dois portais: o primeiro que nos permita visualizar a nossa real situação e um segundo, mais democrático e simples,em que a Direção e a presidência possam ter acesso à opinião dos torcedores realmente preocupados com o clube. Loucura? Nada. São práticas adotadas por empresas japonesas. A Honda e a Toyota que o digam.

Um Nostradamus, urgente!

Meus amigos tricolores, neste final de semana fui para um congresso de Filosofia e estava na casa de um grande amigo – Gustavo Pedrosa – na capital de São Paulo. Deu uma vontade danada de me mandar para Campinas, mas não dava. Pedrosa é o maior anfitrião do mundo. Cerveja importada, gastronomia de alto nível, um papo inteligente e divertido e um coração do tamanho do mundo.
Investidor por natureza, o único defeito deste grande amigo é ter nascido coisado. Pois é, ele torce pela Coisa. Estávamos em seu apartamento em Barra Funda e eu calculando os quilômetros para Campinas. Entre uma cerva e outra e meus cálculos, minha esposa sentencia:
“Você não vai de jeito nenhum”. Cara dominado da porra, eu pensei.
Estava difícil. Decidi ficar vendo os dois jogos ao mesmo tempo: o suplício do Santinha e a desgraça do Vitória que não marca um pênalti nem a pau. Pedrosa pontuava os resultados que iam despontando na 31ª rodada.
O cara compreende os meandros da vida administrativa e olha para o futebol com aquele olhar de expertise de quem entende tudo como um negócio. Olha para o futuro, calcula os erros do passado e aposta no talento e na criatividade no presente.
“Zeca, o teu Santinha deveria ter profissionalizado a Diretoria. Veja o exemplo da Chapecoense. Administração enxuta, visão de mercado, controle nos custos, contas equilibradas, salários em dia. Jogadores medianos… e seguem na Série A”.
Parecia comentador do SporTV. “E o que mais?”, perguntaria o outro comentador.
“O Flamengo está corrigindo administrativa e financeiramente os erros cometidos. Cortaram a folha de pagamento, visualizaram os gastos, trabalham com a prata da casa, investem na base. Lembra-se como estava um desastre o clube no inicio do Brasileirão? Remodelaram completamente a gestão. Estão apostando num projeto de dez, vinte anos”.
Era triste, mas era verdade. Já estou cansado de falar dos erros que cometemos neste segundo semestre de 2016. Não adianta mais chorar o leite derramado.
“A Ponte Preta, ele prosseguiu, fez um trabalho de estruturar o clube para alcançarem os 45 pontos e seguirem no próximo ano na elite. Tudo isso é fruto de visão de futuro”.
Quando Doriva jogou a toalha e reconheceu que a situação é irreversível, pensei nas análises de meu amigo e em tudo o que já foi exaustivamente discutido aqui neste venerável blog.
Precisamos de um Nostradamus urgente. Ou profissionalizamos o que tem que ser profissionalizado ou podemos amargar um futuro pior do que os tempos presentes.
Desci no Recife nesta segunda. A pior ressaca de todas: a falta de esperança.
Li os comentários dos leitores deste blog. Concordei com todos. E é verdade: deu uma vontade filha da puta de mandar tudo para a puta que pariu.
Mas meu coração é tricolor. Estarei lecionando quarta à noite, mas logo que sair da faculdade, ligo o rádio e continuo torcendo pelo Santinha. Ciente dos erros, da tragédia e de um futuro incerto.

Só resta secar, professor!

Meus amigos tricolores, no meu prédio tem um porteiro que é um tricolor muito especial. Seu Luís já é um senhor de idade, mas é tão elétrico e alegre que posso dizer que seu espírito continua jovem. Sempre cumprimenta a todos com um largo sorriso. Fala de maneira espontânea, gesticula como um ator de teatro e sempre tem uma tirada sobre tudo.
“Professor, ele me disse depois do jogo contra o Palmeiras, o negócio tá feio pro Santinha”.
“Série B à vista, Seu Luís”, respondi.
“Pois é. Também, com salário atrasado e com tanto jogador ruim… só podia dar nisso”.
“O senhor tem toda razão. Esse time está de lascar mesmo”.
“Pois é, professor. Só resta secar a Coisa para que eles desçam com a gente. Alegria de pobre é assim mesmo”.
Ri do comentário de Seu Luís e fiquei matutando sobre essas possibilidades.
A Coisa tem 33 contra 31 da Figueirense e vai pegar hoje o São Paulo que está na briga direta por pontos. A Figueirense pega o Botafogo que está brigando entre os dez. O Inter pega o Coritiba que ainda respira com 36 pontos. O Cruzeiro pega a Ponte que está um pouco acima na tabela. Pois é, o negócio está embolado. Mas vale a pena seguir o conselho de Seu Luís.
Para complicar tudo, o Santinha pega o Flamengo que está mais virado do que menino em festa de aniversário. Porém, domingo irei me preparar para tomar umas cervas e ver meu time jogando. Futebol é uma paixão doida mesmo.
Gerrá, ao ouvir meu comentário sobre Seu Luís, tirou a maior onda:
“Torcer, então, para que o Flamengo seja hepta”.
Rir para não chorar.
“Professor, disse Seu Luís, vai cair tudinho. Não vai ficar um. E nem Givanildo vai salvar as barbies”.
A velha e boa rivalidade futebolística em seu mais puro estilo recifense.
Hoje, ao sair para dar aula, Seu Luís veio me recepcionar:
“Vai torcer para o São Paulo hoje?”.
“Mas é claro”, respondi.
“Tem que secar mesmo, professor. E futebol é assim mesmo: bola pra frente”.
Ele fez um gesto como se jogasse uma bola imaginária no ar e soltou o seu grande sorriso.

Crônica de uma morte anunciada.

Meus amigos tricolores, aquele gol aos 30 segundos contra a Figueirense no último domingo decretou o início de um fim que tentamos negar a todo custo. E agora, com essa estranha eliminação da Sul-Americana, uma nuvem de desistência, amargor e ira parece se abater sobre nossa torcida.
Digo estranha porque jogamos muito bem, ganhamos… mas perdemos no primeiro jogo. Todo tricolor deve estar se perguntando: Por que danado Doriva não levou Keno, JP e Léo Moura para Medelín?
Em ambos os casos – Série A e Sula-Americana – temos essa sensação de algo premeditado.
Mas o que conduziu a esta crônica de uma morte anunciada? Penso que podemos elencar alguns pontos para debate.
1. A autonomia excessiva de uma diretoria que tomou decisões equivocadas ao longo de todo o segundo semestre de 2016. Mais autônoma do que a própria presidência. Acertou muito antes, mas errou muito depois.
2. Um presidente que ama o clube e que penhora parte de seus bens para manter a máquina andando parece indicar problemas mais profundos. Esse passivo crônico, histórico e imenso do Santa Cruz deve ser tratado por especialistas em finanças. Não basta a expertise de advogados apenas. E isso a partir de uma política voltada para um futuro promissor.
3. Causa e efeito. Jogadores com dois ou três meses de salário atrasado e funcionários que chegam a quatro ou cinco meses sem ver a cor do dinheiro. Por mais que o administrador conheça teóricos como Peter Drucker, Senge ou Lencioni, não tem como fazer milagres.
4. É preciso uma análise sociológica e econômica sobre o afastamento da torcida tricolor do Arruda. Da mais apaixonada do Brasil, passamos a ser a mais resmungona e ausente. Crise internacional e nacional que afeta o nosso bolso diretamente. Será que o excesso de jogos da Série A impede que um torcedor de pouca renda compareça ao estádio? Parece bem plausível.
5. Contratações tão ruins que indicam um total despreparo – quando se trata de análise futebolística – por parte daqueles que possuem o poder de decidir. E não escutar, ainda por cima, o apelo da torcida.
6. Uma zaga sofrível em todos os sentidos. Um corredor imenso na lateral esquerda que culminou com gols absurdamente ridículos. Escutei torcedores dizendo que estavam com saudade de Tiago Costa.
7. Por falar em gols ridículos, ainda continuo sem entender como Tiago Cardoso não foi parar no banco na Série A. Desde aquele frango contra o Fluminense no Arruda que seu desempenho é tão ambíguo que chega a assustar. O cara faz defesas espetaculares contra a coisa no primeiro tempo e descamba num espetáculo grotesco de erros no segundo. Os dois últimos gols contra a Figueirense foram lastimáveis. Nem goleiro bêbo e barrigudo de pelada.
8. A demora em mandar embora um técnico que se mostrou lunático. E a contratação de outro que parece zombar de onde trabalha ou, o que espero ser a verdade, desconhecer esta realidade em sua amplitude.
9. Cotas que nunca se realizaram em sua inteireza. Novamente, o passivo assombrando nosso presente.
10. Por fim, a questão do Arruda. A mais complexa de todas. Algo como se a UFPE decidisse vender o prédio do curso de Direito do centro do Recife ou como se a Igreja Católica decidisse vender a Igreja da Santa Cruz ou como se pudéssemos modernizar todo o Recife Antigo, acabando com o velho casario histórico. Identidade se constrói com História. Ainda mais, Samarone me chamou a atenção para uma coisa séria: qual presidente teria coragem de assinar a venda? Só penso naqueles torcedores que roubavam tijolos para construir o Arruda. A venda é solução de fato? A única?

Mais do que pontos acabados ou definitivos, creio que estes itens – e todos os que são relevantes e aqui não listados – valem para uma discussão séria sobre nosso amado Santinha.
Seria bom que aqueles que possuem o poder de decidir fossem mais humildes para escutar sua torcida.